Estava no trabalho, fazendo meus reletórios, mas a minha cabeça estava trabalhando, pensando em outra coisa completamente diferente.
Eu ainda pensava no que eu tive coragem de fazer com Kaori, e o quanto aquilo estava mexendo comigo. Todas as vezes que eu tentava esquecer, eu me lembrava daquela mulher avançando sobre mim, desabotoando minha camisa e dando beijos em meu corpo. E me sentia sujo com tais pensamentos, mas o que mais me atormentava era pensar o que minha Kaori poderia fazer se um dia descobrisse a minha traição.
— Mutou, venha aqui. — Chamou Fujiwara.
— Claro senhor.
O senhor Fujiwara acabou me designando para negociar diretamente com um grande parceiro Brasileiro. O contrato poderia render um Belo dinheiro para a empresa, e como eu era o único ali que dominava o português, era uma grande oportunidade.
— Eu posso contar com você?
— Po.. Pode! Eu vou me esforçar ao máximo!
— Eu sei que vai. Não é a toa que está onde se encontra. Se conseguir, vai ganhar muito mais dinheiro do que poderia imaginar.
Fiquei feliz naquele dia, pois estava cada vez mais crescendo na empresa. Se eu recebesse realmente mais dinheiro, poderíamos nos mudar para uma casa maior, uma casa própria! Passei a imaginar as inúmeras possibilidades, e principalmente o conforto que poderia dar a minha esposa. Porém, mal eu sabia que tudo aquilo teria um preço mais pra frente.
— Kaori. — Disse, ao ligar pra minha esposa.
— Anata! — Ela disse. — Ta tudo bem? Se esforçando no trabalho?
— Sim. — Respondi. — Então, eu levarei o chefe para nossa casa hoje.
— Claro. Estou já cortando todos os legumes, vegetais, e carne. Vou fazer a minha especialidade.
A noite chegou com um ar de mistério e coisas que não sabia como explicar muito bem no ar. O aroma do dashi, do cogumelo shiitake e do gengibre fresco pairava no ar. Kaori estava especialmente animada. Tinha preparado tudo com esmero: a mesa de madeira envernizada, os recipientes com legumes fatiados, carne bovina em finas lâminas, tofu, udon e os molhos tradicionais. No centro, a panela elétrica já aquecia o caldo para o jantar no estilo nabe — ou como gostávamos de chamar, hot pot.
Vestia minha camisa social preferida, azul clara, e ajeitei o colarinho no espelho da entrada. Ela já havia arrumado a mesa com louças que guardava para ocasiões especiais.
— Acho que ele vai gostar — disse ela, sorrindo enquanto alinhava os hashis com delicadeza. — Comprei ingredientes de qualidade. Você acha que ele come cogumelo enoki?
— Com certeza. Na verdade, se tiver alcool pra ele beber, tanto faz a comida, esse é o jeito dele.
— Nossa! Será? Mas eu espero que ele ache minha comida saborosa. — Pensou ela.
— Ele vai.
Mal terminei de falar e a campainha tocou. Meu coração apertou. Senti a garganta seca.
Abri a porta e lá estava Fujiwara. Vestia um terno azul-marinho elegante, gravata de tom vinho e um leve perfume amadeirado que invadia o ar sem pedir licença. Em uma mão, uma garrafa de vinho de arroz importado. Na outra, um pequeno embrulho com papel de arroz e fita vermelha.
— Boa noite, Mutou. Boa noite, Kaori-san. Obrigado pelo convite — disse, com um sorriso largo e polido.
— Seja muito bem-vindo, Fujiwara-san! A casa é simples, mas foi arrumada com carinho — respondeu Kaori, com leveza e gentileza.
— Está perfeita. Ora, está cozinhando Hot Pot? Faz muito tempo que não saboreio um.
Sentamo-nos à mesa. Kaori despejou mais caldo na panela elétrica e começou a adicionar alguns dos ingredientes. Enquanto o caldo fervia, Fujiwara observava tudo com um ar interessado e ao mesmo tempo estratégico.
— Isso está delicioso. — Ele disse.
— Está mesmo, Kaori. — Completei.
