Capítulo 11 – Jogos Silenciosos e Jantares Perigosos
No domingo à noite, Clara terminou de aplicar óleo nos pés da bebê e ajeitou a manta bordada no berço. O quarto estava em penumbra, e a casa, em silêncio — um silêncio denso, carregado de antecipações. Marcos passava pano na mesa da sala, meticuloso, quase nervoso. Sabia que aquela noite teria mais do que vinho e conversa fiada: Clara avisara que seria a primeira tarefa pública.
Na tarde anterior, ele recebera um envelope com a caligrafia dela. Dentro, uma folha com a seguinte instrução:
“Durante o jantar, quando eu cruzar as pernas duas vezes, você irá até a cozinha, colocará uma pedra de gelo na boca e voltará. Só poderá engolir depois que eu disser ‘pode aquecer’. Se falhar, você vai dormir vendado e amordaçado.”
Ele lera aquilo como quem lê uma sentença e um poema ao mesmo tempo.
Às 20h, os convidados começaram a chegar. Três casais amigos. Risos, pratos sendo postos à mesa, cheiro de lasanha no ar. Júlia também jantara mais cedo, mas permanecia em casa, no quarto ao lado, ajudando com a bebê e ouvindo, sem querer, o tilintar de taças e vozes animadas.
Clara estava impecável. Vestido verde-musgo, justo, com uma fenda lateral que sugeria e recuava. Cruzou as pernas pela primeira vez logo após servir o vinho. Marcos gelou. Seus olhos procuraram os dela. Ela o olhou de volta e sorriu como quem diz: “Vamos começar?”
Ele se levantou discretamente, foi à cozinha e pegou uma pedra de gelo no copo de água filtrada. Ao retornar, já com o cubo na boca, os olhos de Clara brilharam discretamente. Ninguém percebeu. Ou quase ninguém.
Júlia, que fora ao corredor para pegar um pano para o bercinho, passou devagar pela porta entreaberta da sala. Observou Marcos entrando com os lábios rígidos, tentando disfarçar o desconforto. Observou Clara olhar para ele com aquela intensidade silenciosa. E por um momento, um arrepio percorreu a espinha da babá. Ela sabia que havia algo ali — algo que não compreendia, mas que a prendia como espectadora.
Minutos depois, entre risos e comentários sobre o aumento dos preços e o absurdo dos aplicativos de entrega, Clara cruzou as pernas novamente. Segunda vez.
Marcos levantou-se como se tivesse esquecido a faca. Foi até a cozinha e voltou. Mas agora, o gelo derretia mais rápido e a língua doía. Quando se sentou, ela murmurou:
— Pode aquecer.
Ele engoliu. Com alívio e excitação. O jogo estava apenas começando.
Ao final do jantar, Clara agradeceu a presença de todos, beijou Marcos na bochecha e cochichou:
— Amanhã, tarefa número 3. Boa noite? Só com permissão.
Ele assentiu, as bochechas coradas.
Mais tarde, com a casa em silêncio, Júlia trocou de roupa e ficou sentada na cama por longos minutos. Tentava entender por que sua mente insistia em lembrar o momento em que Clara dissera “pode aquecer”.
Havia algo naquele comando. Algo que a fez morder discretamente o lábio. Aquilo não era vulgar. Era... hipnótico.
Júlia havia sido criada para ser independente. Desde cedo cuidava dos próprios passos. Mas agora, vendo Clara guiar o marido com tanta segurança, um tipo estranho de desejo começou a brotar — não por Marcos, mas por participar daquilo. Ser tocada por aquela força. Achar um espaço naquele ritual silencioso entre os dois.
Fechou os olhos e suspirou.
Na segunda-feira, Clara aplicou a tarefa número 3.
— Hoje você só dorme depois de me pedir permissão — disse, após a amamentação.
Marcos, cansado, assentiu e ajoelhou-se ao lado da cama.
— Posso dormir, minha senhora?
— Ainda não — disse ela, sem sequer olhar. — Primeiro, me beije onde eu escolher.
Ela levantou o lençol e apontou para o tornozelo.
Ele obedeceu. Depois, para o pulso.
— Agora, pode ir.
Ele se deitou, rendido. E dormiu como um menino que havia feito o dever de casa.
No quarto ao lado, Júlia não dormia. Havia algo nela que começava a mudar.
Na manhã seguinte, ela observou Clara por mais tempo do que o necessário. Ao trocar a fralda da bebê, notou como a mãe segurava as alças da camisola com naturalidade firme. Ao caminhar até a sala, reparou como Clara passava por Marcos com a leveza de quem flutua... e com o peso de quem reina.
Júlia não sabia o nome daquilo. Mas estava começando a querer entender.
Na próxima sessão com a terapeuta, Clara comentou o jantar.
— Ele obedeceu, Luísa. Duas cruzadas. Duas pedras de gelo. Sem falha.
Luísa anotou e sorriu.
— Excelente. Agora aumentamos a exposição. A próxima tarefa exigirá algo em público.
— E sobre Júlia?
A terapeuta ergueu os olhos.
— Você notou?
— Ela observa. Silenciosa. Com olhos que pesam mais do que palavras.
Luísa cruzou as pernas, pensativa.
— Se for incluí-la, que seja com clareza. E jamais por impulso. Curiosidade é volátil. Mas entrega... entrega exige raiz.
Clara assentiu, sentindo que o jogo que começara com sussurros no lavabo agora estava abrindo novos corredores de poder, desejo e descoberta.
E ela estava pronta para guiar.