As luzes de Osaka pareciam mais vivas naquela noite, como se o próprio mundo soubesse que algo prestes a acontecer não poderia ser ignorado. A empresa tinha fechado o maior contrato do ano — uma expansão para o sudeste asiático. Todos estavam eufóricos. E eu, mais uma vez, fui chamado para a celebração.
— Mutou-san! — a voz do senhor Fujiwara soou às minhas costas, enquanto eu ainda digitava o último relatório do dia.
Olhei por cima do ombro. Ele sorria, amigável, mas havia algo nos olhos dele… algo mais calculado.
— Hoje, karaokê novamente. Você não vai fugir dessa vez, né?
— Eu... — hesitei. — Preciso avisar minha esposa, só isso.
Ele riu baixo.
— Ah, a bela Kaori-san. Aposto que você mantém a foto dela ai na mesa só pra se gabar, não é?
— Não, senhor. — Respondi ao chefe. — É para lembrar todos os dias por quem eu dou duro.
— Claro, claro. — Ele respondeu. — Mas, pare de negar. Aposto que é pra se gabar também, não seja tímido.
— É.. — Respondi, dando uma risada em seguida. — Hahaha. Pra me gabar também, ela é muito linda.
— Claro. Mas então, mais tarde, hein? Avise sua esposa, eu lembrei que tenho que avisar a minha.
Sorri de canto, desconfortável. Mas uma recusa direta a Fujiwara seria vista com desrespeito. E ele sabia disso.
Mandei uma mensagem para Kaori no caminho. Ela me respondeu em poucos minutos:
“Tudo bem, amor. Se divirta um pouco. Só não volte tarde demais, tá?”
Antes do expediente, resolvi ligar pra ela, matar a saudade de sua voz.
— Kaori, sou eu.
— Bruno, meu amor! — Ela respondeu, com uma voz suave e doce. — Hoje farei aquele curry com frango que você tanto gosta. Volte cedo, ta?
— Claro, estou ansioso para comer sua comida. Nem vou comer lá, só fazer um agrado ao chefe.
Desliguei o telefone, e assim segui com o pessoal, mal imaginando o que viria á seguir.
Chegamos de táxi. O prédio ficava discretamente posicionado numa travessa escura do distrito de Namba. Por fora, apenas uma pequena placa em kanji dourado sobre uma porta de madeira escura. Por dentro… outro mundo.
Era como entrar em um hotel cinco estrelas misturado com um templo da tentação. Tapetes espessos, luzes difusas em tons quentes, aroma suave de incenso e perfume feminino. As salas eram privativas, isoladas por portas de correr. Um hostess nos levou até uma delas. Fujiwara ia à frente, sorrindo como um general satisfeito com a tropa.
— Não fiquem gastando seus dinheiros nos gachapons, hein! hahaha — Ele brincava. O chefe mudava o tom nesses lugares.
Quando entramos, o ambiente era aconchegante, decorado em madeira polida, com sofá em “L” de couro macio, uma mesa baixa repleta de petiscos típicos — sashimis, espetinhos, pratos coloridos — e, claro, garrafas de saquê.
Os primeiros minutos foram inocentes. O pessoal da empresa cantava músicas dos anos 80 e 90, desafinados e risonhos. Eu participei discretamente, batendo palmas, servindo-me de suco.
Foi então que a porta se abriu.
Elas entraram.
Mais uma vez, o chefe havia chamado garotas para nós, para nos servir.
— Essas são diretamente da minha agência de modelos. — Ele comentava.
— Agência? — Eu perguntei a ele.
— Sim, não sabia? Ah. — Ele acaba franzindo a sombrancelha, e relaxado, respondeu. — Verdade, eu não contei. Eu tenho uma agencia de publicidade também, onde faço propagandas para marcas de lingerie.
— Curioso. — Respondi.
— Mutou, se quiser, eu mostro um catálogo pra você qualquer dia desses, vai adorar cada mulher ali. Quem sabe não compra uma peça pra Kaori-san usar, hum?
Fiquei apenas calado ali, assentindo com a cabeça junto com ele.
Havia cinco mulheres. Todas belas, vestidas com vestidos curtos de seda, maquiagem impecável, sorrisos treinados. A sala se iluminou mais do que pelas lâmpadas — era a presença delas. Como se cada uma dominasse o próprio espaço com maestria.
