Beijo Profano: Renascido Pelo Pecado

Da série Desafios
Um conto erótico de Sativo
Categoria: Heterossexual
Contém 2308 palavras
Data: 16/06/2025 21:39:24
Última revisão: 16/06/2025 22:02:49

[✱ PARTE I: SOLIDÃO & LOUCURA]

O cheiro de desinfetante era espesso como o breu de uma noite sem lua. Lucien Noir, escritor errático, sentia-se afundar num colchão duro, envolto por lençóis ásperos que raspavam sua pele como penitência. Lá fora, os gritos de um homem ecoavam pelo corredor do hospital, carregados de dor ou loucura — talvez ambos. Havia sido ali, entre paredes de cal manchadas e crucifixos tortos, que o haviam lançado como um profanador.

Não se lembrava do trajeto até o Hospital Psiquiátrico São Natanael. Porém lembrava de sua última página escrita: uma metáfora sobre o corpo de Cristo como carne devorada por fiéis famintos. Foi o suficiente para o acusarem de blasfêmia. Agora, estava entre insanos, esquecido pela justiça dos homens e à mercê de algo mais antigo que a religião.

Na sétima noite, Ela apareceu. Misteriosa e soturna.

A princípio, pensou tratar-se de uma alucinação. Mas a mulher que cruzou o limiar do quarto era sólida e imponente, tão real quanto o frio que se infiltrava pelas frestas da janela. Alta, vestida com um jaleco tão branco quanto sua pele — uma palidez lunar —, ela o observava com olhos insondáveis.

— Lucien Noir... — disse, num sussurro quase felino. — Escreveste com sangue o que não se ousa nem pensar. Eu li teus textos.

Ele se ergueu na cama, vacilante. Havia algo de hipnótico na voz dela, como se cada sílaba contivesse notas de um cântico longevo.

— Quem é você?

— Dra. Zafira Mour. Cuido dos que a Igreja deseja silenciar.

E então, sorriu.

O sorriso de Zafira não era um gesto comum. Era um convite velado entre as frestas da razão. Lucien tentou desviar o olhar, mas era como se algo nela se prendesse aos seus olhos — ou à sua alma.

— Os médicos diurnos dizem que você está louco. Eu, no entanto, vejo outro tipo de febre em você — disse ela, aproximando-se da cama. O som dos saltos ecoava como um metrônomo fúnebre.

Lucien permaneceu em silêncio. O que poderia dizer? Desde que fora trancado naquele quarto abafado, ninguém o tratara com humanidade. Ela, em contraste, parecia reconhecer não apenas sua existência, mas sua essência.

Zafira puxou uma cadeira e sentou-se ao lado da cama, cruzando as pernas com elegância. O jaleco se abriu discretamente, revelando um vislumbre de tecido negro sob ele. Não era uma roupa funcional, mas um vestido justo, de veludo talvez, que delineava um corpo esculpido por séculos.

— Escrever é um dom perigoso — ela continuou. — As palavras têm o poder de ferir... ou de libertar.

Lucien engoliu em seco.

— Libertar de quê?

Zafira inclinou-se para frente. O perfume dela era almiscarado, com algo de rosa antiga e fumaça de velas.

— De tudo o que aprisiona… Deuses falsos, dogmas, culpas. Do próprio tempo.

Um arrepio percorreu a espinha de Lucien. Aquilo não era apenas conversa. Era uma sedução. E ele, faminto de sentido, faminto de toque, já se encontrava entregue à vertigem.

— Você é real? — sussurrou, com a voz embargada.

Ela não respondeu. Apenas estendeu a mão, fria e precisa, e tocou seus lábios com o polegar. Aqueles olhos, negros como vidro vulcânico, fisgaram Lucien.

— Amanhã, volto. E trarei perguntas. Você terá respostas?

Lucien assentiu, mudo.

