31- As Últimas Jogadas

Um conto erótico de Lauro Costa
Categoria: Gay
Contém 3647 palavras
Data: 02/05/2025 20:39:57
Última revisão: 02/05/2025 20:45:18
Assuntos: Gay

O celular de Pia vibrava sem parar. Mensagens, menções, vídeos. Aldo foi filmado embriagado e descontrolado na live de um bar sujo da zona norte — havia se espalhado como praga.

Pia estava sentada à mesa, o rosto duro. Camila batia portas no andar de cima, enquanto Diego descia as escadas com um jornal online no tablet em mãos.

— Isso é nojento — ele jogou o tablet sobre a mesa. — O que você tem na cabeça, pai? Expõe a gente, expõe a mãe...

Aldo, com olhos inchados e cabelo desgrenhado, tentou argumentar:

— Eu estava bêbado. Eu não sabia que estavam transmitindo...

— Mas você disse! — Camila apareceu na porta da cozinha, tremendo de raiva. — Falou que nunca ia fazer a gente passar vergonha, e ai foi lá e fez pior.

— Eu não menti, mas não consigo — respondeu Aldo, com a voz baixa, porém firme.

Pia se levantou devagar. Usava um robe de cetim escuro. O olhar fulminava.

— Você acabou com qualquer resquício de respeito que os seus filhos tinham por você — disse. — Acha que é o quê? Um garoto de vinte anos podendo sair gritando pelos cantos arrumando briga ?

— Pia...

— Não! — Ela ergueu a mão. — Eu engoli sua decadência naquela delegacia, sua frustração, até sua carência. Mas isso foi um espetáculo barato. Você não pensou em mim, não pensou neles.

Aldo sentiu o peito se contrair. Tentou tocar o ombro dela.

— Eu pensei no que perdi. E percebi que...

— Que perdeu mesmo — Pia virou as costas. — Mas não foi o Leônidas. Foi a gente. Eu e seus filhos.

Diego e Camila saíram da casa pouco depois, ignorando o pai. Aldo ficou parado, os olhos marejados. Sozinho.

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A cidade dormia menos do que Leônidas. Eram quatro da manhã quando ele subiu mais uma vez ao terraço do prédio, camisa preta aberta até o peito, com o cigarro aceso entre os dedos e os olhos embaçados pela neblina que cobria os prédios do Jardim Europa. A fumaça subia, mas as certezas, essas desciam — espessas, perigosas, como tudo que vinha pela frente.

No andar de baixo, Alexandre dormia. E era só por isso que ele ainda não tinha explodido tudo.

— Eles aceitaram — disse Márcia, entrando na sala com um sorriso tenso. — Os quatro.

— Quem?

— Augusto, Cíntia e Rodrigo . Pularam da Fama e hoje mais tarde eles virão aqui.

Leo apenas assentiu. Seu olhar estava frio, calculando o movimento seguinte.

— Vai ser guerra — ela completou.

— Já é — ele disse. — Agora a gente dá nome às balas.

No centro velho da cidade, Vicente tomava seu desjejum depois da corrida matinal, passando a faca no pão com uma delicadeza com que mandava gente pro inferno. Recebeu a informação do roubo de funcionários da Fama com um suspiro seco e um gole no suco.

— Leônidas Maia tá cavando a cova com uma colher de prata.

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Leônidas foi visitar a obra do pequeno escritório da Quimera, e ao sair do carro no estacionamento que estava quase vazio, exceto pelo som abafado dos passos de Leônidas ecoando entre as colunas de concreto. Ele carregava uma pasta fina sob o braço e digitava algo no celular quando percebeu, pelo canto do olho, dois homens encostados na parede, à sombra.

— Que surpresa ver você aqui sozinho, Maia — disse uma voz desconhecida, carregada de veneno e ironia.

Vicente deu um passo à frente, elegante e ameaçador na medida certa. Vestia um terno escuro sem gravata e mantinha as mãos no bolso. Atrás dele, dois seguranças barravam discretamente as possíveis rotas de saída.

Leônidas respirou fundo, ajeitou a pasta no braço e encarou o homem com desprezo.— Quem é você mesmo ?

— Não se faça de idiota Leônidas.

