Amor Sob Regime Fechado Cap.10

Um conto erótico de Alex Lima Silva
Categoria: Gay
Contém 1728 palavras
Data: 01/05/2025 19:59:03

Um mês. Trinta dias que pareceram uma eternidade.Desde o dia que Bola havia me dito que Pedro ia tirar a gente daquele lugar horrível!

Eu ainda me lembro do cheiro da cela, do som abafado das vozes, das noites em claro pensando se a gente ia mesmo sair dali. Mas hoje… hoje o portão se abriu.

Eu e Bola — não, Bernardo agora — estávamos lado a lado quando o advogado apareceu com os papéis na mão e aquele olhar de missão cumprida. A luz do sol me atingiu como um soco no peito. Era quente, viva, quase estranha depois de tanto tempo na escuridão.

Eu tentei ser forte. Juro que tentei. Mas quando dei o primeiro passo fora daquele lugar, desabei. Comecei a chorar sem controle. As lágrimas desciam como se estivessem esperando fazia tempo.

— Ei, tô aqui — ele disse, segurando minha mão.

Apertei de volta. Tinha medo de soltar e descobrir que tudo era um sonho. Mas ele tava lá, firme, do meu lado como sempre.

— Obrigado, Bola — sussurrei, com a voz engasgada.

Ele riu e respondeu com aquele jeito leve dele:

— Agora é Bernardo. Bola ficou lá dentro. Mas você pode me chamar de amor, amor.

Soltei uma risada no meio do choro. Rimos juntos, como dois idiotas livres, quebrados e ainda assim inteiros um pro outroFomos de carro com o advogado até a cidade vizinha. A cada quilômetro, eu sentia que deixava mais da dor pra trás. A estrada era feia, mas tudo parecia bonito visto da janela. Tinha até passarinho voando do lado, como se fosse escolta de boas-vindas.

Chegando lá, outra surpresa: Pedro tinha alugado um apartamento pra gente. Um canto pequeno, simples, mas cheio de dignidade. Tudo limpo, cheiroso, com uma vista enorme da janela da sala.

Eu fiquei parado na porta olhando tudo. Sentia vontade de chorar de novo, mas dessa vez era de alívio.

— Pedro fez isso por nós? — perguntei.

— Fez, sim — Bernardo respondeu, vindo por trás de mim e me abraçando. — Ele disse que era pra gente começar de novo. Um recomeço limpo, longe das dores. E a gente merece, Pietro. A gente merece.

Fiquei olhando pra parede da sala, branca, limpa, cheirando a tinta fresca. A luz da tarde batia na janela, e tudo parecia novo. Seguro. Mas meu peito apertou de repente, e um gosto amargo subiu pela garganta. Me peguei parado, imóvel, como se meu corpo tivesse ficado no presente, mas minha cabeça tivesse voltado no tempo.

Fechei os olhos… e lá estava eu de novo.

O teto de zinco rangendo com o vento. A parede do barraco manchada de mofo, pingando água quando chovia forte — e chovia quase todo dia. O colchão no chão sempre úmido, os cobertores cheirando a bolor. Tinha uma goteira bem acima da minha cabeça, e eu usava uma bacia pra tentar dormir sem me molhar.

As contas... Deus, as contas empilhadas numa caixinha plástica azul, que eu escondia embaixo da pia. Luz cortada duas vezes. Água também. Uma vez, comi arroz puro três dias seguidos. No quarto dia, não comi nada.

Voltei ao presente com uma lágrima escorrendo sem aviso. Bernardo nem percebeu, estava na cozinha separando os produtos de limpeza.

Olhei em volta de novo.

O teto não ia cair. A parede não ia escorrer água. E se eu quisesse, podia abrir a geladeira e achar comida de verdade.

Mas por dentro, ainda existiam pedaços meus trancados naquele barraco. Assombrando minhas lembranças.

Suspirei fundo, enxuguei os olhos com a manga da blusa e sussurrei só pra mim:

— Você saiu de lá, Pietro. Mas o lá ainda vive em você.

Depois do flashback que me travou por dentro, fui direto pro banheiro. Queria lavar a alma. Queria esquecer o mofo, a goteira, o medo. Entrei debaixo do chuveiro e girei o registro com cuidado, sem saber o que esperar. Mas quando a água quente caiu sobre meus ombros... eu ri.

Ri alto. Ri descontrolado.

Era um riso meio chorado, meio aliviado. Um riso de quem, por anos, só conheceu banho frio de balde ou ducha elétrica que queimava e cuspia água gelada. Agora, ali, com a água quente escorrendo pelo meu corpo e o cheiro doce do sabonete invadindo o ar, eu me sentia como alguém que tinha vencido uma guerra.

— Tá maluco aí? — a voz de Bernardo soou do lado de fora da porta, divertida.

— Tô! Maluco de alegria! — respondi entre risos. — Vem sentir isso, amor! A água tá quente de verdade, o sabonete cheira a flor, a pele não fica pegajosa... isso aqui é o paraíso! Vem tomar banho comigo!

Houve um silêncio breve. Depois, a maçaneta girou, mas ele não entrou. A voz veio baixa:

— Pietro... eu não sei...

— O que foi?

— Eu... eu ainda não gosto do que vejo no espelho. Mesmo depois de emagrecer, ainda tem muita coisa em mim que... que me faz querer esconder. Minhas dobrinhas, minhas marcas. Eu sei que parece besteira, mas...

Abri a porta do box devagar, com a água ainda caindo nas minhas costas. Olhei pra ele ali, de cabeça baixa, os olhos evitando os meus.

— Bernardo... — falei suave. — Quando você sorri, o mundo parece um lugar melhor. Quando você segura minha mão, tudo fica mais leve. Eu nunca amei um corpo. Eu amei você. E se você quiser ficar aí fora, tudo bem. Mas se entrar, vem do jeitinho que você é. Porque pra mim, já é bonito demais.

