Amor Sob Regime Fechado. Cap.8

Um conto erótico de Alex Lima Silva
Categoria: Gay
Contém 1987 palavras
Data: 01/05/2025 01:14:03

Acordei com uma respiração quente no meu pescoço. Por um segundo, pensei que ainda estava sonhando, que aquela sensação era alguma memória torta se misturando ao sono. Mas não. Era real. O colchão fino sob meu corpo, o cheiro de mofo misturado com suor velho e urina seca... e Bola. Ou melhor, o corpo dele colado no meu, o braço forte passado pela minha cintura como se aquilo fosse normal. Como se estivéssemos em qualquer lugar que não esse inferno.

A respiração dele era profunda, pesada, quase reconfortante se eu me permitisse esquecer onde estávamos. Mas o frio úmido da cela me puxou de volta pra realidade com a delicadeza de um tapa. A maldita luz fluorescente piscava no teto, sem nunca apagar por completo, como se até o escuro tivesse medo daquele lugar.

Tentei me mover devagar, torcendo pra não acordar ele. Mas claro que não deu certo.

— Já vai fugir de mim, princesa? — murmurou ele, a voz rouca de quem ainda estava no meio de um sonho, ou de um pesadelo constante.

Revirei os olhos, tentando disfarçar o arrepio que a voz dele provocou. Não respondi. Era bom ter um corpo quente por perto ali dentro. Mas admitir isso seria demais. Ainda existia um orgulho mínimo, enterrado debaixo de tanto medo.

Nos sentamos devagar, os dois grogues, como se os ossos estivessem molhados. Bola bocejou alto, esticando os braços, e foi aí que o alto-falante chiou. Um ruído estridente cortou o ar e, em seguida, a voz metálica que gelava até o sangue.

— Atenção: devido a protocolos de segurança, os detentos da Ala D permanecerão em suas celas por tempo indeterminado. Alimentação suspensa. Saída para banho ou sanitário, cancelada.

Por um instante, o silêncio foi absoluto. Só dava pra ouvir a respiração pesada dos presos nas celas vizinhas, e o zumbido da luz.

— Como é que é?! — Bola se levantou num pulo, os olhos arregalados. — Eles tão de sacanagem!

Eu só consegui engolir seco. Já tinha ouvido histórias. Quando trancavam a ala assim, sem aviso, era punição psicológica. Isolamento forçado. Quebra de espírito. Primeiro, a fome. Depois, o cheiro. E, por fim, a certeza de que ninguém vai vir te salvar. Era como ser enterrado vivo, só que em pé, consciente. E fedendo.

Fiquei tentando respirar fundo, contar mentalmente, me distrair... até que um som me congelou. Passos rápidos no corredor. O tipo de passo que não carrega autoridade, mas desespero.

Me aproximei da grade e olhei por entre as barras. Foi quando vi ele.

Rafael.

Corria como um animal ferido, os olhos esbugalhados, a respiração em espasmos. Atrás dele, dois homens vinham com sede de sangue. Um deles segurava uma navalha. A lâmina, mesmo na luz fraca do corredor, parecia feita de gelo.

— RAFAEL! — gritei, a voz rasgando a garganta.

Ele não respondeu. Ou não podia. Os gritos dele vieram segundos depois. Secos. Brutais. Um som que parecia cortar o mundo ao meio. Ele foi encurralado na curva do corredor. Sumiu da minha vista.

— Pietro? — Bola apareceu atrás de mim. — Que porra aconteceu?

Minha boca se abriu, mas nenhuma palavra saiu. Só o som da navalha caindo no chão ecoando pelo corredor, pesado, final. Um silêncio se seguiu que foi ainda pior do que os gritos. Porque era o silêncio da morte. E a morte, ali, era um visitante frequente.

— Nada. — menti, me afastando da grade.

Mas dentro de mim, tudo gritava. Meu coração parecia uma sirene, e meu estômago revirava como se tentasse fugir do próprio corpo. Eu sabia o que aquilo significava. Já tinha visto antes. Mas nunca tão perto.

Voltei pro fundo da cela, encostei na parede gelada. Só que o mundo não parava.

Minutos depois, dois guardas surgiram no pátio. Empurravam um carrinho de metal improvisado, onde corpos estavam jogados como lixo orgânico. Dois deles. Um ainda se mexia — ou talvez fosse só o reflexo involuntário da morte. O outro, Rafael... reconheci pelo tênis sujo e pelo corte no supercílio. Os olhos estavam abertos. Vagos. Como se ainda esperassem alguma ajuda.