— Desculpe, nunca fui apresentado a um criminoso internacional – disse Leônidas.

— Engraçadinho. Eu vim te dar um aviso, SAIA DO MEU CAMINHO.— Vicente avançou devagar. — Você tem ido longe demais, Leo. Roubar funcionários e clientes da Fama? Abrir uma empresa a três quarteirões da nossa? Você sabe com quem está mexendo.

— Roubar? — Leônidas gargalhou, sarcástico. — Eu não roubei ninguém, Vicente. As pessoas foram porque estavam cansadas de trabalhar sob ameaça, assédio e fraude. Você só está colhendo o que plantou.

Vicente cerrou os punhos.

— Cuidado com a sua língua. A gente ainda vive num mercado pequeno. Eu posso te destruir.

Leônidas deu um passo à frente, o rosto perto demais do rival, os olhos frios como lâmina.

— Tenta. Mas tenta direito. Porque a próxima vez que um dos seus capangas encostar um dedo em qualquer pessoa minha, eu vou pra cima com tudo. Eu já perdi demais pra ter medo de você. E diferente de você, eu sei como expor um porco corrupto com classe.

Vicente sorriu sem humor.

— Você é o mesmo um garoto pretensioso e bocudo exatamente como Marcelo me disse.Acha que pode bater de frente com qualquer um.

— Eu posso — Leônidas devolveu, firme. — E mais: não me escondo atrás de ninguém e nem fujo da polícia.

Por um segundo, a tensão ficou espessa no ar. Um dos seguranças se moveu, mas Vicente ergueu a mão para contê-lo.

— Isso foi um aviso, Leônidas. Próxima vez, a gente não conversa. A gente apaga.

Leônidas não piscou.

— Então traz gasolina. Porque se for pra queimar tudo, eu danço nas cinzas.

Vicente o mediu com os olhos e, sem responder, girou nos calcanhares e desapareceu com os seguranças. Leônidas esperou até que os passos sumissem no eco do concreto antes de soltar o ar e encostar as costas na parede, o peito subindo e descendo devagar.

Ele sabia que aquilo era só o começo.

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Fronteira Brasil/Colômbia durante o amanhecer.

O carro tremia sobre a estrada esburacada, os faróis cortando a escuridão como navalhas. Olga mantinha as mãos firmes no volante, o maxilar travado. Felipe, no banco do passageiro, suava frio.

— Está tudo certo com os contatos na Colômbia — disse ela, tentando parecer calma. — Chegando lá, você troca de identidade. Eu também. Depois sumimos. Um tempo em Medellín, depois cruzamos pra Europa.

Felipe assentiu, mas não disse nada. Os olhos estavam fundos, as pupilas dilatadas demais. Tremores discretos percorriam suas mãos.

— Você usou de novo, Felipe? — Olga perguntou, sem tirar os olhos da estrada.

— Só um pouco — murmurou ele. — Pra aguentar a tensão...

Ela fechou os olhos por um segundo, o desespero rasgando por dentro. Sabia que ele carregava alguns pacotes com ele. Sabia que um dos riscos era exatamente esse.

— A gente tá tão perto, Felipe... não faz isso agora...

— Eu te amo, Olga. — Ele a olhou, os olhos vermelhos. — Eu juro, depois dessa eu paro. Por nós dois.

Mas a frase foi interrompida por um gemido. Felipe levou a mão à barriga. Seu corpo curvou-se sobre si, os dedos crispados.

— Felipe?

Ele começou a convulsionar, espumando pela boca.

— FELIPE! — Olga gritou, encostando o carro no acostamento com um solavanco.

Ela correu até o lado dele, tentou segurá-lo, mantê-lo firme. O cheiro ácido invadiu o carro. Um dos pequenos saquinhos escondidos dentro da cueca de Felipe havia estourado. Ele estava sendo intoxicado por dentro.

Ela ligou para a emergência. Mas estava longe, numa estrada secundária. Sabia que não chegariam a tempo.

— Aguenta, amor, por favor, fica comigo... — ela chorava, tentando manter seus olhos abertos. — A gente ia sumir juntos... a gente ia recomeçar...

Felipe estremeceu mais uma vez. Depois ficou imóvel.