Cada uma se posicionava para se sentar junto a um dos convidados do senhor Fujiwara. Eles não perdiam tempo, e assim se envolviam completamente com elas. As mulheres pegavam as doses de saquê, e davam na boca deles, acompanhadas de beijos e chupadas na boca.
Uma das mulheres veio até o chefe. Ela se sentou do lado dele, e começou a frouxar sua gravata, desabotoar sua camisa. Beijava o pescoço dele.
— Toma um gole, Mutou. Larga esse suco.
— Não, eu não quero.
— Larga de ser careta, seu idiota. Beba logo, ou vai querer me desagradar?
Foi então que cometi meu primeiro erro: para agradar meu chefe, acabei então pegando a garrafinha de saquê e enchi o copo e virei numa talagada só. Degustei aquela bebida que caia em minha garganta arranhando completamente a mesma, e assim que tomei o primeiro gole, meu chefe começou a me incentivar a beber mais. E assim eu tomei o segundo gole, e mal sabia que estava caindo para um evento muito perigoso.
Foi então que entre Um gole e outro, apareceu o meu segundo erro . Ela apareceu , eu a vi: Miwa.
Cabelos castanhos claros, longos, com mechas douradas que reluziam sob a luz. Seus olhos eram felinos, puxados, e o sorriso... afiado e doce, como um veneno servido em taça de cristal. Ela se sentou ao meu lado sem pedir permissão.
— Mutou-san? — perguntou com voz melodiosa.
Assenti, confuso.
— Sou Miwa. Estava curiosa para conhecer o estrangeiro mais falado da empresa.
Fiquei confuso, pois ela falava português. Encarei ela e assim perguntei:
— É... você fala português?
Ela riu, pegando uma garrafa de saquê e servindo em minha taça.
— Sim, pois assim como você, eu também vim do Brasil. Mas não é necessário falar muito... no que estou para fazer hoje.
Foi então que Fujiwara se aproximou, já visivelmente mais solto com a bebida.
— Miwa é especial, Mutou. Você vai gostar dela. Eu a selecionei especialmente pra você, é da sua terra. Relaxa, aproveita a noite. — E sem que eu percebesse, ele encheu novamente meu copo. — Um brinde à confiança!
Hesitei.
— Senhor, eu já bebi dois copos. Minha esposa está me esperando.
— Só hoje — disse Fujiwara, olhando nos meus olhos. — Você por um acaso tenho uma esposa, ou uma mamãe? Faça o que eu estou mandando, beba comigo!
E sendo levado pelas ordens do meu chefe, acabei por beber novamente. Virei o copo que caiu sobre minha garganta sentindo o amargo do álcool e o gosto peculiar daquela bebida de arroz fermentado.
Miwa começou a se aproximar mais. Tinha perfume de jasmim e olhos que dançavam sobre os meus. Sua mão tocou levemente meu braço, depois minha coxa. Eu recuei, incômodo. Ela apenas sorriu.
— Está tudo bem — disse. — Só estou aqui para servir.
Ela encheu meu copo com mais um gole de saquê. Ela veio dar em minha boca, e mesmo hesitando, eu cedi e tomei das mãos dela. Ela começou a beijar meu pescoço, enquanto o Senhor Fujiwara pegava a bunda dela com uma de suas mãos, ao mesmo tempo que trocava beijos com a outra.
Eu queria levantar, ir embora. Mas então o mundo girou, devagar. O saquê já fazia efeito. Miwa me servia mais. As vozes viravam ecos. A música, um zumbido.
— Relaxe, Mutou — sussurrou Fujiwara, agora ao lado de outra mulher. — Confie na noite.
Mas ai era algo que eu não queria confiar. Eu tentei me levantar, e fui impedido. Miwa, começou a desabotoar minha camisa, retirar a minha gravata. Logo, eu estava já sem camisa, com aquela mulher lambendo os meus mamilos.
Minhas lembranças passaram a ficar turvas nesse momento. Tudo que me lembro, é de ver o Senhor Fujiwara, sem calças, sendo mamado freneticamente por uma das modelos ali, que abocanhava seu pau com força, sugando, enquanto estava de joelhos, tendo os cabelos puxados por ele, enquanto a própria Miwa, estava fazendo o mesmo comigo. Como eu poderia ficar de pau duro numa situação daquelas?
