O Vizinho - Capítulo IX

Da série O Vizinho
Um conto erótico de M.K. Mander
Categoria: Gay
Contém 5212 palavras
Data: 18/03/2024 01:42:15

CAPÍTULO IX

*** ERIC VIANA ***

— Se você me pedir outro sabonete usado, juro que enfio um na sua bunda! — São as primeiras palavras que digo ao abrir a porta para um Gustavo com os cabelos bagunçados, os primeiros botões da camisa abertos, parte dela para fora da calça, o paletó pendurado sobre o braço, exaustão estampada no rosto e olhos de pidão: ͞— Um caminhão passou por cima de você? -pergunto, ao me dar conta de seu estado e ele sorri de canto.

Gustavo dá dois passos em minha direção, e, antes que eu tenha a chance de entender, prever ou parar, beija minha testa, depois, meu nariz, e, por último, minha boca. Um toque de lábios sutil, depois, outro, então, sua língua desliza sobre os meus lábios, pedindo passagem e, a essa altura, eu já estou mais do que disposto lhe dar.

Abro a boca devagar e ela entra. Inspiro, seu cheiro enche meu nariz, seu braço circula minha cintura e meu coração salta no peito pelas sensações muito além das físicas que se arrastam sob a minha pele.

É um beijo lento, gostoso, quente, que deixa muito claro que não, eu ainda não posso transar com ele de novo. Expulsei-o ontem e, certamente, o expulsarei hoje também. Sua boca não devora a minha, ela experimenta, lambe, saboreia, devagar, muito devagar, enlouquecedoramente devagar. Sua mão sobe para o meu rosto e acaricia minha bochecha, meus mamilos endurecem, minha cueca fica apertada, minha pele arrepiada, e minha cabeça extremamente confusa sobre o que está acontecendo aqui.

O problema não são as reações do meu corpo, e sim as outras. As outras que não deveriam estar aqui. As outras que não tem permissão para estar aqui. Mas que como um cachorro teimoso, arrastam as unhas sob a superfície dos meus pensamentos, exigindo passagem, ignoro-as. O beijo acaba e Gustavo cola a testa à minha, tornando minha confusão ainda maior.

Carinhoso. Gustavo, de repente, está carinhoso, e com isso eu não sei lidar. Deem-me o implicante, o arrogante, o irritante, o cafajeste e o filho da puta. Deem-me o que me diz coisas obscenas como se estivesse falando do tempo, o que me fode com uma vontade animal e me deixa completamente louco por isso. Tenho armas para usar contra todos esses, mas Deus! Contra o carinhoso não!

Ergo os olhos e encontro os seus fechados. Ele move o rosto devagar, acariciando o meu, mordo meu lábio, pensando no que dizer e no que fazer. Mas ele fala antes de mim.

— Foi um dia de merda! - Diz, deixando mais um beijo em minha testa antes de se afastar do meu corpo e passar por mim, entrando no meu apartamento e deixando-me em minha própria porta sem saber o que fazer. Quer dizer, eu não o convidei para entrar. Eu não quero esse Gustavo aqui, mas tampouco posso expulsá-lo. Em uma escala de zero a dez, quão bruxo eu seria se o fizesse?

Suspiro, derrotado, e fecho a porta. Viro-me em sua direção, encostando-me na porta, e o encontro em minha cozinha, abrindo a geladeira e tirando de lá uma garrafa de água. Rio.

— Gustavo, você tem certeza que nunca namorou na vida? Porque, olha! Você é realmente muito bom em se sentir à vontade na casa alheia... - Ele sorri imenso. Um sorriso que transforma o rosto exausto.

— Eu aprendo rápido... - Comenta, levando minha garrafa d’água direto a boca e eu grito para que ele não faça isso, mas de nada adianta! O cretino faz assim mesmo. Corro para arrancar a garrafa de suas mãos, mas quando o alcanço, ele já encheu o gargalo com sua saliva.

— Porra, Gustavo! COPO! Conhece? É uma incrível invenção da humanidade pra que você não babe as garrafas de água alheias! - Ele gargalha e, dessa vez, o som me irrita.

— Eu acabei de babar sua boca,lindao! Que diferença faz eu babar a garrafa de água?

