— Jonas! Quanto tempo, meu camarada!
O tempo que havia passado não tinha sido o suficiente, foi o que pensei quando Pedro avançava em minha direção em busca de um abraço.
Era surreal ver aquele ser depois de tanto tempo. Parecia um filme de terror. O homem que minha filha trouxe para jantar na minha casa era o garoto que fez da minha adolescência um inferno.
Ele era o novo namorado de Valentina.
Num gesto desesperado, me belisquei, usando alógica que havia aprendido lendo Turma da Mônica. Talvez fosse um pesadelo ultrarrealista e a dor fosse capaz de me acordar.
Minha esposa e minha filha se entreolhavam, confusas, enquanto eu permanecia imóvel, sem reagir ao abraço que Pedro dava em mim, apertado o suficiente para me incomodar.
— Vocês se conhecem? — minha esposa perguntou, sem entender o que estava acontecendo.
— Sogrinha, que prazer! — Pedro disse, se virando para ela com o mesmo entusiasmo exagerado com que me cumprimentou — Você não vai acreditar na coincidência… eu e o Jonas estudamos juntos no colégio!
Bom, aquela era uma forma de colocar as coisas. Apenas deixava de fora o mero detalhe de que ele me espancou tantas vezes que precisei mudar de escola para conseguir paz.
E agora, ele estava de novo ali. Anos depois, dentro da minha casa. Não conseguia processar como isso tinha acontecido.
— Meu Deus! Que surpresa! — Sílvia exclamou, forçando um sorriso para combinar com a energia exagerada de Pedro. — Quero saber tudo dessa história, mas para começar, que tal um vinho?
Valentina e Pedro responderam que sim. Eu não me mexi e nem disse nada, totalmente paralisado pelo choque.
Enquanto se levantava para buscar as taças na cozinha, minha esposa lançou um olhar rápido para mim. Um daqueles olhares que só quem vive há mais de vinte anos junto consegue decifrar. Me juntei a ela na cozinha e ela me deu uma palestra:— Não adianta nada você ficar com essa cara. Eu também não gosto que a Vale esteja com um cara tão mais velho — ela disse num tom professoral que eu odiava — Se você bancar o inimigo agora, ela vai continuar com ele só para provar que é mais esperta do que a gente. Deixa as coisas seguirem o próprio rumo, nenhuma relação dura muito nessa idade.
Ela tinha um ponto. Um bom ponto, até. Só não tinha todas as peças do quebra-cabeça para entender porque eu estava com aquela expressão como um homem que assiste ao próprio enterro. Nunca tinha contado para ninguém as coisas horríveis que eu tinha vivido naquela época, nem para minha esposa.
Tentando parecer razoável, assenti com a cabeça e levei a garrafa de vinho para a mesa junto das taças. Valentina e Pedro já estavam sentados na mesa de mãos dadas, rindo de alguma coisa.
Ela parecia leve. Feliz. Enfeitiçada. Por isso, segurei minha vontade de berrar com ela. Não conseguia entender o que estava acontecendo com ela.
Durante toda a adolescência, Valentina foi uma menina tão tranquila. Loirinha, tímida e sempre vestindo roupas largas, não era alguém que gostava tanto assim de atenção.
Com certeza, ela era muito mais parecida comigo do que com a Sílvia.
Mas, desde que entrou na faculdade, essa calmaria parecia ter virado de ponta-cabeça. O jeito de falar, as amizades, as roupas… tudo tinha mudado. Aquele novo ser que dividia a casa com a gente ainda era estranho para nós.
E eu não estava preparado para o despertar do interesse dos homens na minha filhinha.
Me irritava profundamente os olhares, como se ela fosse um pedaço de carne. Uns caras passavam devagar demais, encarando, outros faziam questão de virar o pescoço. Teve um dia, no shopping, que ouvi um sujeito cochichar para o amigo que queria “chupar as tetas da loirinha”.
Já era enlouquecedor… e agora mais essa. O primeiro namorado que Valentina ia nos apresentar tinha a minha idade.
Sentei-me em silêncio, enchi as taças e torci para que o vinho fosse forte o bastante para me anestesiar pelo resto daquela noite.
— Essa não é a coincidência mais maluca do mundo? — disse Valentina, com uma voz aguda demais que deu uma pontada na minha têmpora, já sensível desde o primeiro minuto do jantar. — Amor, como era estudar com o meu pai?