Senti algo subir pela minha garganta, mas engoli. Não podia me dar ao luxo de vomitar.

O pior ainda estava por vir.

Do meio das sombras do corredor, um dos assassinos apareceu. Andava com a calma de quem volta do mercado. As mãos pingavam sangue, e havia um sorriso satisfeito nos lábios. Um sorriso que me gelou até a alma.

— Pietro, sai da grade — disse Bola, baixo, com os olhos fixos na cena. — Você não devia ver isso.

Mas eu vi. E continuei vendo.

Três caras passaram correndo do outro lado, armados também com navalhas. Estavam se encarando como predadores enjaulados. E então a briga começou.

Não era luta. Era massacre. Instinto puro. Um deles gritou. Outro avançou com fúria. O som da lâmina cortando pele, os corpos se chocando, o sangue jorrando no chão. O primeiro caiu, rasgado do ombro até o peito. O segundo tentou correr, mas recebeu um golpe no pescoço. O terceiro ficou de pé, tremendo, sujo do sangue dos dois.

Sobreviveu. Não venceu. Ali, ninguém vencia. Só sobrava.

— Isso é... um jogo? — perguntei, mais pra mim do que pra Bola.

— É punição — respondeu ele, com os olhos pesados. — Se vacilou com os chefes, eles te colocam no ringue. Três entram. Um sai. Se sair.

— E se ninguém sair?

— Eles acham outra forma. Às vezes, os próprios guardas terminam o serviço. Tipo hoje.

Fiquei em silêncio. O som dos gritos ainda vibrava nos meus ouvidos.

A vontade de urinar apertava. Olhei pro balde no canto da cela, o fundo já sujo. Levantei e fui até lá, tremendo. Me aliviando com nojo, vergonha e medo. Sentindo cada camada da minha humanidade sendo raspada como tinta velha de parede.

Voltei, me sentei com as costas na parede úmida e suja. E então os gritos vieram.

Mais três. Novos “jogadores”. Saíram mancando, armados. Cortes abertos pelo corpo. As navalhas mal brilhavam mais de tão sujas de sangue seco. Eles lutavam como cães. Selvagens. Um foi ferido na barriga, caiu de lado. Outro levou uma facada no olho. O terceiro, com metade do rosto aberto, permaneceu em pé. Rindo.

Eu não conseguia mais sentir minhas mãos. Estavam geladas, dormentes, presas na grade. E foi nesse momento que o caos escalou.

O som metálico do megafone explodiu no ar.

— ATENÇÃO, SEUS FILHOS DA PUTA! — gritou Fábio, a voz reverberando pelas paredes. Ele estava no alto, numa passarela, olhando todos de cima.

— Acham que é brincadeira? Que a gente perdeu o controle? — João apareceu ao lado dele, também com um megafone. — Hoje é dia de ensinar.

— Hoje — completou Fábio, com um sorriso que me fez gelar — a cadeia volta a ter dono. E pra isso, vamos sortear umas celas.

O silêncio foi imediato. Nem um sussurro. Só respirações presas.

— Cela... dezessete! — gritou João. — Parabéns aos sorteados!

Virei o rosto. A Cela 17 era logo à frente. Vi os homens lá dentro entrarem em pânico. Um deixou cair o pedaço de pão que mastigava. Outro encostou na parede e começou a rezar. Sabiam. Todos sabiam.

Fábio e João desceram. Caminharam até a cela com calma. E abriram.

Gritos. Súplicas. Choro. Tentativas desesperadas de se explicar. Mas nenhuma palavra importava.

Os tiros vieram em sequência. Um, dois, três. Depois mais. Os corpos caindo faziam um som surdo, molhado. Vi o sangue escorrendo pelas frestas da porta. Um dos presos tentou fugir, mas levou dois tiros nas costas. E caiu.

Quando tudo parou, João e Fábio saíram... rindo. Rindo como se aquilo tivesse sido só mais um dia comum.

— Quem manda aqui somos nós! — João gritou, o rosto manchado de sangue.

O megafone caiu no chão, quebrado.

Silêncio.

O tipo de silêncio que não é paz. É terror absoluto. É o mundo prendendo a respiração porque sabe que vai morrer.

Me deixei escorregar até o chão. As pernas moles. A respiração curta. E chorei. Sem som. Sem força. Bola se ajoelhou ao meu lado, colocou a mão no meu ombro.

