Me despedi de Milena e Kaique antes de eles dormirem. Expliquei que logo estaria de volta, mas mesmo assim, eles se mostraram chateados por saberem que ficaríamos algumas horas longe uns dos outros. Prometi que seria bem rapidinho, que voltaria logo, e propus uma brincadeira: quem chegasse mais próximo do horário que eu retornaria poderia escolher algo divertido para fazermos juntos. Isso os animou e, quando saí do quarto, eles já estavam fazendo cálculos e cálculos para tentar adivinhar.
Fui deitar com minha muiezinha, que estava toda sentida também, e nós ficamos de amorzinho um bom tempo antes de dormir. No outro dia, fiz questão de levantar um pouco mais cedo para tomar um cafezinho na companhia dela e com calma. A minha sogra já estava de pé, como sempre, mas não forçou a barra com Júlia; apenas se certificou de que estava tudo pronto e retornou para o quarto.
— Ela vai querer conversar comigo — lamentou Juh, colando a cabeça no meu peito.
— Se você não se sentir pronta, só pede para adiar... Sem brigas — falei, alisando o cabelo dela.
E ficamos em silêncio, trocando apenas carinhos.
No caminho até o carro, Juh ainda tomava o seu iogurte e, quando ela sentou no meu colo, conseguiu desviar todas as frutas para a minha boca.
— Amor, eu acho melhor você retornar com as injeções, viu?! Assim não adianta nada — falei, rindo.
— Mas é muito ruim! — ela exclamou, fazendo uma careta.
— Colocar na tigela e não comer não dá resultados — falei, dando um beijinho em sua testa.
— Eu faria qualquer coisa para mudar essas taxas, menos me alimentar melhor e tomar inúmeras injeções — Juh disse, e nós rimos.
— Será que batendo as frutinhas não fica melhor para você? No iogurte, no suco, em uma vitamina... — sugeri, e ela continuava com a feição de nojo. Isso me divertiu, e eu fiz uma expressão de sem paciência, mas logo a enchi de beijinhos.
Já estava dando o horário de sair, porque eu precisava passar em casa antes. Nós demos um abraço mais apertado e, quando eu me preparava para ir adiante, Júlia colocou metade do corpo pela janela para mais alguns beijinhos.
— Não esquece de pegar sua medicação — ela falou.
— Bem lembrado, já havia esquecido — disse-lhe.
— Vou mandar mensagem no WhatsApp para lembrar novamente — Juh falou, enquanto eu quase a esmagava de tanto cheirinho no pescoço.
— Mais alguma coisa, senhora? — perguntei, rindo.
— Não fica nervosa, não se estressa e, se alguma coisa acontecer, me liga imediatamente... De qualquer forma, assim que acabar a reunião, você me liga para me contar como foi e se o bobão quer tirar você de mim — ela finalizou, e eu ri.
— Anotado, gatinha! — respondi.
— Você vai com que roupa? — ela questionou, e eu confesso que não tinha pensado nesse quesito ainda.
— Nem sei. O que sugere? — perguntei, pensativa.
E ela começou a me dar inúmeras opções, mas eu não lembrava da maioria, muito menos onde estavam.
— Amor, é melhor eu te ligar de lá — falei, e ela concordou, rindo.
Depois de inúmeros últimos beijos e muito chamego, parti para Salvador. Cheguei rápido em casa e tomei outro banho. Ao contrário da pousada, lá estava calor.
Liguei para a gatinha e ela foi me guiando e informando suas propostas.
Depois de muita indecisão, chegamos à escolha perfeita: um terninho encorpado com uma calça de alfaiataria preta. O blazer combinando com a calça e, por baixo, optei por uma blusa de seda branca, de gola alta e tecido leve. Nos pés, um scarpin preto de salto médio. Eu precisava de algo confortável.
Quando eu achei que estava pronta, Juh começou a dizer que faltavam alguns acessórios e que eles tinham que ser minimalistas, uma maquiagem bem feita e um penteado diferente.
— Ahhh, não sei se tenho paciência para isso tudo — falei, claramente sem paciência.
— Ahhh, tem sim! — Júlia exclamou.
E, sem opção, eu fui seguindo o passo a passo que ela dizia. Com exceção do penteado, eu prefiro o meu cabelo solto, e assim o deixei.
Ela aprovou o visual com um sorriso satisfeito.
— Lindaaaa, amor!!!! — ela falou, animada.