— Com certeza. Me passe a pimenta, por favor. Adoro beber uma gelada com um arroz apimentado.
Entreguei a pimenta nas mãos do chefe, enquanto observei algo curioso. Ele não parava de olhar para minha mulher, e aquilo de certa forma me deixou um pouco incomodado.
— Estou feliz por finalmente conhecer melhor a casa de vocês. E a pessoa que faz com que Bruno se distraia, de vez em quando, no trabalho — disse com um tom brincalhão, mas com uma ponta de verdade por trás.
Kaori riu, surpresa e corada.
— Ah, não diga isso. Eu atrapalho o trabalho dele?
— Não, não — me apressei. — Ele está exagerando.
— De forma alguma. Mutou se esforça bastante. Tenho tido bons lucros graças a ele. Mas com uma mulher como você em casa... é natural que ele pense nela o tempo todo.
Kaori sorriu, um pouco sem graça, brincando com seus fios de cabelo. Eu apenas abaixei os olhos para meu prato.
Enquanto cozinhávamos os legumes e carnes juntos, servindo uns aos outros, a conversa girava em torno de temas leves: diferenças culturais, viagens no Japão, lugares que ainda queríamos conhecer. Kaori falava com brilho nos olhos sobre Kyoto e os templos floridos na primavera. Fujiwara parecia interessado em tudo que ela dizia. Eu, por outro lado, tentava manter o foco e engolir meu desconforto.
— Vocês se dão bem no ambiente da empresa? — perguntou Kaori.
— Claro — respondeu Fujiwara, servindo-se de saquê que Kaori havia deixado à disposição. — Bruno é promissor. E modesto. Sabia que ele deixa um retrato seu na mesa de trabalho? Quase como um troféu.
Kaori me olhou, surpresa.
— Sério? Isso é verdade, Bruno?
— Eu... só gosto de lembrar de você, quando o dia está pesado.
Ela sorriu e segurou minha mão sobre a mesa, com carinho.
— Fico feliz com isso. É doce.
Fujiwara então soltou:
— Com uma esposa assim, até eu me gabaria. Não é sempre que vemos beleza, elegância e doçura no mesmo rosto.
Kaori riu, sem saber se agradecia ou se ficava constrangida.
— Eu acredito que com uma mulher como você em casa, não teria nunca motivos para buscar outros prazeres por ai, não é verdade, Bruno?
Naquele momento, o arroz quase ficou preso na minha garganta. Olhei para o chefe, e com um sentimento de reprovação de mim mesmo, respondi assentindo que não procuraria mesmo.
Kaori continuava o assunto:
— E como está seu casamento, Fujiwara-san?
— Hm... complicado. Não é como antes. Mas tenho boas lembranças. Aliás... — Ele pegou o celular do bolso. — Tenho algumas fotos recentes nossas. Gosto de fotografia artística, sabem?
Mostrou imagens do casal, sorridentes, em locais ao ar livre, iluminados por luz natural. Mas, com um deslizar sutil, começaram a surgir outras fotos: poses sensuais, nu artístico. Nada vulgar, mas claramente íntimo.
Kaori arregalou os olhos e levou a mão à boca.
— Nossa... são... lindas. Muito bem compostas. Você tem um bom gosto artístico.
Eu apenas observava, tenso. A comida em meu prato esfriava.
— Ah, falando nisso — disse Fujiwara, tirando uma pasta de couro fina de sua bolsa — trouxe algo que queria mostrar: um álbum das modelos da minha agência. Ensaios recentes para uma campanha de biquíni.
Kaori folheou o álbum com interesse, os olhos fixos nas imagens de mulheres de diferentes etnias, todas belíssimas, com corpos moldados, poses pensadas, iluminação perfeita. Comentava sobre os cortes das peças, a composição visual. Até que soltou:
— Elas são tão lindas... eu jamais ficaria bem em algo assim.
— Ora, Kaori-san, não diga isso. Você é incrível. Aliás... pensei em uma coisa. Que tal um ensaio com você e Bruno? Algo elegante, sensual e artístico. O estúdio é nosso, com total privacidade.
— Ah não, chefe. Não acho que isso seja necessário, não temos interesse. — Respondi quase de imediato.
Kaori respondeu em seguida.