— A gente tinha uma rivalidade épica! — respondeu Pedro, empolgado, arrancando risadinhas das duas. — Eu e seu pai tivemos um crush na mesma garota na época… como era mesmo o nome dela?
— Laura. — respondi, seco. Aquela pergunta não passava de uma encenação. Fazia quase trinta anos, mas não tinha como ele ter esquecido o nome da própria namorada.
— Isso mesmo! — Pedro confirmou, com um entusiasmo irritante. — Você sabe como é nessa idade… A Laura era loirinha, a primeira da turma a ter peitinhos, então, claro, todo mundo ficou alucinado.
Mesmo sabendo de cor e salteado aquela história, ainda estava curioso. Curioso para saber se, em algum momento, ele mencionaria o dia em que me espancou na frente da escola inteira, só porque descobriu que a gente gostava da mesma garota. Ou quem sabe se teria coragem de falar sobre os meses em que ele e os amiguinhos dele me perseguiram, riram da minha cara e fizeram da minha vida um inferno.
— Como homem é nojento, né? — Sílvia cortou a história, reprovando o comentário de Pedro com o olhar — Chega de passado. Quero saber do presente. Como vocês dois se conheceram?
Valentina e Pedro se olharam, cúmplices. Riram como se compartilhassem algum segredo. Nenhum dos dois parecia com pressa de responder.
— Bem… é um pouco constrangedor — disse Pedro, fazendo charme, como se estivesse contando uma história fofa em um programa de auditório.
Valentina caiu na risada antes mesmo do fim da frase, já prevendo o desfecho.
— Eu estava fuçando as redes sociais do Jonas — ele continuou, me lançando um sorriso cínico — e vi uma foto de vocês três juntos. Aí… adicionei a Valentina e puxei conversa.
— E eu respondi — disse Valentina, completando o namorado como se tivessem ensaiado — Achei ele charmoso. E a conversa fluiu de um jeito tão gostosa...
— A gente conversou por semanas antes de se encontrar pessoalmente — continuou ela, olhando para ele com um brilho nos olhos. — Quando nos vimos pela primeira vez, foi como se já nos conhecêssemos há anos.
— E de certa forma, né? — Pedro completou, olhando direto para mim. — Eu já conhecia ela antes mesmo de ser concebida!
Na minha cabeça, já começava a calcular se valeria a pena partir pra cima dele… mas não precisei pensar muito.
Pedro era um homem alto, com a pele escura e todo tatuado.
Ao contrário de mim, usou bem os anos que passaram desde o colégio. Estava forte, com braços largos, costas largas, aquele tipo de corpo que te faz pensar duas vezes antes de entrar numa briga.
Até por termos a mesma idade, não pude evitar comparar nós dois. Eu era um exemplar típico do homem de meia-idade: barriga de chope começando a despontar, calvície, uma visão horrível que me obrigava a usar óculos, e uma resistência física que se limitava a subir dois lances de escada sem ficar ofegante.
No fim das contas, seguir o conselho da Sílvia era o mais sensato. Explodir ali, na frente de todo mundo, só me faria passar vergonha.
Comemos entre risadas, lembranças selecionadas e brindes que eu mal consegui acompanhar. A lasanha, feita pela minha esposa, estava ótima — mas não consegui aproveitar plenamente, de tão tenso que eu estava. O vinho, por outro lado, descia fácil. Talvez porque era a única coisa naquela noite que parecia me oferecer algum alívio.
Quando finalmente os pratos foram retirados e o jantar parecia ter chegado ao fim, respirei aliviado. Pedro se espreguiçou na cadeira e começou a se levantar.
Era isso. Ele ia embora da minha casa.
— Amor — disse Valentina, levantando-se com ele — você não devia dirigir, né? Bebeu bastante.
Ele fez um gesto despreocupado com a mão.
— Imagina, foi só um pouco de vinho...
— Só um pouco? Você tomou uma garrafa quase inteira! — ela riu e virou-se para a mãe, já sabendo a resposta — Ele pode dormir aqui, né?
Sem esconder a cara feia, minha esposa concordou.
Fiquei parado, com a taça vazia na mão, enquanto Valentina sorria orgulhosa e Pedro desaparecia no corredor, guiado por Sílvia.
Fiquei ali, em silêncio, encarando a toalha da mesa e me perguntando em que momento exato minha casa deixou de ser minha.
<Continua>
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