Olga chorou como uma criança. Acordou o corpo com tapas, gritos, promessas quebradas. Depois, em silêncio, segurou o rosto dele com ternura.

— Me perdoa...

Beijou sua testa, depois saiu do carro. Sabia que precisava fugir antes da polícia chegar. Não podia ser presa. Não agora.

Deixou o corpo de Felipe ali, no banco, com os olhos entreabertos e os lábios manchados.

Desapareceu com o rosto molhado e o coração em cacos.

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Cinco dias depois ...

Inauguração da Quimera

O novo escritório era modesto, com paredes em concreto aparente, quadros modernos e móveis minimalistas. A recepção exibia discretamente o novo logotipo: Quimera | Gestão de Imagem e Performance. Leônidas, vestido com um terno preto de corte impecável, observava a movimentação com um copo de espumante na mão e o filho, Alexandre, brincando com um carrinho no chão da sala de reuniões.

Os convidados entravam aos poucos. Nada de imprensa. Nada de celebridades. Só aliados. Márcia, com um tailleur vinho e os cabelos presos com fúria, checava tudo com olhar clínico. Roberto apareceu pontualmente, usando uma camisa branca dobrada até o antebraço e jeans escuros.

— Parabéns — ele disse, oferecendo um beijo no rosto de Leônidas, demorado demais para ser só formal. — Pequeno... mas cheio de alma. Como você.

Leônidas sorriu, contido.

— Achei que você fosse me evitar depois da última confusão.

— Eu prefiro te entender antes de te julgar — disse Roberto. — E... não vou mentir. Ver você recomeçando assim... mexe comigo.

— Vai me dar parabéns ou vai me levar pra jantar? — Leônidas provocou, encostando o corpo no dele. Roberto baixou a voz:

— Os dois.

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O restaurante era discreto, no centro velho de São Paulo, com cortinas pesadas e velas acesas nas mesas. Roberto escolheu um vinho argentino e fez um brinde silencioso. Durante o jantar, os dois riram de memórias antigas, comentaram o sumiço de Felipe, o comportamento de Aldo, os desdobramentos da Fama.

Roberto pousou a mão sobre a de Leônidas.

— Você ainda tem medo?

— De quê?

— De amar alguém... de novo.

Leônidas hesitou.

— Eu tenho medo de perder. De me dar inteiro e ver o outro... me usar.

Roberto apertou a mão dele.

— Então me testa. Me desafia. Mas não me afasta.

Leônidas puxou o rosto de Roberto e o beijou ali mesmo. Com fome. Com urgência.

Apartamento de Leônidas — Alta madrugada

Depois de passarem por seguranças, a porta do apartamento se fechou com um estrondo. Leônidas olhou para ver se acordou Alexandre, que havia sido deixado um pouco mais cedo em casa por Márcia depois da inauguração da Quimera. Alex não acordou e Leônidas empurrou Roberto contra a parede e o beijou com ferocidade. As roupas voaram pelo corredor, e o corpo de Roberto caiu na cama de Leônidas como se já conhecesse aquele lugar.

— Você me quer ou quer me esquecer nele? — sussurrou Roberto, mordendo a clavícula dele.

Leônidas respondeu com o corpo. Montou sobre ele. Beijou seu pescoço, chupou seus mamilos com força, mordeu sua barriga até ouvir gemidos arrastados. Roberto gemeu o nome dele entre dentes e cravou as unhas em suas costas.

Leônidas montou sobre ele, se abrindo com firmeza, cavalgando com raiva e prazer, gemendo rouco a cada estocada. O suor escorria, os lençóis embolados no chão, o som da cama marcando o ritmo alucinado de corpos e mágoas misturadas.

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Final do Campeonato Estadual — Naquela mesma noite.

O ginásio lotado. A torcida gritando. Luzes estroboscópicas dançavam pelo teto. Aldo respirava fundo no vestiário. A respiração treinada de um lutador veterano. Mas não era só isso. A dor nos ombros. A culpa no peito. A ausência de Leo. Pia distante. Os filhos frios.

Eric, novo treinador contratado por Pia após a morte de Júlio chegou com as luvas.

— Você tem certeza que quer fazer isso?

— Eu preciso. Por mim.