— Eu... nunca fiz nada assim. Eu acho ousado demais.
— Mas eu não estou falando de nada ousado. — Ele disse. — E sim de fotos tiradas de vocês dois, como um casal, para guardar de lembrança. Aproveite a minha estrutura dentro do meu estúdio, e façam as fotos. Pense nisso como um presente aniversário de casamento.
— Mas eu não sei, eu teria que ver com o Bruno se ele quer isso. — Kaori completou.
— Isso é impossível — afirmei. — É íntimo demais, além disso, a minha esposa já disse. Não tem muito interesse, e ela deu a voz para que eu recusasse também.
Fujiwara me olhou. Três segundos em silêncio.
— Mas que patético, Mutou-san. — Ele disparou. — Depois de tudo que aconteceu, vai ficar de ciúmes agora? É só um maldito ensaio!
— Tudo que aconteceu? — Disse Kaori.
— Sim! — disse o senhor Fujiwara, enquanto se recompôs na mesa. — Todos esses meses de dedicação, trabalho, e CUMPLICIDADE. Não é, Mutou? — Depois, sorriu e pegou o celular do bolso, mexendo lentamente.
Fiquei gelado. Sabia muito bem do que se tratava.
Kaori percebeu a mudança no clima.
— Eu... não sei se me sentiria bem posando assim para outras pessoas.
— Devia. Devia ter mais coragem. Se ver com outros olhos. Revelar a força e a beleza que tem.
A sobremesa — um doce de matcha com frutas — foi servida, mas o clima estava outro. Fujiwara se levantou com elegância.
— Já está bom por hoje. A refeição foi maravilhosa. A companhia, encantadora. Mas confesso que estou um pouco desapontado. Achei que teríamos uma bela dupla para uma nova série de imagens.
Olhou diretamente para mim.
— Pensei que você confiava em mim, Bruno. Pode ter certeza, não irei esquecer disso que aconteceu hoje.
— Tente entender. — Disse ao senhor Fujiwara, que se levantou para ir embora. Kaori foi atrás e se apressou:
— Espere. Talvez eu possa fazer.
— Você vai fazer? — Disse ele. — O que?
— Posar. Pras fotos. Podemos posar, eu e o Bruno, não é amor?
Eu não falei nada naquele momento. Somente os vi negociar algo, sem mim.
— Bom, eu adoraria que fizesse algumas fotos para minha próxima publicidade então. Posso até pagar, o que acha?
— Tudo bem. Algumas fotos.
O tempo parou por um momento. Fiquei sem reação. Ela me olhou, tentando entender meu desconforto. Eu queria gritar, mas não podia. O passado me amarrava.
Fujiwara então sorriu, satisfeito.
— Fico feliz com sua coragem, Kaori-san. Vou preparar tudo com o maior cuidado. Boa noite.
Saiu pela porta com passos calmos, mas dentro de mim o som era de uma bomba que acabava de explodir.
Ficamos em silêncio. Kaori começou a recolher os pratos. Eu ainda estava sentado, sentindo como se tivéssemos acabado de perder alguma coisa importante. E que, talvez, não soubéssemos mais como recuperá-la.
A noite caiu silenciosa, como se até o vento soubesse que algo estava errado. Depois que Fujiwara foi embora, Kaori começou a recolher os pratos com delicadeza, mas sem dizer uma palavra. Aquele sorriso que ela exibia durante o jantar havia desaparecido, e o ambiente, que antes era perfumado por gengibre e dashi, agora parecia denso, quase amargo.
Eu permaneci sentado, observando a xícara de chá quase vazia, sem coragem de encarar minha esposa. Por fim, criei coragem.
— Por que você aceitou? — perguntei, a voz mais baixa do que gostaria. — Você sabia que eu não queria.
Kaori parou, ainda com os hashis na mão. Virou-se para mim, os olhos calmos, mas carregados de cansaço.
— Eu aceitei porque vi você desconfortável. Porque vi que, se recusássemos, isso poderia se voltar contra você no trabalho. Bruno, ele é seu chefe. E você sabe que aqui... as relações profissionais são mais... sutis. Ele esperava um "sim". Eu dei um sim para evitar um conflito.