— Não interessa, seu babaca! E se eu receber uma visita? Ela é obrigada a beber água contaminada com a sua baba?

— Ciúmes, Eric? - questiona, eu fecho os olhos e respiro fundo. Deus! Tudo bem, eu pedi por isso, certo? O Gustavo cretino está de volta, obrigado! Valeu mesmo, universo! Mas, como eu disse, com esse eu sei lidar.

— O que você quer, Gustavo?

— Ver meu namorado, ué... Ele me nega sexo... Mas, ainda assim, é meu namorado, certo...? - Estica os braços sobre a bancada da cozinha, inclinando o corpo sobre ela e meus olhos são atraídos pelas veias saltadas de seus braços. Mordo o lábio, observando, e isso o encoraja.

Ele dá um passo em minha direção e eu um passo para trás.

— Achei que tivéssemos passado dessa fase...

— Que fase?

— A que você foge de mim...

— E por que não passamos também da que você me encurrala?

— Porque eu adoro essa! -pisca um olho para mim, estica um dos braços, envolve-me nele, e puxa-me contra o seu corpo. Meu peito bate contra o seu e eu quase gemo com o contato. Maldito corpo traidor.

— Até quando você vai continuar castigando nós dois com isso, hein Eric? -Sussurra em meu ouvido e prende o lóbulo da minha orelha entre os lábios. Seu nariz toca a pele sensível atrás da minha orelha e eu me remexo em seus braços, como a merda de um gato no cio. Ele solta um risinho baixo e eu quase agradeço, porque sua estupidez dá forças à minha resolução.

— Não seja dramático... Só faz um dia, Gustavo! E se seu problema é falta de sexo, eu tenho certeza de que no seu celular tem pelo menos meia dúzia de contatos que podem resolver isso pra você!

Ele gargalha, jogando a cabeça para trás e fazendo-me revirar os olhos.

— Meia dúzia? Que tal se a gente multiplicar isso por dez? Talvez vinte, lindo? -questiona e eu colo no rosto minha melhor expressão de exaustão. Ele aproxima o rosto do meu, quase colando a boca na minha: ͞ Mas meu problema não é falta de sexo, Eric, a porra do meu problema continua sendo o mesmo desde a primeira vez que eu te ouvi gemer sem nem saber como era seu rosto! -Seus braços aumentam o aperto ao redor da minha cintura e eu luto contra vontade de fechar os olhos e aproveitar as sensações despertadas pelo toque firme do seu corpo no meu.

— Meu problema é que eu quero sexo com você... -seu hálito morno invade meus lábios entreabertos e o ar que ele expira se torna aquele que eu inspiro: ͞ Mas você, por alguma razão, tá me negando isso... Você só não pode esperar que eu aceite sem lutar... E eu vou lutar com a minha arma mais potente... -Sussurra, antes de moer a ereção em minha barriga e atacar minha boca.

Não resisto, enfio minha língua por sua boca, lambo e saboreio cada milímetro que alcanço, tão gostoso... por que esse homem tinha que beijar tão gostoso? Sua língua varre minha boca, ocupando todos os lugares ao mesmo tempo, até passar a fazer movimentos lentos e ritmados de penetração, ao mesmo tempo em que ele me pressiona contra o próprio corpo e esfrega sua ereção deliciosa em mim. Gemo, incapaz de me conter.

— Porra, Eric... Deixa eu foder você? Eu não consegui pensar em nada além disso na porra do dia inteiro de merda que eu tive... Eu tô viciado em estar dentro de você, lindo! Tô viciado em te ouvir gemer... Em te ver empinadinho pra mim...

Suas mãos deslizam pelo meu corpo enquanto suas palavras fazem o mesmo pelos meus pensamentos e ele entende a minha falta de negativa como concordância. Abaixa a barra do meu short e sem cerimônia alguma, enfia um dedo entre minha bunda, e me penetra. Abro a boca, gemendo arrastado, e jogo a cabeça para trás, aproveitando a sensação deliciosa que a invasão de seus dedos me traz.

— apertadinho pra mim... -fala, com a boca na minha, e rebolo em sua mão, vencido.

Ele desce os lábios pela minha garganta, beijando, lambendo, chupando.