No octógono, Aldo aguentou os dois primeiros rounds com garra. Um cruzado certeiro. Um giro firme. Mas o oponente era mais novo, mais rápido. Mais leve.

No terceiro round, Aldo caiu.

O juiz interrompeu. A plateia explodiu.

Derrota por nocaute técnico.

Do chão, ele olhou para o teto. E pela primeira vez em muito tempo, não ouviu aplausos, nem vaias. Só o silêncio de quem finalmente entendeu que havia chegado ao fim de uma era.

Eric o ajudou a levantar. Pia assistia da arquibancada, imóvel. Camila e Lúcio não vieram.

Aldo saiu do ringue como entrou: sozinho.

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Apartamento de Leônidas — Madrugada

Leônidas acordou com o cheiro da pele de Roberto ainda grudado na sua, os corpos entrelaçados sob os lençóis revirados. A respiração dos dois era lenta, satisfeita, como se o mundo tivesse dado uma trégua. Roberto acariciava os cabelos dele com suavidade, quase em transe.

O celular de Leônidas vibrou na mesa de cabeceira. Uma, duas, três vezes.

Ele esticou o braço, relutante. Leu a mensagem. E ficou pálido.

— O que foi? — perguntou Roberto, se erguendo.

— É a Quimera. Está pegando fogo.

Leônidas pulou da cama, vestindo a primeira roupa que encontrou. As notificações começavam a pipocar no celular. Imagens do fogo consumindo a fachada do prédio pequeno, labaredas altas, fumaça negra subindo como uma maldição.

Márcia havia mandado apenas: Ataque criminoso. Todos vivos. Mas a sede foi perdida.

Leônidas passou as mãos no rosto, tentando respirar.

— Isso foi o Vicente... ele mandou incendiar. Eu sei.

Roberto, já se vestindo, segurou o braço dele.

— Vamos até lá.

— Não. — Leônidas estacou. — Eu preciso ir sozinho. Cuida do Alex pra mim. Se acontecer alguma coisa...

— Não diz isso. — Roberto o puxou num abraço. — Você vai se reerguer. Mais uma vez.

Leônidas não respondeu. Já tinha desaparecido pela porta.

Frente à Quimera — Madrugada

Quando Leônidas chegou, as chamas já haviam se rendido à água dos bombeiros, mas o cheiro de fumaça ainda impregnava tudo: o ar, a rua, sua pele. A fachada do escritório, recém-pintada com o brasão discreto da Quimera, agora era só cinza. As letras pretas do letreiro derretidas, tombadas como cadáveres num campo de guerra.

Márcia o aguardava encostada no carro, com expressão de pedra. Um dos seguranças mantinha Alex protegido dentro do veículo.

— Eles deixaram uma mensagem — disse ela, entregando um papel queimado nas bordas. Em letras garrafais: "Isso foi só o começo."

Leônidas leu sem piscar. O silêncio dele dizia mais que grito.

— Vicente? — ela perguntou.

Ele assentiu, olhos fixos no que restava da sua criação.

— Ele me encurralou no estacionamento, antes da inauguração. Disse que eu estava roubando o império dele. Que não aceitaria traições.

— E agora?

Antes de Leônidas responder o telefone de Márcia tocou. Poucos segundos depois desligou o telefone, os cabelos colados à testa. Tinha acabado de receber a confirmação do associado de Londres: o vídeo da sabotagem no carro de Leônidas era autêntico. Impossível alegar montagem.

— Confirmado, Leo — disse ela, a voz rouca de cansaço. — Foi armado. O freio foi adulterado. O laudo completo chega pela manhã, mas o vídeo já é o suficiente pra botar todo mundo no chão.

Leônidas encarou o prédio, os olhos cerrados, os punhos tremendo. O cheiro de fumaça da Quimera ainda impregnava as roupas. Ele não disse nada de imediato. Apenas andou até o meio-fio, olhou o asfalto úmido, respirou fundo e voltou.

— Não consigo pensar nisso hoje — murmurou, encarando Márcia.

Márcia assentiu, silenciosa.

— Tudo no gatilho. Vídeos. Áudios. Depoimentos. Quanto souber o que fazer avisa.

Leônidas assentiu com a cabeça devagar. Então se aproximou da amiga e a abraçou.