A bebida passou a ficar traiçoeira. Eu comecei a ver imagens de Kaori ali, como se fosse a própria que estivesse ali, me chupando. Eu a puxei, passei a beijar a boca dela, enquanto meti a mão dentro de sua calcinha, brincando com a bucetinha quente.
Meus dedos passeavam naquela bucetinha molhada, enquanto ouço gemidos. O rosto era da minha esposa, mas a voz não. Estava tudo confuso em minha mente.
— Hahaha, muito bom, Mutou! — Ouço ao fundo.
Ela se levanta, e estende as mãos, me chamando. Eu atendo, já não tinha mais forças para resistir. Sou levado a algum lugar.
Um corredor. Luzes suaves. O som abafado do karaokê ao longe. Um quarto com papel de parede bege, cortinas fechadas. Uma cama.
A lembrança se desfaz ali. O que sobrou foram flashes. O toque do lençol. O cheiro de perfume. A sensação de cair... e me perder.
Lembro vagarosamente de algumas coisas, de uma mulher, de costas, sentada em mim, cavalgando em cima do meu pau. Com uma bunda se rebolando em mim, enquanto estava estirado, rendido ao chão. E eu sentia tesão.
Eu lembro de ter levado minha mão até a sua bunda, agarrado com vontade, puxado contra minha pica. Eu definitivamente estava fodendo. Eu me dei conta ali que estava traindo minha mulher. E não consegui parar. E desmaiei.
Quando abri os olhos, a primeira coisa que senti foi o frio.
Depois, a culpa.
A luz do relógio digital piscava: 04:08.
Miwa estava ao meu lado, nua, parcialmente coberta por lençóis de seda branca. Dormia como se nada tivesse acontecido. Como se não tivesse acabado de destruir meu mundo.
Levantei de supetão. Meus jeans estavam jogados no chão, meu celular sobre a mesa. Peguei com pressa. Várias notificações.
17 mensagens de Kaori.
“Você tá bem?”
“Já é meia-noite, amor. Me avisa…”
“Tô preocupada.”
“Me responde, por favor.”
“Tá tudo bem?”
Meu estômago virou. Vesti-me às pressas, evitando olhar Miwa. Saí do quarto como quem foge de uma cena de crime. No corredor, Fujiwara me esperava, encostado na parede, com uma garrafa de água nas mãos.
— Dorminhoco — disse ele, com um sorriso. — Foi uma boa noite?
Olhei para ele, sem dizer nada. Meu rosto devia estar pálido.
— Vamos, eu te levo pra casa. Kaori-chan deve estar preocupada.
Fomos de carro, um motorista particular nos levou. Nenhum de nós tinha alguma condição para dirigir.
O caminho foi silencioso. No carro, tentei pensar no que dizer. Nada fazia sentido. Nada parecia certo. O mundo, antes claro e simples, agora estava manchado.
Quando paramos em frente ao prédio, Fujiwara saiu comigo até a porta.
— Mutou, esse será nosso segredo. Não precisa contar a sua esposa. — Ele disse.
— Não posso mentir... — Disse, ainda com a cabeça girando.
— Besteira. — Disparou. — Eu já te falei, você é homem. Aqui no Japão, é normal dar escapadas. Isso não faz você amar menos sua esposa.
— Eu amo.. Minha esposa.
— Sim. E por isso vai poupa-la dessa dor. Kaori-chan não mecere isso, e nem você. — Ele completou, batendo no meu ombro. — É um bom rapaz.
No Japão, assim como em qualquer outro país o o adultério existe. Aqui, existe um código onde o casamento e a estrutura familiar são muito valorizados, onde as pessoas , não só por conta da opinião pública mas também pela opinião familiar , valorizam demais a família, então casos extraconjugais sempre são mantidos em sigilo, é quase como uma cultura no país onde fatalmente os casais vão perdendo o apetite sexual conforme o tempo de casamento for passando.
Logo, vejo uma porta se abrir, era Kaori. Estava de pijama, cabelo preso, olheiras fundas.
Mas ainda assim... deslumbrante. Mais do que nunca.
Ela me abraçou de imediato, aliviada.
— Meu Deus, você sumiu! Eu... eu achei que algo tivesse acontecido!
Fujiwara observava. Seus olhos percorreram o corpo dela com precisão cirúrgica. Quase fiquei enjoado.
— Desculpe incomodar — disse ele, com um tom polido. — Estava com Mutou-san. Peguei ele emprestado por hoje, não imaginei que iria precisar tanto dele. Estavamos entre amigos. Bebemos demais.