— Isso, gostoso! Grita pra mim! Eu adoro te ouvir gemer, Eric! Puta que pariu! Me deixa louco!

Sua boca volta a encontrar a minha e ele engole meus gemidos, sinto quanto ele enfia mais um dedo em mim e passa me foder forte, rápido, delicioso. Monto seus dedos, esfregando me em sua pélvis, subindo e descendo os quadris ao encontro deles, gemendo a cada investida ou movimento que ele faz dentro de mim, me alongando, me alargando.

A ardência se estica dentro de mim como uma linha. Delicioso, absolutamente delicioso. E quando ele move a mão pelo meu pau, sinto minhas bolas se apertarem e eu explodo em sua mão. Gozo com um grito, seguido por uma gargalhada deliciosa, sinto que Gustavo também está sorrindo e sei que perdi. Definitivamente, minha resolução de não transar com ele falhou miseravelmente...

Seus lábios acariciam a pele do meu pescoço enquanto seus dedos continuam entrando e saindo de mim, agora, mais devagar. Ele mantém a penetração até que todos os tremores do meu corpo já tenham passado, e, quando finalmente para, leva a mão até o nariz e aspira o cheiro profundamente, antes enfiar os dedos na boca e gemer, como se estivesse provando a mais saborosa das delícias.

*************

— Sua vez! -afirma, espalhado sobre o meu sofá com a maior cara de pau do mundo e eu olho para ele deixando claro que não, não é minha vez. O corpo seminu intima meus olhos e eu resisto tanto quanto é possível, o que não é muito.

Depois que transamos, Gustavo entrou no meu banheiro, tomou banho como se estivesse em casa e saiu de lá usando apenas uma cueca box. Quando perguntei se ele não pretendia se vestir, ele disse que já estava vestido.

Definitivamente, a falta de vergonha na cara desse homem não tem limites.

— Gosta do que vê, Eric? -pergunta quando percebe meus olhos passeando por sua barriga definida, peitoral musculoso e braços fortes nus. Deixo que meus olhos olhem à vontade o corpo grande, forte, e quase pelado.

— Acho que nós já deixamos claro que sim, Gustavo, eu gosto, ou você não estaria no meu sofá, seminu... -respondo e ele dá uma piscadinha safada.

— Eu adoraria que você estivesse seminu também! O que aconteceu com os pijamas sexys que você adora desfilar pelo corredor, agora, definitivamente, era o momento de você usá-los, não isso aí... -acusa, apontando para o meu pijama de ovelhinhas e eu sorrio imenso.

— Com medo de brochar, Gustavo? O quê? Meu pijama não é suficientemente sexy pra você? -Ele gargalha e se arrasta pelo sofá, até encostar a lateral do corpo no meu, então, vira-se, deixando nossos rostos frente a frente antes de me responder.

— Eric, eu já disse uma vez, mas parece que você não ouviu, não acreditou, ou esqueceu. Não tem problema, eu repito... -A voz é rouca e sexy como o inferno. De repente, fomos do bobão que estava brincando com a comida para o homem sexy das cavernas e eu simplesmente não consigo entender como é possível que ele tenha feito essa mudança tão rápido.

— Você pode vestir até um saco de batatas, Eric...e, ainda assim, eu vou te achar lindo, gostoso e sexy pra caralho... Não existe jeito de o meu pau não subir pra você! Pode ficar despreocupado... -Estalo a língua, dispensando suas palavras, mesmo que eu tenha sido extremamente afetado por elas. Ele desliza o nariz pela curva do meu pescoço, muito ciente do efeito da sua proximidade sobre mim e eu empurro seu corpo e olho para ele de cara feia. Ele sorri, pisca um olho, e se afasta, voltando para sua ponta do sofá.

— Qual é, Eric! Deixa de ser frouxo! Tá com medo de não conseguir? -Volta a falar sobre o jogo bobo que começou essa conversa e eu seria capaz de agradecer por isso, se, obviamente, não estivéssemos falando de Gustavo. Seus olhos se estreitam e suas sobrancelhas sobem e descem em uma provocação explícita.

— Duas coisas. Primeiro, você sabe que tá falando sobre fazer a própria boca de cesta pra biscoitos, certo? -Inclino a cabeça para o lado e faço gestos com as mãos, como se estivesse explicando algo muito complicado para uma criança.