Ela se sentou ao meu lado. Tocou minha mão.
— Além disso... você vai estar lá comigo. Não é como se fosse algo escondido. São só fotos. Algumas lingeries, só isso.
— E se ele quiser mais? — perguntei, ainda que sem motivo real. Era só o ciúme falando.
— Ele não vai. E se quiser, eu mesma vou recusar. Eu confio em mim. Você confia em mim?
Engoli seco. Assenti. Porque sim, eu confiava. O errado ali era apenas eu.
— Tudo bem, amor. Sei que vai ficar tudo bem.
Dormimos naquela noite abraçados, mas o sono me escapava. O rosto de Kaori repousando sereno no travesseiro era como uma âncora... e ao mesmo tempo um lembrete do erro que eu havia cometido. Eu queria apagar a noite com Miwa. Queria voltar no tempo. Mas tudo que tinha agora era o presente... e a sombra de Fujiwara.
No meio da noite, sou surpreendido por algo.
Passei a sentir uma mão tocar o meu corpo enquanto estava dormindo. Comecei a sentir esta mão se deslizar até alcançar dentro de minha calça, onde eu vi essa mão começar a tocar meu pau.
Meu pau era acariciado, enquanto a mão o segurava e começou a bater uma leve punheta, enquanto sinto uma boca se aproximando, começando então a distribuir beijos em meu pescoço. Comecei a abrir os olhos, e tinha a melhor visão do mundo.
Kaori puxou minha calça, fazendo o meu pau saltar para fora. Ela começou a levar a sua língua, assim começando a chupar e envolver seus lábios no meu caralho enquanto passei a gemer.
Ela abocanhava meu pau com a sua boca, fazendo assim seus lábios se deslizarem sobre ele enquanto eu observei.
Porém, por mais que ela continuasse ali chupando o meu pau, eu não conseguia ficar ereto. Todas as vezes a visão do adultério vinha em minha cabeça, a culpa tomava conta de mim.
Após Kaori me questionaram, para compensá-la eu mesma fiz se deitar na cama e assim eu tirei sua calcinha. Eu levei minha boca até a sua bucetinha e comecei a chupar, passeando a minha língua bem gostoso entre suas pernas onde eu comecei a movimentar minha língua quente enquanto senti minha mulher se contorcer de tesão.
Fiquei ali esfregando os meus dedos, passando então a penetrar meus dedos ali enquanto eu a ouço gemer e puxar meu cabelo com os seus dedos, olhava para ela de baixo enquanto me deleitava com a sua bucetinha, que seria cada vez mais mel para o provar de meus lábios.
Fiquei esfregando a minha língua no grelinho dela e fiquei brincando com ela de todos os jeitos, até que eu a vejo gozar em minha boca.
Caídos na cama, eu senti um misto de sensações, como frustração, por não ter conseguido ficar ereto, como também culpa, e talvez fosse isso que tivesse retirando meu apetite sexual.
— Me desculpe, Kaori.
— Não tem problema... — Ela sorriu em seguida, me mostrando a ponta da língua. — Eu adorei a chupada. Gostoso.
O dia seguinte amanheceu cinzento. Kaori parecia animada, fez o café da manhã normalmente, lavou as roupas. Eu ainda tinha que encarar o trabalho.
Fujiwara ligou. Marcou as fotos para o dia seguinte. Não perdia tempo. Alguma coisa me dizia que isso não iria prestar.
Cheguei na empresa, e estava ele lá, com seu inseparável notebook. Eu precisava falar com ele.
— Senhor. — O chamei.
— Mutou-san. — Ele respondeu. — Sim, pode falar.
— Olha... — Disse, relutante. — Não podemos continuar com isso. Por favor, não pode reconsiderar as fotos.
Foi então que recebi uma pedrada. Ele virou seu notebook, e me fez lembrar do meu pecado.
Ali estava a cena. A cena do meu pecado. Imagens, vídeos, do dia em que eu trai meu amor. Ele foi breve e direto.
— Você acha que tem moral para dizer que sua esposa não pode posar para as fotos tendo feito isso?
Aquilo me quebrou. Eu tentei rebater.