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[✱ PARTE II: COMUNHÃO PROFANA]

Na noite seguinte, ela voltou. E na seguinte. E em mais outras. Sempre à noite. Sempre com perguntas que tocavam feridas — não do corpo, mas da alma. Falavam sobre Deus e morte, sobre prazer e culpa, sobre carne e espírito. Lucien começou a escrever de novo, escondido, entre os lençóis e a insanidade que o cercava. Textos novos, mais ousados, mais profundos. Inspirados nela.

Com o tempo, começou a sonhar com Zafira antes mesmo que ela chegasse. Sentia seu cheiro antes da porta se abrir. Ouvia sua voz mesmo no silêncio. Dra Mour tornara-se sua súcubo.

Até que, numa noite em que a tempestade rugia lá fora, ela entrou com os cabelos soltos e molhados, como se tivesse atravessado os séculos para vê-lo.

— Lucien — disse ela, trancando a porta por dentro — esta noite, não vim com perguntas.

Zafira aproximou-se dele sem pressa. O trovão estalou ao longe, como se o céu desejasse marcar aquele momento com um aplauso de fogo. Ela se curvou sobre Lucien e, com dedos habilidosos, desfez os botões do pijama de algodão que ele usava. Cada movimento era preciso, ela o desnudava sem pressa, porém faminta.

— Você sabe o que sou, Lucien?

Ele assentiu. Sabia. Ou pelo menos intuía. Já lera o suficiente, já sentira o bastante.

— Então por que não teme?

— Porque o que mais temo já me aconteceu: tiraram-me a liberdade. O resto... é só carne.

Zafira sorriu, Lucien reparou os seus caninos ligeiramente mais longos. Não eram ameaçadores — eram sensuais. Ela subiu na cama como uma pantera, e seu corpo se colou ao dele com uma temperatura estranhamente gélida. Os seios, firmes e nus sob o veludo que agora escorregava, roçaram seu peito. Os quadris pressionaram os dele, que já estavam tensos, rijos, famintos.

Lucien a segurou pela cintura e a puxou para mais perto, até que os corpos se encaixassem como versos de um poema obsceno. Ela riu, um riso rouco e luxurioso, e então o tomou por inteiro, guiando o ritmo.

O corpo de Zafira continuava com aquela frieza fúnebre, porém a umidade de seu sexo era calorosa e envolvia cada centímetro do membro rígido de Lucien. Ele arfava com cada aperto dela, com cada suspiro quente que ela soltava em seu pescoço.

Montada sobre o escritor, Zafira lambeu a clavícula dele com a ponta da língua, depois a mordeu suavemente.

Lucien gemeu baixo.

— Se me deseja, aceite-me por completo! — sussurrou ela ao seu ouvido, e então afundou os dentes, com delicadeza, na lateral do pescoço dele.

O êxtase foi imediato.

Não era dor. Era uma explosão de calor em um corpo que há dias conhecia apenas o frio da solidão. O sangue pulsava e Zafira sugava apenas o suficiente — nunca tudo, nunca demais. Enquanto seus quadris se moviam lentamente sobre o dele, criando um enlace profano e divino. Ela se movia como se soubesse cada segredo do corpo dele. E de fato, parecia saber.

Lucien gozou com um grito abafado no ombro dela, sentindo-se mais vivo do que jamais estivera.

E no entanto, seu sangue ainda escorria em um fio rubro da boca de Zafira.

Ela o beijou, sujando sua boca com aquele mesmo sangue.

E ele não se importou.

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[✱ PARTE III: PUNIÇÃO DIVINA, VINGANÇA INFERNAL]

Na tarde seguinte ao encontro herético com Zafira, Lucien foi arrancado da cama por dois enfermeiros de olhos vazios. Seus braços foram amarrados com correias de couro grosso, e ele foi levado, entre empurrões e gritos, até uma sala de azulejos esverdeados com cheiro de formol e ferrugem.