— Quer dizer, não é realmente algo que se desafie alguém a fazer como se fosse muito difícil ou impossível. Você entende isso, Gustavo? Você não tá me desafiando a pilotar um foguete da Nasa, mas a conseguir pegar mais biscoitos com a boca do que você, tudo bem? -Sorrio e aceno com a cabeça, como se ele tivesse me respondido que sim, tudo bem, coisa que ele não faz: ͞ Ótimo! E quantos anos você acha que eu tenho, Gustavo? Eu já te falei que isso não vai funcionar... Essa coisa de me desafiar a fazer o que você quer...

— Funcionou pra você dormir comigo... -Murmura, vitorioso, e é a minha vez de estreitar os olhos. Penso em rebater, mas bastam alguns instantes para que eu me dê conta de que é exatamente isso o que ele quer. Que eu diga que aceitei a aposta porque estava louco para transar com ele. É verdade? É! Mas ele nunca vai ouvir isso de mim! E é o que digo.

— Eu nunca vou admitir isso pra você, Gustavo... -Ele sorri safado e estende a mão para mim em um convite para que eu me deite em seu colo. Nego...

— E por que não? Sinceridade é a base de um bom relacionamento! -Gargalho.

— Nós não temos um relacionamento, Gustavo!

— Com licença... -Diz em tom irônico: ͞ Da última vez que eu chequei, você era meu namorado, e existem até fotos pra provar!

— Você me coagiu a reconhecer um namoro com você, e existe uma foto! Uma que não prova nada! Até onde qualquer pessoa sabe, pode ser uma montagem feita por um hacker que invadiu minha conta do instagram!

— Um hacker? -Balanço a cabeça, concordando.

— Definitivamente, um hacker!

— Que invadiu sua conta do instagram só pra colocar uma montagem em que você beija a boca do solteiro mais cobiçado da cidade? -Não seguro o riso, ele sai fácil pela minha boca e eu jogo a cabeça no encosto do sofá enquanto gargalho com o corpo inteiro.

Ele se aproveita da minha distração e me puxa para o seu colo. Deito a cabeça em suas pernas e rolo de um lado para o outro enquanto me remexo, rindo.

— Você não faz ideia da sorte que tem! -Resmunga baixinho e eu rio mais.

Não me dou conta do que ele está fazendo até ser tarde demais e o flash iluminar meu rosto uma, duas, três vezes.

— Pra que isso? -Abandono o riso, subitamente desconfiado. Tento me levantar de seu colo, mas um de seus braços me firma no sofá enquanto com o outro, ele mexe no celular.

— Gustavo... -Chamo outra vez, preocupada com o sorrisinho cínico em seu rosto e com a ausência de resposta: ͞ O que é que você tá fazendo?...

— Nada, amor! Só garantindo que todo mundo saiba que aquela postagem não é obra de um hacker... -Diz, dando mais alguns toques na tela do celular e arregalo os olhos

— Prontinho! -exclama, colocando o celular diante dos meus olhos. Um carrossel! Ele fez um maldito carrossel com as fotos que tirou de nós dois agora, e ninguém que tenha olhos vai conseguir imaginar que não sejam de verdade, porque, de novo, as fotos ficaram absurdamente perfeitas.

Eu, com a cabeça nas coxas de Gustavo, gargalhando, vestindo um pijama fofo de ovelhas enquanto ele aparece sorridente, com o tronco nu, e uma das mãos em meus cabelos. É a definição de cena doméstica perfeita, e, agora, além de eternizada em três fotos, está postada no instagram como prova incontestável da nossa felicidade.

Olho para o aparelho incrédulo enquanto notificação atrás de notificação começa a surgir no topo da tela como se o telefone estivesse passando por um curto circuito. Franzo as sobrancelhas e uma pergunta cuja resposta pode ser assustadora me confronta.

— Gustavo... Quantos seguidores você tem? -pergunto, muito preocupado com a resposta e o sorriso que ilumina seu rosto é o suficiente para me fazer fechar os olhos e gemer, frustrado.

Sinto sua aproximação sem ver. Ele beija minha orelha antes de me dar uma resposta sussurrada.

— Dois milhões e cem...