— Você tem mesmo as fotos, eu já imaginava... O que quer, senhor Fujiwara?
— Nada. — Ele respondeu. — Somente te lembrar que você não tem o direito de duvidar de Kaori-san. Ela não é igual a você. Ela fez isso por você.
— Mas é por ela que eu peço, por favor... — Eu tentei argumentar, em vão.
— Você acha mesmo que sua esposa lhe trairia comigo? Ela não desceria baixo igual a você. Acho que ela merece mesmo saber que o marido dela não conseguiu segurar a vontade na noite do Karaokê. .
— Não, espera! — Eu disse. — Tudo bem. Eu não quero destruir minha esposa. Nosso casamento. Eu preciso confiar nela.
— Ótimo. Agora vai trabalhar. Na próxima semana, como já tinha lhe falado, nosso cliente do Brasil vai fechar o acordo, e eu quero você lá.
Ele tinha razão, quem havia errado era eu. Não era justo duvidar de Kaori que nunca fez nada de errado em nosso casamento. Além do mais, eu estaria lá também. Não tinha por que me preocupar...
Naquela mesma noite, novamente a culpa tomou conta de mim, e eu não consegui cumprir com as minhas obrigações como marido. Novamente frustrações, imagens que deveriam fugir da minha mente, estavam ali a tona, e vi do meu lado a compreensão de Kaori, como também a frustração.
Eu pensava em contar pra ela a verdade, e acabar com isso. Encarar as consequências. Mas isso, seria acabar de vez com a felicidade dela, com a estrutura do nosso casamento. Mas eu, naquele momento, devido a covardia e culpa, mal podia imaginar que meu silêncio e culpa já estavam fazendo isso.
Recebi uma folga no dia seguinte. Era o dia das fotos.
Kaori estava animada naquele dia.
Ela não parecia querer fazer aquilo apenas por obrigação.
O estúdio ficava na ala oeste da cidade, próximo ao distrito artístico, e como combinamos, fomos juntos.
Pegamos um táxi. O trajeto foi silencioso. Eu olhava pela janela, vendo os arranha-céus passando como vultos. Ela segurava uma pequena bolsa com suas roupas e maquiagem. O silêncio entre nós não era desconfortável, mas tenso. Chegamos pontualmente às dez.
O prédio era elegante, fachada de vidro espelhado, discreto. Um recepcionista nos guiou até o terceiro andar, onde Fujiwara já nos aguardava. Vestia camisa preta, sem gravata, mangas dobradas. Tinha uma prancheta nas mãos e um sorriso polido.
— Kaori-san, Mutou. Sejam bem-vindos ao nosso pequeno templo de arte.
O estúdio era impecável. Luz natural entrava por grandes janelas. Cortinas brancas esvoaçavam suavemente. Um fundo fotográfico neutro estava montado, e dois assistentes calibravam luzes. O ambiente parecia digno de uma revista internacional.
Tudo parecia normal, mas algo me quebrou naquele momento. Tinha uma modelo, que havia recém terminado de tirar suas fotos, e estava retirando suas maquiagens no espelho, pronta para ir embora. Era Miwa.
Meu coração acelerou naquele momento, e um misto de sensações ruins tomou conta de mim, principalmente quando ela me encarou. Kaori, ali do meu lado, estava encantada demais com o estúdio para perceber algo.
Miwa seguia me olhando, com o rosto corado. Ela me mandou um beijo ali. Logo se levantou e foi direto até o senhor Fujiwara.
— Obrigado pelo trabalho duro feito hoje. — Disse ele.
— Eu quem agradeço pela oportunidade, mister. — Ela respondeu. — E quem são esse casal lindo?
— Ah, é Kaori-san, e seu marido, Mutou-san.
— Prazer... Kaori-san, Mutou-san.
Ela se aproximou de minha esposa e a cumprimentou, para logo em seguida fazer o mesmo comigo. E pude ver ali aquele olhar de provocação, como se tentasse me dizer algo. Ela sorriu de canto e foi embora, eu nem desviei o olhar, queria não manter contato visual com ela.
— É uma de suas modelos, Fujiwara-san?
— Sim. A mais talentosa de todas. — Disse ele
— Ela é linda... Mais do que eu. — Minha esposa respondeu.