Kaori curvou-se em agradecimento.
— Muito obrigada por trazê-lo. Ele nunca fica fora tanto tempo... E pelo jeito, bebeu demais.
— Agora entendo por que — disse Fujiwara, olhando para mim com um sorriso malicioso. — Uma esposa linda como você... é mesmo difícil se distrair.
Kaori sorriu sem entender, e eu apenas abaixei a cabeça.
— Ah... Obrigada!
— Não tem de quê. — Ele disse. — Não fique triste com seu marido. Ele se empolgou demais, nunca esteve em uma comemoração como a de hoje. Mas eu cuidei dele, como se fosse meu filho.
— Obrigado, Fujiwara-san. — Ela disse. — Bom... Não quer vir jantar em casa qualquer dia desses? Como agradecimento.
— Claro. Eu adoraria. Boa noite — disse ele, virando-se. — A gente se vê em breve, Mutou.
E se foi, deixando atrás de si o rastro de uma armadilha perfeita. E eu só fui perceber isso, quando era tarde demais.
Kaori me levou até o quarto, com carinho. Eu mal conseguia andar. Mais pela culpa do que pela bebida.
Ela me deitou com cuidado.
Fez um carinho no meu cabelo.
— Tô feliz que você voltou bem. Me deixou tão assustada...
Eu não respondi. Apenas fechei os olhos, desejando que aquilo tudo fosse um pesadelo.
Mas não era.
E ali, entre os braços da mulher que eu mais amava, começou o maior inferno da minha vida.
A dor na cabeça era como uma marreta. Pulsante. Áspera. Como se minha consciência tivesse tentado sair do meu corpo à força enquanto eu dormia.
Abri os olhos devagar. A luz que entrava pelas frestas da janela era suave, mas para mim parecia um holofote no rosto de um criminoso. Pisquei, tentei respirar fundo. Ao meu lado, o travesseiro de Kaori já estava vazio.
Acordei com a cabeça explodindo.
Era como se alguém tivesse martelado meu crânio a noite inteira. A luz fraca do quarto atravessava a cortina e me lembrava, com delicadeza cruel, que o dia já havia começado.
O cheiro do café se misturava ao perfume dela, que ainda pairava no lençol.
Tentei me levantar, mas meu corpo pesava. Como se a cama quisesse me prender — ou como se o que eu fiz na noite anterior tivesse deixado marcas físicas, além das emocionais.
— Bom dia, amor. — a voz doce de Kaori entrou no quarto junto com ela, com uma bandeja nas mãos.
Ela usava uma camisola branca, simples, e um sorriso que me cortou como faca.
Eu engoli em seco.
— B-bom dia — respondi, sem encarar direito seu rosto.
— Preparei seu café. Ah, e o senhor Fujiwara ligou. Disse que hoje você pode tirar o dia de folga, pra descansar. Ele pareceu bem gentil.
O nome dele caiu como uma pedra no meu estômago.
— Gentil… é. — murmurei.
Kaori se sentou ao meu lado na cama e colocou a bandeja sobre minhas pernas. Pão, café com leite, ovo mexido com cebolinha — do jeito que eu gostava. Era como se nada tivesse acontecido… mas dentro de mim, tudo estava ruindo.
— Você tá com uma cara estranha… tá com febre? — ela colocou a mão na minha testa.
Eu desviei com leveza, me sentindo um lixo por fazer isso.
— Não. Só tô... cansado.
Ela assentiu, meio sem jeito.
— Ontem foi muito puxado? Como foi o evento?
A pergunta veio como um estalo. Tão inocente, tão natural. E eu... reagi com espinhos.
— Não teve nada demais. Só gente bêbada e barulho. Só isso.
Ela ficou em silêncio. Surpresa. Magoada.
— Me desculpa. — murmurou, baixando os olhos.
Foi aí que me quebrei.
Segurei sua mão com força, desesperado. Me virei de lado, encarando seu rosto delicado.
— Ei... não, eu é que peço desculpas. — minha voz falhou. — Kaori, eu... você é a melhor coisa da minha vida. Eu te amo. Você sabe disso, né?
Ela me olhou com os olhos arregalados, confusa, mas sorriu de leve.
— Eu também te amo, Mutou. Muito.