— Pietro, olha pra mim, cara… — a voz do Bola veio baixa, mas firme. Ele estava ao meu lado, ajoelhado no chão sujo da cela, os olhos arregalados e cheios de uma força que eu não sabia de onde ele tirava. — Você tem que se levantar. Agora.

Balancei a cabeça, ainda com a testa encostada nos joelhos. Minhas mãos tremiam tanto que pareciam nem ser minhas. Lá fora, outro tiro estourou o ar, e mais um grito de dor atravessou minhas entranhas como uma faca.

— Eles tão se divertindo com isso, Pietro. E você sabe que é isso que eles querem. Que a gente quebre aqui dentro. — Ele segurou meu braço com mais força. — Mas a gente não vai dar esse gosto pra eles. Entendeu? Levanta.

— Eu... eu não consigo… — minha voz saiu falhada, como se cada palavra fosse empurrada à força por uma garganta apertada de terror.

— Consegue sim. Vamo. Devagar. — Ele puxou meu braço com cuidado, mas com firmeza. — Se apoia em mim. Isso… Isso.

Minhas pernas eram duas colunas bambas, mas obedeceram. Um passo, depois outro. Me arrastei até a grade, sentindo o ferro gelado contra a palma da mão. Me apoiei ali, respirando fundo, tentando ignorar o som de mais um disparo ecoando pela noite.

Encarei o corredor à frente da cela. Meu coração ainda parecia uma bomba-relógio, mas eu tava de pé. Tremendo, suando, quebrado por dentro, mas de pé. Me agarrei à grade como se fosse a única coisa me segurando naquele mundo que desmoronava.

O barulho dos tiros ainda ecoavam na minha cabeça, mesmo depois que parou. Meu coração batia tão forte que achei que fosse explodir.

E então eu ouvi, que eles iam sortear mais uma cela e a cela escolhida havia sido a do nosso lado!

Senti minhas pernas fraquejarem. O mundo girou, e eu precisei me segurar na grade pra não cair. Um grito abafado veio da cela vizinha, logo seguido pelas gargalhadas doentias do João e do Fábio.

— Não... não, não pode ser... — sussurrei, mais pra mim mesmo do que pra alguém.

— Ei, olha pra mim! — Bola agarrou meus ombros com força. — Respira, Pietro! Respira!

Mas eu não conseguia. Eu mal conseguia enxergar direito. Minha boca estava seca, meu corpo tremia. Tudo o que eu conseguia pensar era neles. Nossos vizinhos de cela. Pessoas como eu. Gente com medo. Gente que ia sofrer.

— Eu disse que ia ter mais emoção hoje! — gritou Fábio lá de fora, com aquela voz debochada que me dava ânsia. — E dessa vez... vamos mirar direitinho. Nada de morte rápida, né, João?

— Claro! — João respondeu da van, animado como se tivesse anunciado uma rodada de bingo.

O som das armas sendo preparadas encheu o ar.

— Eles vão atirar, Bola... — minha voz falhou. — Eles vão fazer igual fizeram com a outra cela... Eles vão matar, vão mutilar... como se fosse um jogo...

— Olha pra mim! — Bola sacudiu meus ombros. — Você não pode se entregar! Se eles perceberem que a gente quebrou... eles vencem! A gente precisa aguentar!

E então veio o primeiro tiro.

Um estampido seco. Um segundo de silêncio.

Depois, um grito que cortou meu peito em dois.

— AAAAAAAAAH!

Outro tiro. Outro grito. Um barulho de vidro quebrando. Mais risadas.

Minhas pernas cederam. Me encolhi no chão, sentindo meu corpo inteiro tremer.

— Eles tão atirando nas pernas, nos braços... tão fazendo eles sofrerem... — sussurrei, encostando a testa nos joelhos. — Como se fosse engraçado...

— Pietro — Bola ajoelhou ao meu lado. — Me escuta. A gente vai sair dessa, cara. Eu não sei como, mas vai acontecer. Você tem que resistir. Por eles. Por você. Por todos nós.

Outro tiro.

Outro grito.

Eu queria sumir. Queria poder fechar os olhos e acordar em outro lugar, longe desse pesadelo. Mas eu sabia que isso não ia acontecer. Eles estavam lá fora, e eu estava preso aqui — com o medo, com a culpa, com a impotência.

Mas, por mais machucado que eu estivesse… eu ainda respirava.

E enquanto eu respirasse, ainda havia alguma chance.

Continua...

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Comentários

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não foi agradável ler isso...

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o texto é excelente, bem escrito, revira o estômago... mas para um site de contos eróticos escalou uma dimensão literária que o afasta do sensual para o brutal

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