Lá dentro, esperava por ele o Dr. Renault — um homem baixo e corpulento, de cabelos engomados e mãos de açougueiro. Seus óculos redondos escondiam olhos sem compaixão. Diziam que era o “terapeuta da fé”, um defensor da cura pela dor.

— O herege voltou a escrever — disse Renault — Vamos expulsar o demônio da tinta e do papel.

Lucien debatia-se inutilmente, foi preso com firmeza. Dr. Renault preparou uma seringa grossa com um líquido leitoso.

— Uma dose de cloral, para silenciar suas visões. E depois... um pouco de luz para que aprenda a rezar.

A agulha penetrou o braço de Lucien. O entorpecente queimava nas veias, tornando tudo mais lento, mais turvo. Em seguida, os eletrodos foram fixados nas têmporas, e o mundo se iluminou num clarão cruel.

Choques. Convulsões. Urina escorrendo pelas pernas.

Tudo sob os sussurros piedosos do doutor, que murmurava versículos distorcidos enquanto a dor se espalhava pelo corpo do escritor.

Lucien desmaiou.

* * *

O consultório do Dr. Renault era um mausoléu de vidro e papéis empilhados. Ele organizava fichas, cantarolando um hino religioso, quando sentiu a temperatura cair. O ar parou de se mover. A lâmpada piscou.

Na porta, surgiu uma figura alta e pálida, vestindo um jaleco que parecia velho demais, manchado de vermelho escuro nas mangas.

— Quem diabos é você? — perguntou Renault, arregalando os olhos.

— Dra. Mour. Turno da noite — respondeu Zafira com a voz fria como mármore.

— Nunca ouvi falar. Isso aqui é uma instalação de vigilância rígida...

Ela avançou, sem pressa.

— E ainda assim, deixou um escritor ser torturado como um diabo. Um homem que sangra beleza — sibilou.

O doutor riu nervosamente.

— Ele é um louco! Um profanador!

Zafira caminhava devagar na direção de Renault — que tentou erguer a voz, mas foi interrompido pelo impacto seco de suas costas contra a estante.

— Não se aproxime! — ordenou o doutor.

Zafira não respondeu. Segurou-o pelo pescoço com facilidade. Seus olhos escureceram, brilharam como carvão em brasa, as pupilas dilatando-se como as de um predador.

— Cuidado, sou um servo da luz! — gritou, tentando alcançar um crucifixo pendurado na parede.

— Então permita-me apagá-la.

As presas surgiram com elegância monstruosa. Ela cravou os dentes na jugular dele com precisão cirúrgica. O sangue jorrou quente, vivo, até se tornar apenas um fio espesso. Ela sugou cada gota com certo nojo, como se fosse vinho ruim. Quando terminou, largou o corpo como um trapo.

A cabeça de Renault tombou para o lado, os olhos sem vida fitando o teto, enquanto duas marcas profundas escureciam seu pescoço.

Zafira saiu sem olhar pra trás.

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[✱ PARTE IV: A MARCA DA BESTA]

Na manhã seguinte, o corpo do Dr. Renault foi encontrado no chão do consultório. A autópsia apontou uma hemorragia sem explicação, e logo vieram os rumores: “o médico foi punido pela mão do Diabo”, diziam.

Mas a coisa piorou quando começaram a notar o mesmo tipo de marca em outros internos.

Um por um, pacientes com dois pequenos furos no pescoço foram sendo isolados, questionados, acusados. Chamavam aquilo de “a marca da besta”, e diziam que era o sinal de possessão ou pacto demoníaco. Um enfermeiro mais velho chegou a queimar com ferro em brasa o pescoço de um dos pacientes, tentando “purificá-lo”. A mulher não sobreviveu.

Logo, uma cruz de madeira foi erguida no pátio, e os primeiros enforcamentos ocorreram sob cantos litúrgicos.

A caça havia começado.

* * *

O medo enraizou-se profundamente em Lucien. Pouco a pouco os internos eram levados para banhos forçados e os que possuíam a tal marca eram punidos de variadas formas até a morte iminente. Quando soube que em dois dias seria a vez do ‘Bloco D’, onde estava alojado, faltou-lhe o ar. Lucien estava condenado.