A fumaça ainda parecia grudada na pele quando o telefone de Leônidas vibrou. Ele estava no carro, a caminho da casa de Márcia, tentando respirar entre os escombros do que restara da Quimera.

— Roberto? — atendeu, confuso. — Achei que já tinha ido pra casa.

A voz do outro lado veio em pânico, rouca, entrecortada:

— Leo... é o Alex. Ele tá passando muito mal. Tá vomitando, teve febre alta... eu trouxe ele pro Sírio-Libanês. O médico acha que foi uma intoxicação alimentar grave.

Leônidas sentiu o estômago despencar.

— Tô indo agora. Fica com ele. Não sai de perto nem por um segundo.

Em menos de vinte minutos, ele atravessava os corredores iluminados do hospital. Alexandre estava pálido, com as bochechas coradas pelo calor da febre. Havia bolsas de soro e um monitor apitando baixo ao lado da cama. O médico explicou que, provavelmente, a comida do evento da Quimera havia causado uma contaminação — um quadro agudo, mas sob controle.

Leônidas apertou a mão do filho, contendo as lágrimas.

— Eu tô aqui, meu amor. O pai tá aqui. Vai passar.

Na sala de espera, sentado com um bloco de anotações no colo e os olhos atentos, Guto Dias, repórter do Correio Paulistano, ouvia cada palavra ao redor, com olhar de caçador. Já sabia que o menino se chamava Alexandre Rocha Sampaio. Já sabia que o sobrenome do pai era Leônidas.

Horas depois, a notícia explodiria nos portais:

"EXCLUSIVO: Filho Secreto de Leônidas Sampaio Internado Após Incêndio na Quimera!"

A fumaça ainda parecia grudada na pele quando o telefone de Leônidas vibrou. Ele estava no carro, a caminho da casa de Márcia, tentando respirar entre os escombros do que restara da Quimera.

— Roberto? — atendeu, confuso. — Achei que já tinha ido pra casa.

A voz do outro lado veio em pânico, rouca, entrecortada:

— Leo... é o Alex. Ele tá passando muito mal. Tá vomitando, teve febre alta... eu trouxe ele pro Sírio-Libanês. O médico acha que foi uma intoxicação alimentar grave.

Leônidas sentiu o estômago despencar.

— Tô indo agora. Fica com ele. Não sai de perto nem por um segundo.

Em menos de vinte minutos, ele atravessava os corredores iluminados do hospital. Alexandre estava pálido, com as bochechas coradas pelo calor da febre. Havia bolsas de soro e um monitor apitando baixo ao lado da cama. O médico explicou que, provavelmente, a comida do evento da Quimera havia causado uma contaminação — um quadro agudo, mas sob controle.

Leônidas apertou a mão do filho, contendo as lágrimas.

— Eu tô aqui, meu amor. Papai tá aqui. Vai passar.

Na sala de espera, sentado com um bloco de anotações no colo e os olhos atentos, Guto Dias, repórter do Correio Paulistano, ouvia cada palavra ao redor, com olhar de caçador. Já sabia que o menino se chamava Alexandre Rocha Sampaio. Já sabia que o sobrenome do pai era Leônidas.

Horas depois, a notícia explodiria nos portais:

"EXCLUSIVO: Filho Secreto de Leônidas Sampaio Internado Após Incêndio na Quimera!"

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Escritório de Vicente. — FAMA na Faria Lima — Manhã

Marcelo Sampaio chegou sem avisar. As portas espelhadas da recepção se abriram como o próprio inferno diante dele. Estava com o rosto fechado, o paletó amarrotado, e um cigarro meio fumado preso entre os dedos — um hábito que dizia ter abandonado há anos.

— Quero falar com o Vicente. Agora — disparou para a recepcionista, que tentava balbuciar alguma desculpa protocolar.

Antes que ela conseguisse uma frase, Vicente apareceu na porta de vidro do escritório. Estava impecável: camisa branca engomada, suspensório cinza-chumbo, e o sorriso de quem sempre se achava no controle.

— Marcelo! Que surpresa boa... — Vicente gesticulou, tentando soar cordial. — Entra. Estávamos mesmo conversando sobre seu filho.

Marcelo entrou. Mas não respondeu. Os olhos vasculharam o ambiente e pararam na televisão ligada, pendurada na parede.

