Capítulo 2 – A Conversa que Nunca Coube na Cama
Clara demorou a falar. Não era medo, era cansaço. O tipo de exaustão que vem de anos de silêncios acumulados embaixo do edredom, de suspiros contidos no escuro. Estavam na cozinha, um sábado qualquer, sem pressa. Marcos lavava a louça, satisfeito com o novo ritual de preparar o café da manhã a quatro mãos.
Ela o observava com um misto de ternura e inquietação. Sabia que ele a amava. Mas amor, às vezes, não basta quando a alma sente fome — e o corpo também.
— Marcos… — começou, com voz hesitante.
Ele virou o rosto, enxugando as mãos no pano de prato.
— Fala, amor.
Ela respirou fundo. Estava mais difícil do que imaginava. Mas agora não havia como recuar.
— Preciso conversar com você sobre uma coisa que tenho guardado há um tempo… algo que mexe comigo, com a gente.
O sorriso dele vacilou.
— Tá bom… você quer se separar?
Ela balançou a cabeça rapidamente, mas o olhar carregava uma nuvem.
— Não. Não é isso. É que… nossa intimidade tem me machucado. E eu nunca falei por medo de te ferir. Mas talvez o silêncio esteja nos ferindo mais.
Marcos ficou tenso. Os ombros se enrijeceram.
— Clara… se for sobre a frequência… ou sei lá, eu juro que—
— Não é só frequência — interrompeu, com cuidado. — É sobre o tempo. Sobre a entrega. Sobre o que acontece — ou deixa de acontecer — quando estamos juntos.
Ele ficou em silêncio. Clara percebeu que ele compreendia, mas não sabia como reagir. Continuou, mais suave:
— Marcos, eu sei que você é carinhoso. Sei que me ama. Mas… quase sempre, tudo acontece tão rápido… que eu fico com a sensação de que não estive lá. Como se eu fosse só uma presença decorativa. Entende?
Ele desviou o olhar. Encostou-se na pia, respirando fundo.
— Eu… eu fico nervoso, às vezes. Com medo de não conseguir. E acabo… indo rápido demais. Eu sinto vergonha, Clara. Muito. É como se o meu corpo me traísse.
Ela se aproximou. Tocou a mão dele.
— Eu não quero te envergonhar. Só quero que a gente aprenda juntos. Não é sobre desempenho… é sobre conexão. Eu fico com um vazio que me esvazia por dentro, sabe?
Ele assentiu, os olhos marejados. Tentava manter o orgulho em pé, mas era como caminhar sobre vidro.
— Você já fingiu?
Ela hesitou. O silêncio dela respondeu por si.
Ele abaixou a cabeça.
— Droga… eu achei que estava tudo bem. Você nunca disse nada.
— Eu tentei, nas entrelinhas. Mas você sempre desviava, como se falar disso fosse pior do que sentir.
— É porque… é a pior parte de mim. A que mais me envergonha. Ser rápido demais… é como se eu não fosse homem de verdade.
Ela apertou a mão dele, com firmeza.
— Ser homem de verdade é ter coragem de escutar. De encarar. A gente pode procurar ajuda, pode ir com calma, pode aprender a se tocar de novo. Mas precisamos de verdade. Não quero passar uma vida fazendo papel de satisfeita enquanto me calo.
Marcos assentiu. Ficaram ali, em silêncio por um momento, como se tivessem se encontrado novamente num campo minado.
— E o bebê? — ele perguntou, num sussurro.
— O bebê vai nascer num lar onde os pais aprenderam a não fugir de conversas difíceis. É o mínimo que eu quero oferecer a ele.
Marcos sorriu, tímido. Um sorriso triste, mas honesto. Pela primeira vez, talvez, sentisse que ser vulnerável também era ser forte