— Eu não acho. — Respondi em seguida.
— Bom... Vamos parar de papo furado? Vamos as fotos.
Kaori foi conduzida até o camarim por uma das assistentes. Eu permaneci na sala de espera, onde podia observar o estúdio por uma divisória de vidro. Tinha café, chá, e revistas de moda japonesa dispostas em uma mesa minimalista. Eu não conseguia ler nenhuma.
Quando Kaori saiu do camarim, trajando a primeira lingerie, meu coração apertou. Ela estava linda. Não... mais do que isso. Estava deslumbrante, com uma postura elegante, o olhar levemente tímido, mas forte.
O fotógrafo, com sua câmera profissional em mãos, guiava com voz baixa:
— Olhe para a esquerda... agora incline o ombro. Isso. Perfeito.
Ele se aproximava às vezes para ajustar um fio de cabelo, ou indicar como posicionar os braços. Tudo profissional... Fujiwara estava ali, comigo, observando minha esposa, e fazia comentários.
— A sua esposa realmente nasceu pra isso. Olha, ela poderia conseguir até um contrato muito bom.
— Ah... É sim. — Respondi, sem graça.
A cada clique, sentia uma pontada de ciúme, uma angústia difícil de esconder. Eu sorria de forma forçada quando ela me olhava, buscando aprovação. Eu dava um sinal com a cabeça. Mas por dentro, me contorcia.
Depois de cerca de uma hora, a sessão de fotos parou e Fujiwara sorriu, satisfeito.
— As imagens estão incríveis. Kaori-san, você é uma joia. Uma luz rara. Mas...
Ele olhou para o monitor, como se pensasse em algo.
— Eu queria explorar mais algumas composições... talvez algo em preto e branco, com sombras mais marcadas. Mas não hoje. Isso exige outro tipo de iluminação, outra preparação. Se estiver disposta, podemos agendar mais uma sessão amanhã. Que tal?
Antes que eu respondesse, Kaori olhou para mim.
— O que você acha, amor?
— Se você quiser, a gente vem. — disse, seco.
Fujiwara sorriu.
— Amanhã, então. Podemos fazer as fotos, eu estou com muitas ideias na cabeça.
— Eu tenho certeza que as fotos ficarão lindas. — Ela comentou
Eu não disse nada, apenas me levantei para ir embora, com uma cara de poucos amigos.
— Eu acho que vocês poderiam repensar o fato de tirar fotos em duplas. Acho que os dois se sairiam muito bem, e ficariam lindos nas fotos.
— Vou pensar. — Respondi.
— Obrigado pelo trabalho de hoje. — Disse o fotógrafo.
— Foi um prazer — respondeu Fujiwara, com aquele sorriso indecifrável. — Estou ansioso por amanhã.
Enquanto saíamos, Kaori segurou meu braço.
— Você está bem?
— Estou. Só cansado.
Mas a verdade era que eu sentia que algo estava saindo do nosso controle. E eu ainda não sabia o quanto estava prestes a perder.
Acordei antes do despertador. Meus olhos abertos encaravam o teto branco, mas minha mente estava distante. A noite havia sido inquieta, com sonhos partidos e imagens que insistiam em me atormentar. O peso da culpa repousava sobre meu peito, sufocante. Ao meu lado, Kaori ainda dormia, seu rosto sereno, os cabelos espalhados pelo travesseiro. Ela era paz em forma humana... e eu, o caos que ameaçava aquela tranquilidade.
Fiquei ali, observando-a. E pela primeira vez em muito tempo, senti medo de perdê-la. Não por culpa dela, mas por minha própria fraqueza. Como se cada decisão errada que tomei estivesse me afastando milímetros por vez daquela mulher incrível.
Ela abriu os olhos devagar, e sorriu com a doçura de sempre.
— Está animado para hoje? — perguntou com a voz sonolenta.
— Claro... — respondi, forçando um sorriso. — Vai ser um dia cheio.
Disfarcei, levantando para ir ao banheiro. A água fria no rosto não era o suficiente para me despertar daquela espiral de ansiedade.
Durante o café da manhã, tentei encontrar uma forma de convencê-la.