— E toda sua — brinquei.
Algumas pessoas já tinham acordado e passavam observando a nossa interação. Meus pais e meus irmãos, desacreditados e, certamente, repudiando mentalmente a minha atitude de nem pensar duas vezes antes de aceitar a proposta... Mas eu não estava ligando muito. As únicas pessoas que eu realmente consideraria ao tomar a decisão seriam Juh e nossos filhos. Como a minha mulher estava ali me apoiando e as crianças foram dormir contentes com o meu desafio, não era uma preocupação real.
~ Eles acham muito irreal a minha paixão pelo meu trabalho. Porém, em outros aspectos, eu os julgo imprevisíveis e com o senso de realidade alterado. Então, tá tudo certo!
Meu voo foi tranquilo. Dormi a maior parte e li um pouco de um livro que levei para passar o tempo. Já fui direto para o lugar marcado e, em poucos minutos, o homi chegou. Ele tem uma postura impecável e uma presença marcante. Contagiou o ambiente em segundos com seu senso de humor único.
Tivemos uma conversa muito agradável e longa antes de ele propor o que desejava. Nós conversamos sobre tudo, e o Psiquilord parecia ter a minha biografia inteira na ponta da língua. A educação dele não o deixou tocar nos últimos assuntos que se tornaram públicos, então eu os trouxe para o diálogo, perguntando sutilmente o que ele achava da situação e se isso poderia ter alguma influência negativa. Ele sorriu, pela primeira vez timidamente, e disse que ficou sabendo e que achou formidável a maneira como eu desenrolei e me defendi. Para ele, aquilo influenciou, sim, mas de maneira positiva.
Senti um alívio imenso no peito, que logo se espalhou por todo o meu corpo, me mantendo confortável pelo restante da reunião.
Serviram o almoço enquanto a gente continuava conversando e, então, o Psiquilord olhou para o relógio e disse:
— É melhor eu me adiantar ou vamos passar o dia inteiro aqui, porque, ao que parece, nós dois temos diploma em boa conversa.
Eu ri e o deixei à vontade para prosseguir. Estava curiosa pelo que vinha pela frente. Poderia ser qualquer coisa!
O instituto dele é grande e já era bem ramificado nas grandes capitais, mas ele desejava intensificar o progresso e, por isso, estava atrás de pessoas novas em diferentes regiões para executar o que tinha em mente.
— Quero que você seja a diretora regional da filial de Salvador — disse o Psiquilord, me deixando surpresa.
Segundo ele, o gerenciamento do Nordeste em geral não estava sendo bem desempenhado e eu teria muito trabalho pela frente.
— Sim — ele já falava como se eu tivesse aceitado, rs.
Também comentou que eu precisaria contratar uma nova equipe e, inicialmente, supervisionar de perto, pois ele ia exigir relatórios minuciosos a respeito do desenvolvimento e da garantia de qualidade dos serviços ali prestados. Eu também precisaria seguir os protocolos do Rio de Janeiro, obviamente adaptando-os à realidade da cidade.
Somente em ter o nome dele vinculado ao meu, eu já ganhava muita coisa. Porém, ainda tinha a possibilidade de ascender ainda mais na minha carreira. A maior implicação era a minha clínica. Muito provavelmente, eu precisaria reduzir o tempo dedicado a ela. Eu também teria mais responsabilidades administrativas — que não é uma das minhas partes favoritas do trabalho — e, pelo visto, alta pressão por resultados positivos.
— É... — Sorri ao começar a dizer, e ele me interrompeu gentilmente, erguendo o dedo indicador.
— Ainda não terminei. Tem mais um detalhe besta — e riu, me fazendo imaginar que não era um mero detalhe. E ele seguiu:
— Você deve saber que tenho um programa de formação e treinamento para psiquiatras, psicólogos e terapeutas em geral... Eu sei que você tem fama de não se prender a abordagens. Não despreza o clássico e não tem preconceito em aderir às novidades, desde que elas tenham embasamento científico e funcionem realmente. Então, seria um prazer ter você no casting, uma vez ao mês. Mas no Rio, claro.
Eu fiquei muito grata por toda a proposta. Parecia um sonho. Porém, não é algo que se responde em um curto espaço de tempo. Se eu aceitasse, seria uma grande mudança na minha vida, e esse tipo de decisão não envolve somente a mim. Envolve toda a minha família, e eu precisaria conversar com a minha esposa.
