Onde o Sol se Esconde (Capítulo 10)
Os dias seguintes foram como caminhar sobre cacos de vidro.
O orfanato parecia mais vazio sem Dona Clarice — e ao mesmo tempo, mais perigoso.
Na manhã seguinte à inspeção, ela foi chamada ao escritório do bispo local.
A decisão veio rápida, cruel e pública: demissão imediata, por “difamação da casa de Deus”.
Em frente a todos os internos, padres e funcionários, Clarice ouviu as palavras duras e viu sua reputação ser pisoteada como lama.
Foi levada para fora carregando apenas uma pequena mala — e a humilhação.
Teo e Samuel tentaram correr até ela, mas foram contidos.
Antes de atravessar os portões de ferro, Dona Clarice olhou para trás — e seus olhos, cheios de lágrimas e fúria, buscaram os meninos.
Ela jurava silenciosamente: não iria deixá-los para trás.
**
Naquela mesma noite, chovia.
Samuel e Teo estavam deitados lado a lado na cama apertada, as cobertas rasgadas divididas entre eles.
Guto dormia em uma das camas de ferro próximas, ainda sob constante vigilância dos dois.
Teo virou-se para Samuel, tão perto que podia ouvir seu coração.
— Eu queria que a gente pudesse desaparecer — sussurrou. — Só nós dois. E o Guto.
Samuel passou o braço por cima dele, num gesto tímido, mas cheio de amor.
— Eu não quero desaparecer — respondeu. — Eu só quero... ficar com você.
Teo fechou os olhos, deixando uma lágrima silenciosa escorrer.
Foi então que, em um impulso misturado de medo, esperança e necessidade, Teo encostou seus lábios nos de Samuel — um beijo tímido, hesitante, mas verdadeiro.
Samuel retribuiu, apertando Teo contra si.
Nenhum dos dois disse nada depois.
Não precisavam.
O mundo inteiro podia ruir — enquanto estivessem juntos, ainda haveria algo de bonito no meio da destruição.
**
Do lado de fora dos muros do orfanato, um carro velho estacionava.
Dele saiu Pedro, o filho de Dona Clarice.
Era alto, moreno, com os olhos carregados da mesma firmeza da mãe — mas havia algo mais nele: uma raiva contida, pronta para explodir.
Pedro sabia que as denúncias da mãe haviam sido abafadas.
Sabia que ninguém viria salvar aquelas crianças.
E ele, que cresceu ouvindo Dona Clarice contar histórias sobre os horrores escondidos sob a batina dos padres, não estava disposto a ficar de braços cruzados.
Não mais.
Ele conhecia bem os caminhos do orfanato.
E conhecia também as sombras onde se escondem segredos — e onde a justiça, às vezes, nasce do sangue.
"Se a lei não defende os inocentes..."
"Então eu vou."
Pedro observou as luzes apagadas do dormitório dos meninos.
E jurou, para si mesmo, que não importava o preço:
Ele protegeria Teo, Samuel e Guto.
Nem que para isso precisasse matar.
Continua...