Ele me olhou por um segundo, os olhos marejados, e sorriu de leve. Aquele sorriso que sempre me desmontava.

— Me dá só um segundo... vou pegar minha toalha.

E eu fiquei ali, debaixo da água quente, esperando. Não só por ele. Mas por mais um pedacinho da vida que a gente tava reconstruindo juntos.

Acordamos tarde no dia seguinte, sem culpa. A luz entrava pela janela como se dissesse: “Hoje é de vocês.” Bernardo se espreguiçou ao meu lado, descabelado, com a cara mais fofa do mundo. Dei um beijo na bochecha dele e levantei com preguiça.

— Vamos ao mercado hoje, né? — perguntei, já calçando os chinelos.

— Bora. Quero escolher meu próprio sabão em pó. Chega daquele cheiro de prisão.

Rimos juntos. O apartamento ainda cheirava a novo, a recomeço. Pedro tinha deixado um dinheiro com a gente, o suficiente pra nos manter por um tempo até as coisas se ajeitarem. E hoje a missão era simples: compras.

---

O mercado era perto, numa rua tranquila. Bernardo fez questão de empurrar o carrinho — o que logo se provou um erro, porque ele parecia uma criança num parque de diversões. Enfiava coisa demais. Sabonetes coloridos, salgadinhos, três tipos de achocolatado.

— Bernardo, a gente vai comer ou fazer estoque pra guerra?

— Amor, a gente tá reconstruindo uma vida. Uma vida precisa de snacks — respondeu, com a maior seriedade do mundo, segurando um pacote gigante de biscoitos.

Acabei rindo alto, e ele sorriu todo orgulhoso por me fazer rir. No caixa, ainda me provocou:

— Quer dividir a conta ou tá bancando o marido rico hoje?

— Hoje eu deixo você pagar com um beijo.

Ele pagou com dois. O moço do caixa só deu um sorrisinho discreto.

---

Voltamos pra casa carregando as sacolas como dois guerreiros. A gente riu, dançou pela sala com os sacos de arroz e começou a arrumar tudo na cozinha nova. Cada colher colocada no lugar parecia mais um passo longe do passado.

Depois de guardar tudo, nos jogamos no sofá, exaustos, mas felizes. Bernardo esticou as pernas por cima das minhas, e eu liguei a TV, só pra deixar algum som no ambiente.

Mas a tranquilidade durou pouco.

— ...a sorveteria *Delícias do Centro – Sorvetes Artesanais* foi completamente destruída por um incêndio na manhã desta quarta-feira. A causa ainda está sendo investigada. Testemunhas relataram que o delegado Arthur Costa foi baleado durante a confusão e está em estado grave no hospital da cidade...

Fiquei paralisado. Senti Bernardo se levantar devagar ao meu lado.

— É a sorveteria do Pedro? — ele perguntou, com a voz baixa.

— É... é sim. Meu Deus...

A imagem na TV mostrava as chamas consumindo tudo. Letreiros queimados, fumaça densa, sirenes. O repórter falava de caos, de mistério. E do delegado baleado.

Ficamos em silêncio. O som da televisão preenchia o ar, mas entre nós só havia aquele peso.

— Será que Pedro tá bem? — ele murmurou.

Engoli seco. Aquele começo leve de dia tinha virado fumaça, como a fachada da sorveteria.

Ficamos parados, lado a lado no sofá, olhando pra TV como se aquilo fosse um pesadelo que alguém ia desligar a qualquer momento. Mas o som das sirenes continuava, os flashes das câmeras, a fumaça... tudo era real.

— A gente precisa ligar pro Pedro — murmurei, já pegando o celular.

Bernardo segurou meu pulso com firmeza, o olhar sério.

— Espera.

— Esperar o quê, Bernardo? A sorveteria dele queimou! O delegado levou um tiro! Ele pode estar ferido, ou pior…

— Justamente por isso — ele interrompeu. — Se aconteceu alguma coisa séria... se Pedro tiver envolvido de alguma forma, a gente ligar agora pode acabar ferrando tudo. A gente precisa ter cuidado. Muito cuidado.

Fiquei em silêncio, respirando fundo, tentando entender o que ele estava dizendo. No fundo, eu sabia que fazia sentido. Mas era difícil. Difícil demais ficar de braços cruzados quando o medo já se instalava no peito.

— Só mais um pouco. Vamos esperar — ele repetiu, com a voz mais suave agora, acariciando minha mão.

Assenti, com o estômago revirando.

As horas passaram lentas. A TV continuava ligada, mas já nem prestávamos atenção. Tínhamos empurrado a mesa de centro e estávamos sentados no chão, as costas encostadas no sofá, em silêncio. Nenhum de nós teve coragem de abrir a boca e perguntar “e se ele morreu?”.

Até que ouvimos a batida na porta.

Foi seca. Uma. Duas. Três vezes.

Olhei pra Bernardo. Ele já estava de pé, caminhando devagar até a entrada. Fiquei logo atrás, o coração batendo tão alto que parecia que o mundo inteiro ouvia.

Quando a porta se abriu, quase perdi o ar.

Pedro estava ali. De pé. Vivo.

Mas encharcado de sangue.

A camisa colada no corpo, as mãos tremendo, o olhar vazio. Tinha arranhões no rosto, o cabelo desgrenhado, e os olhos… os olhos eram dois poços escuros.

— Eu… — ele começou, com a voz falha. — Eu fiz algo terrível.

A respiração me travou na garganta.

Bernardo não se mexia. Nem eu.

O silêncio gritou dentro do apartamento. E, naquele instante, tudo mudou.

Continua...

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