Naquela noite, quando Zafira voltou, ele a esperava com o olhar sombrio. Outra coisa o inquietava: se ela havia marcado outros, ele não era o único. Quando ela se aproximou, Lucien recuou um passo.

— Eu fui só mais um, então?

Zafira o fitou em silêncio por longos segundos. Depois, falou:

— Não, Lucien. Você foi o único que desejei. Os outros... os outros são alimento. Você é... profanação.

— O que isso significa?

Ela se pôs diante dele, os olhos brilhando com uma emoção estranha. Quase humana.

— O sangue que corre em você é pura transgressão. Você escreveu contra deuses mortos, contra fé cega. Há luxúria, fúria, arte... tudo o que me nutre de verdade desde que fui humana há dois séculos. Os outros me mantêm viva, mas você... me faz existir.

Lucien ficou calado.

Zafira se ergueu e aproximou os lábios de seu ouvido.

— Estão caçando todos os marcados. Logo chegarão até você. Mas há uma saída.

— Qual?

Ela o olhou profundamente.

— Deixe de ser carne. Escolha a noite.

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[✱ PARTE V: RENASCIDO DO PECADO]

Foi na noite seguinte.

Zafira voltou em silêncio, e pela primeira vez tirou o jaleco ainda na porta. Vestia apenas um vestido de seda negra, sem alças, que escorria como líquido sobre seu corpo. Lucien, de pé ao lado da cama, aguardava — sem medo.

Ela se aproximou.

— É sua escolha, Lucien?

— Sim!

Zafira beijou sua boca com uma fome inédita. As mãos dela o despiram como se decifrassem um de seus livros. Cada toque era a leitura de um novo verso. Ela o despiu de tudo — roupas, pudores, vida.

O ritual seguiu como em noites passadas. Zafira Mour o empurrou sobre a cama e montou sobre ele com uma delicadeza que contrastava com o peso do momento. Os corpos se fundiram outra vez, mas agora havia mais fome, havia mais sede e muito mais. Havia eternidade.

Os corpos suados deslizavam um no outro sobre os lençóis opacos, como oferendas num altar profano. Zafira se movia sobre ele com um domínio ancestral, e cada movimento era uma prece pagã. As unhas dela rasgavam-lhe as costas e riscavam-lhe o peito em desenhos melódicos vermelhos, enquanto a boca deslizava pelo seu corpo como uma serpente faminta. Lucien a segurava pela cintura, mas se deixando guiar, perdido entre suspiros e espasmos.

Seus sexos se encontravam, úmidos, com uma violência primal, como se o próprio prazer pudesse incendiar o mundo. Ele a rasgou de volta com as unhas, apertou-lhe o corpo, mordeu-lhe o pescoço e chupou-lhe os mamilos pálidos com devoção. Zafira gemeu em sua língua antiga, e Lucien respondeu com um rugido contido — e então ela passou a cavalgá-lo com ainda mais calor e intensidade, como se quisesse arrancar-lhe a alma pelo gozo.

Entre mordidas, gemidos e palavras que jamais foram escritas, os dois se entregaram a uma fúria doce, obscena e fatal.

No auge do prazer, quando os corpos se contorciam sob o luar filtrado pelas grades da janela, ela o mordeu outra vez — agora mais fundo, mais fundo que nunca. Sugou-lhe o sangue, junto com a vida que ele deixara para trás.

E ele... a mordeu de volta.

O sangue deles se misturou como tinta impura em um texto pagão.

Ambos ferviam em júbilo, os corpos tão unidos que pareciam uma só criatura. Até que Lucien gritou. Não de dor ou êxtase, mas de renascimento.

Lucien Noir, um escritor de 30 anos, que havia morrido para si desde que foi condenado pelas leis divinas, agora renascia pelo pecado.

[ F I M ! ]

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