“URGENTE: Empresário Leônidas Sampaio é pai de adolescente internado no Sírio-Libanês. Mistério em torno da identidade da mãe permanece. Exposição indesejada gera polêmica na alta sociedade paulistana.”

A manchete martelava com a entonação exagerada de Guto Dias. A imagem de Leônidas, descabelado, saindo do hospital cercado por flashes, era exibida em looping.

Vicente sorriu de lado. Levou a mão ao controle remoto e desligou a TV com falsa casualidade.

— Uma manhã movimentada, não é? Parece que seu bastardo anda colhendo o que plantou.

— Foi você ?— Marcelo foi direto. A voz era seca, sem hesitação.

— Foi... algum problema ? — Vicente deu um gole em seu café. — Eu e você temos interesses em comum não tenho nada com seu filho.

—Para mim tanto faz. Aquele bastardo não é meu filho ! E Me poupe dessa encenação — retrucou Marcelo, dando um passo à frente. — Você jogou comigo, Vicente. Prometeu o coração e o tempo está passando.. E tudo que fez foi... brincar de gangster de shopping. Queima um prédio inteiro. E deixa meu nome no meio da lama.

Vicente soltou uma risada rouca.

— Você está nervoso. Eu entendo. Mas estou fazendo o possível.

— Será ? — Marcelo se aproximou, os olhos duros como pedra. — Eu tenho uma nova proposta. Você vai aceitar porque é vantajoso para nós dois.

Vicente arqueou uma sobrancelha.

Marcelo olhou para a janela panorâmica do escritório. A cidade abaixo fervia em caos e sol.

— Isso é... bastante específico — Vicente pousou o copo devagar. — De que se trata essa proposta ?

Marcelo abriu a pasta de couro que trouxera. Tirou de dentro um envelope preto. Lento. Quase cerimonial. E entregou ao outro homem.

Vicente abriu. Leu. E arregalou os olhos.

— Isso é...

— Minha única chance. – cuspiu Marcelo.

Vicente sorriu. Dessa vez, de verdade.

— Tem certeza do que quer ?

Marcelo virou as costas, ajeitou o paletó e foi saindo sem olhar para trás.

Marcelo apertou os olhos.

Era só o começo.

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Ainda naquela manhã no Hospital Sírio- Libanês.

Leônidas saiu do quarto rapidamente enquanto Roberto tinha ido ao apartamento de Leônidas para pegar uma roupa e Alexandre dormia, ainda fraco, mas estável. Um segurança ficou no quarto, enquanto o outro o seguiu até a cantina. Ele precisava de um café, de um minuto para respirar.

Na lanchonete, a TV exibia imagens ao vivo dos destroços da Quimera. O letreiro em vermelho no rodapé da tela quase fez o sangue de Leônidas congelar:

"URGENTE: Empresário Leônidas Sampaio, bastardo de Marcelo Sampaio, tem filho escondido; criança foi internada após incêndio"

O repórter falava com entusiasmo, e a imagem de Leônidas com Alex no colo, tirada por paparazzi meses atrás, ilustrava a matéria.

Ele deixou o copo de café cair no chão. Correu de volta pelo corredor, o coração batendo no peito como um soco.

Mas ao abrir a porta do quarto, o mundo parou.

Freitas estava sentado na poltrona de visitas. Impecável num terno cinza-claro, segurava uma pistola leve com um sorriso satisfeito.

— Bom dia, Leônidas. Que noite, hein?

Leônidas parou. Não respirou. O mundo inteiro se calou.

— Sai de perto do meu filho.

— Fica calmo — disse Freitas, cruzando as pernas com elegância. — Só quero conversar. Com você. Não vou encostar um dedo nesse garoto. Senta.

Leônidas fechou a porta com cuidado, sentindo o suor frio escorrer pelas costas. Sentou-se, sem tirar os olhos de Alex.

— Escuta aqui... se isso for uma ameaça—

— Não, Leônidas. — Freitas encostou o cano da arma no braço da poltrona. — Isso é uma chance. Precisamos fazer certas jogadas porque essa é nossa última chance. Antes que tudo que amamos — apontando para o garoto dormindo — vire cinza igual à sua empresa.

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