A parte sobre o Rio de Janeiro pesou negativamente, principalmente por conta do deslocamento, e com certeza o Psiquilord sabia disso. Ele tirou um papelzinho do bolso e escreveu a soma da remuneração das duas propostas. Era o tipo de coisa que você olha e ri de desespero porque não há mais nada a fazer.
— Calma, calma... Você não precisa tomar a decisão agora... — Ele me tranquilizou e me deu um prazo, consideravelmente curto, mas pelo menos eu teria um tempo para pensar e conversar com a minha gatinha.
Dinheiro não é tudo. É bom, eu gosto muito, tenho uma família para sustentar junto com minha muié, mas definitivamente não é tudo. A nossa renda já era favorável para a nossa realidade, então eu não tinha o desespero de aceitar, por mais tentador que parecesse.
Sabe o que é engraçado? Em outros tempos, eu aceitaria qualquer proposta profissional que saísse da boca daquele homem, sem pestanejar, sem pensar duas vezes. Apenas diria "sim", mais feliz do que nunca. Mas agora eu tinha outras prioridades. O tempo inteiro eu só pensava em contar para Juh e ouvir o que ela achava. Eu tinha interesse, porém, de forma consciente. Sabia que seria uma mudança muito grande e que deveria pensar com carinho em tudo que ela afetaria.
Nós encerramos a reunião. Ele já ia direto para o aeroporto para uma viagem para fora do país e me deixou os contatos que iam prosseguir o restante do processo comigo, dependendo da minha decisão.
Na saída, eu estava bem inquieta e, obviamente, o Psiquilord percebeu.
— Tem algo que queira me dizer, doutora? — Ele perguntou, com um largo sorriso.
— Autografa meu livro? — Pedi, e nós gargalhamos enquanto ele tirava uma caneta do bolso.
Nos despedimos e, enquanto eu andava pelas ruas sem saber aonde ir, avistei um shopping. Fui direto onde imaginei encontrar bebida alcoólica e pedi um chopp.
Fiquei longos minutos intercalando entre virar o copo e olhar para o nada, pensando em tudo que tinha acontecido comigo ali. Mesmo que eu não aceitasse, já tinha sido muito bom encontrar com alguém de quem sou fã, e essa pessoa estar interessada de verdade no que posso oferecer.
Liguei para a gatinha. Eu ainda não sabia como contar tudo, nem achava que essa conversa deveria acontecer por ligação, mas desejava vê-la, escutar a vozinha doce que ela tem e também ver meus guris. Quando saí de casa, eles estavam dormindo.
Nem chamou direito e Júlia logo atendeu.
— E aí??? — Ela me perguntou, empolgada.
Porém, notei seus olhinhos mais avermelhados. Provavelmente, a conversa com D. Jacira e Sr. Zé havia acontecido.
— Olha, foi incrível... Mas só vou conseguir te dar detalhes pessoalmente. Quero te escutar para decidirmos juntas como prosseguir... Porém, foi ótimo, amor... Estou sem palavras! — Falei.
— Aaaaah!!!! Que lindinha! — Juh disse. — Vem logo! — Exclamou.
— Vim tomar um chopp e já me mando para o aeroporto — Falei, mostrando o copo.
— E continua bebendo... — Juh pontuou, sem muita paciência.
— Hoje foi caso de necessidade, foi um remédio para a alma — Brinquei.
— Por falar em remédio... — Ela iniciou.
— Já está no carro para que eu não esqueça, senhora — Completei, e ela fez um rostinho de convencida.
— Muito bem! — Me respondeu, e eu sorri.
— E por aí... com seus pais... — Perguntei.
— Ah... Você sabe, a mesma ladainha... Depois conversamos sobre isso — Juh me respondeu, e eu assenti.
E, do nada, duas crianças lindas invadiram a chamada.
— Maaaaaae! — Eles gritavam, animados.
— Eu acho que a senhora chega às 16h — Palpitou Mih.
— Será??? — Falei, olhando para o relógio.
— Já eu, acho que a senhora chega 16:45 — Falou Kaká.
— Huuuum, horários próximos... Vamos ver quem acerta! — Comentei.
E do nada, Lorenzo apareceu atrás deles.
— Cunhadinha, tem lembrança para você também — Ele falou, entregando um pacote para ela.
Meu coração gelou. Não é possível que meu irmão sem noção ia brincar com algo assim. Eu pedi tanto!
— Cara, não faz isso... Pelo amor... — Falei, e todos me olharam.