— Kaori... sobre hoje, você tem certeza que quer ir de novo?
Ela me olhou, surpresa, enquanto passava manteiga no pão.
— Ontem você disse que não havia problema. Que confiava em mim.
— Eu confio. Mas... não sei. Me sinto desconfortável com tudo isso. Foi uma sessão muito pessoal ontem.
Ela largou a faca sobre o prato, e pegou minha mão sobre a mesa.
— Se eu tivesse algo a esconder, você não estaria do meu lado hoje, Bruno.
Seu olhar era firme, mas não agressivo. Era como se dissesse: "confie em mim, mesmo quando você não confia em você mesmo". E isso me quebrou. Pois eu tinha errado. Ela não.
O telefone tocou.
Era Fujiwara.
— Mutou-san. Nosso cliente do Brasil acabou de chegar na estação de Osaka. Preciso que você o busque e o acompanhe até o escritório. Encontre-o no ponto de encontro leste.
— Senhor, sobre a sessão de fotos de hoje... eu planejava acompanhar minha esposa.
— Ela pode muito bem ir sozinha.
— Não, senhor. Essa sessão só iria acontecer porque eu iria acompanha-la.
— Não posso desmarcar. — Ele respondeu. — Você sabe quanto custa para desmarcar uma sessão de fotos? Eu não tenho disposição para desperdiçar dinheiro.
— Mas... — tento argumentar.
— Você não confia nela? Precisa segui-la? Ou tem medo que ela cometa o mesmo erro que VOCÊ cometeu?
Fiquei sem palavras. Aquilo foi uma facada.
— Tudo bem. Eu vou buscá-lo.
— Excelente. Leve-o ao escritório às 17h. Até lá estarei livre de outros compromissos.
Ele desligou. Fiquei com o telefone na mão por alguns segundos. A tela preta refletia meu rosto pâlido. Suspirei e fui até Kaori, que já trocava de roupa para sair.
— Amor... surgiu um compromisso. Um cliente do Brasil acabou de chegar, e o chefe quer que eu acompanhe. Não vou poder ir com você hoje.
Ela se virou, com um leve sorriso.
— Tudo bem. Eu só vou tirar umas fotos e volto. Se algo me deixar desconfortável, eu paro. Prometo.
Nos beijamos na porta do estúdio. Foi um beijo demorado, silencioso. Mas, quando ela se afastou, senti como se um pedaço de mim estivesse indo embora também. Meu coração apertou.
Segui para a estação de Osaka. A estação era enorme, cheia de painéis eletrônicos e o som constante dos trens. Encontrei Alberto, o cliente brasileiro, perto de uma cafeteria.
— Bruno? — perguntou, sorrindo e estendendo a mão. — Alberto, prazer em te conhecer.
— O prazer é meu. Bem-vindo ao Japão.
Nos sentamos e começamos a conversar. Ele era simpático, animado, cheio de perguntas sobre a cultura, o mercado, o estilo de vida.
Mas minha cabeça não estava lá. Estava em outro lugar. Estava no estúdio. Em Kaori. No que podia estar acontecendo.
Três horas se passaram. Olhei o celular. Nenhuma mensagem. Liguei. Fora de área.
— Tudo bem? — perguntou Alberto.
— Sim... só preocupção com um projeto.
Ele riu.
— Você é dedicado, hein? No Brasil, a essa hora, tínhamos era ido tomar uma cerveja.
Consegui forçar um sorriso. Era um bom sujeito. Por sorte, o projeto o agradou. Discutimos termos, valores, estratégias. Ele parecia realmente interessado.
Quando o relógio marcou 16h45, seguimos para o escritório. Fujiwara já nos esperava.
Ao nos ver, ele rapidamente fechou o notebook. Sorriu com aquele sorriso largo demais.
— Mutou! Alberto! Bem-vindos. Estava ansioso por esse encontro.
Alberto foi direto:
— Adorei a proposta. Quero fechar com Bruno. O material estava muito bem apresentado. Ele entende do que faz.
— Excelente. Mutou, parabéns. Você deu um passo enorme hoje.
Eu sorri. Por fora. Por dentro, queria saber apenas de uma coisa: onde está Kaori agora?