Nós nos beijamos. Ela não fazia ideia do buraco em que eu estava afundando. E isso tornava tudo pior.
Levantei com esforço e fui para o banho. A água quente escorria pelo meu corpo, mas não limpava a sensação de estar sujo.
Fechei os olhos e, por um instante, desejei voltar no tempo. Apagar a noite anterior. Ou, ao menos, ter dito "não". Ter saído antes. Ter sido... fiel.
Mas o tempo não perdoa covardes.
Passei o dia em um estado fragmentado. Às vezes, vagando pela casa como se estivesse em transe. Às vezes, abraçando Kaori sem motivo, como se aquilo pudesse apagar algo que já tinha sido escrito em pedra.
Ela percebeu meu comportamento esquisito, mas não comentou nada. Era do tipo que respeitava o silêncio, mesmo quando ele gritava.
À tarde, enquanto ela cortava legumes na cozinha, lançou a bomba:
— Ah, convidei seu chefe pra jantar com a gente. Achei que seria uma boa forma de agradecer por ele ter te trazido ontem e por ser tão compreensivo.
Quase deixei o copo cair.
— O quê? Kaori, por que você fez isso?
Ela me olhou, surpresa com minha reação.
— Eu... só achei que seria bom. Fortalecer laços, sabe? Isso pode te ajudar na empresa. E ele pareceu ser um bom homem.
"Bom homem" ecoou na minha cabeça como um deboche do destino.
— Kaori, ele é meu chefe, não nosso amigo. A gente não precisa misturar as coisas...
— Você tá estranho. É só um jantar.
— É, desculpa — suspirei, tentando me recompor. — Só não gosto muito dele, mas... tudo bem. Combinamos com ele. Só... deixa que eu falo com ele, tá?
— Não gosta dele? — Ela me questionou. — Mas você vivia sempre me falando o quanto ele era um bom homem e o admirava.
— As vezes nos enganamos um pouco com as pessoas... — Soltei.
— Como assim?
— Nada. Pode sim fazer o jantar, marcarei com ele um dia apropriado para ele vir em casa, ta bom, amor?
— Claro — respondeu, com um sorrisinho.
Ótimo. Como se o inferno tivesse hora marcada agora.
Voltar ao escritório foi como entrar em um campo minado.
Eu evitava contato visual, mantinha a cabeça baixa. Mas, inevitavelmente, fui chamado por Fujiwara. Ele estava em uma sala de reunião menor, com dois funcionários ao lado, conversando e digitando algo no notebook.
Quando me viu se aproximar, fechou o notebook imediatamente, com um clique sutil, como quem esconde uma arma.
— Mutou-san! — disse, se levantando com um sorriso falso. — Como você está?
— Terrível — respondi, sem floreios.
Ele colocou uma mão em meu ombro.
— O peso da primeira queda sempre é maior. Mas, acredite em mim, passa. E... vale a pena manter o que importa intacto.
Sabia exatamente o que ele queria dizer.
— Kaori me convidou para jantar com vocês — continuou. — Fiquei muito feliz. Ela é... encantadora. Estarei livre na sexta.
Não consegui responder de imediato.
Apenas assenti, com o estômago revirado.
Acordei com o cheiro de peixe grelhado e misoshiru no ar. Kaori estava animada, organizando a mesa, ensaiando até um prato mais elaborado.
— Quero que tudo fique bonito. Acho que vai ser uma noite legal.
"Legal" não era exatamente a palavra que me vinha à mente.
Minha cabeça latejava, meu peito apertava, e ainda assim… lá estava ela.
Alguma coisa, não sabia o que, mas me dizia para não confiar no Senhor Fujiwara. Mas, ele não tinha feito nada demais, até o momento. Fui eu quem trai, apesar da insistência dele.
Como ele disse, no Japão casos extraconjugais são normais, mas por mais que isso seja verdade, o peso da culpa caia sobre mim e não poderia ignorar isso. Eu não sabia porque, mas algo dentro de mim dizia que eu deveria tomar cuidado com ele, que ele poderia inclusive me chantagear. E se ele tivesse imagens?
Fiquei parado à porta da cozinha, observando-a cantarolar baixinho enquanto mexia o arroz no panelão. Kaori era linda, inocente. Não pensava o mal das pessoas.
Naquele instante, percebi: minha vida estava nas mãos de um homem que sorria demais.
E naquela noite, ele estaria à nossa mesa.