— Fazer o quê? — Juh perguntou, sorrindo inocentemente, sem entender o que viria.
E Lorenzo começou a rir.
Júlia, curiosa, começou a desembrulhar o pacote, e eu até tirei a visão da tela do celular.
— Tio, também quero um desse — Pediu Milena, e ele confirmou que pediu para fazer tamanho infantil, mas ainda não havia chegado.
Olhei de volta e Juh olhava com atenção vários brindes da empresa. O que Mih pediu foi uma máscara de dormir com uma estampa engraçada de um foguinho cansado e escrito: "sem gás".
Até respirei mais leve.
— O que você pensou que era, amor? — Juh perguntou, me observando e rindo.
— Nem queira saber... — Falei, balançando a cabeça negativamente.
— Acho que me despeço por aqui — Falou o meu irmão, em retirada.
— Aaaah, não! Você vai me mostrar — Juh o puxou.
Ele olhou para mim, e eu não ousava dizer uma palavra.
— Amor, manda ele me mostrar, por favooooor — Ela pediu.
— Gatinha, é besteira. Quando eu chegar, nós vemos isso — Falei, e ela o soltou.
Conversamos mais um pouquinho e encerrei a ligação para não me atrasar, mas graças a Deus, com o ambiente controlado.
Dessa vez, eu dormi a viagem inteira mesmo. Foi só me aconchegar na poltrona que apaguei.
Cheguei em Salvador e quase nem entrei em casa. Só peguei o carro e saí. No caminho, fiquei pensando que eu certamente deveria ter tomado um banho e tirado aquela roupa quente, mas logo meu foco se tornou outro. À medida que eu me aproximava da imensa primeira porteira da pousada, que faz divisa com o Haras, notei que havia uma pessoa sentada nela, com um quadriciclo ao lado — e eu conhecia aquela pessoa. Parei o carro e Juh saltou de lá e veio até mim.
Enquanto ela dava passos apressados, tirei uma foto do meu relógio mostrando o horário para mostrar para as crianças. Kaique ganhou, eram 17h04.
Demos um gostoso abraço apertado e, inicialmente, nem falamos nada. Só ficamos de chamego. Ela estava com um sorrisinho sutil, muito atrativo, que me fazia beijá-la o tempo inteiro, e a gatinha me abraçava bem forte.
— Você ainda nem contou e eu já estou mega feliz por você — Júlia disse, fazendo carinho no meu rosto.
— Vamos entrar para a gente conversar direitinho — Falei, intercalando com alguns selinhos.
— Não! — Ela exclamou decidida, com um ar de superioridade. — Nós vamos para a cachoeira! — Finalizou enfaticamente.
— Deixa eu pelo menos tirar essa roupa então, amorzinho... — Falei, arrancando aquela marra com alguns beijos no pescoço.
— Trouxe roupa, tá no quadriciclo — Ela disse, envolta nos meus braços e com um olhar quase que angelical.
Deixei o carro além da porteira e seguimos de quadriciclo. Chegando lá, pude finalmente trocar toda aquela roupa, e nós nos jogamos na água. Depois de nos refrescarmos naquela água gelada, eu a agarrei pela cintura e dei um beijo mais incisivo nela. Foi tão quente que eu juro que poderíamos ferver toda aquela gélida água.
— A gente veio conversar — Juh sussurrou, rindo, próximo ao meu ouvido.
— Você não me trouxe aqui só para conversar... — Falei, descendo uma das mãos até sua bunda.
— Chamei, sim... — Ela disse, passando a pontinha do nariz no meu pescoço.
— Por que não lá? O clima tá ruim? — Perguntei.
— Tem meus pais insatisfeitos com nossa conversa, seus irmãos me interrogando sobre tudo aquilo que o pai de Mih expôs e a veracidade, nossos filhos ansiosos para saber quem ganhou o seu desafio, e eu sem conseguir ficar um minuto perto de Lorenzo sem perguntar sobre o que ele aprontou dessa vez — Juh falou e roubou um selinho.
— É... Parece que motivo tem de sobra... — Disse-lhe, e engatamos novamente em um beijo mais intenso.
— E o seu velho-novo amigo ex-bobão, o que ele queria? — Ela perguntou, interrompendo o nosso beijo e sentando na beirada. Então, eu percebi que íamos realmente conversar.
Mas a conversa não coube nesse capítulo, somente no próximo! Continua... 😁