— Puta que pariu! -Levanto tão rápido que bato nossas testas e nós dois gritamos com a dor.

Levo a mão a testa, espelhando sua reação, esfregando ali, mas, sinceramente, nesse momento, a dor na testa é a menor de minhas preocupações. Dois milhões e cem seguidores?

— Gustavo!

— Porra, Eric! Isso doeu!

— Jura, Gustavo? Eu nem percebi... Gustavo, por que raios você faria uma coisa dessas? Por que diabos você postaria isso no seu instagram?

Ele suspira, fingindo cansaço e revira os olhos.

— Porque é verdade...

— Não é verdade!

— É claro que é! E já passou da hora de você admitir isso pra você mesmo...

— E por que isso é tão importante pra você, Gustavo? Por que é tão importante pra você que a gente assuma um namoro que não existe? -digo as três últimas palavras entredentes.

Ele sorri. Parecendo esquecer a dor na testa e todo o resto que não sou eu, olha para mim do jeito cafajeste que é só dele.

— Porque te irrita! -responde simplesmente e eu abro a boca, mas fecho. Estreito os olhos para, logo em seguida, arregalá-los. Expulso o ar dos pulmões, estico os braços ao redor do corpo, fecho as mãos em punho e, antes que eu possa ou queira me impedir, acontece, aquele som que não se decide entre ser grito ou grunhido escapa da minha garganta, oficializando o surto.

Agarro uma almofada do sofá e atiro contra Gustavo, que se desvia dela. Pego uma segunda e uma terceira e todas elas erram seu alvo.

— SAI DA MINHA CASA AGORA! -Grito e ele gargalha.

— SAI! -reforço: ͞ Você queria me irritar? Parabéns! Conseguiu! Agora sai!

************

O celular vibra sobre a minha mesa de trabalho pela milésima vez no dia. Depois da gracinha de Gustavo, precisei tornar todas as minhas redes sociais privadas, porque, de repente, centenas de pessoas que eu nunca vi na vida decidiram que me seguir seria interessante, outras, principalmente homens, começaram a me mandar mensagens, querendo saber se nosso namoro era real, e até mesmo páginas de fofoca online entraram em contato querendo uma informação exclusiva.

O resultado? Um dia de trabalho praticamente perdido, porque eu simplesmente não consigo me concentrar em absolutamente nada. Já tentei desligar a internet, colocar o celular no modo avião e, até desligar o telefone, mas nada adiantou. Nenhuma dessas precauções foi capaz de devolver a capacidade de concentração perdida.

Solto o corpo na cadeira e ela se move. Apoio a cabeça no encosto e fecho os olhos. Que bagunça, meu Deus! Que bagunça. Há algumas semanas atrás, se alguém me dissesse que eu estaria nessa situação, com certeza, eu diria a essa pessoa que ela era louca e surtada, porque não, meu vizinho fodedor e o corredor por quem eu babava diariamente, e com quem eu sonhava todas as noites, não podiam ser a mesma pessoa.

E, não, definitivamente, eu não me envolveria com ele da maneira mais absurda e incomum que a mente humana seria capaz de imaginar com a intenção de que ele não compre e coloque meu apartamento abaixo. Quer dizer, quais as chances? Essa pergunta continua a rondar minha mente apesar de todas as provas que o universo já me deu de que independente de elas serem muitas ou poucas, o fato é que aconteceu. E esse é só o começo do problema.

Gustavo está ganhando. Não é como se estivéssemos mantendo um placar, mas, se existisse um, a pontuação seria clara como água. Ele estaria me dando uma surra. Até agora, o bastardo tem tudo o que quer, me tem em sua cama, não sempre que quer, mas muito mais do que eu gostaria de estar nela, e, eu estou tão longe de fazer com ele se apaixone de mim quanto o Oiapoque é do Chui, e isso precisa mudar.

“Porque te irrita!” ele respondeu quando o questionei sobre suas razões para fazer coisas como a maldita postagem. Depois de muito pensar sobre isso, percebi uma coisa, embora eu insista em dizer que não serei manipulado por ele, o maldito tem apertado todos os botões certos para me ter exatamente onde quer, bem longe do seu coraçãozinho pequeno e, provavelmente, oco.

Ele me irrita, me deixa louco de raiva e, assim, a última coisa em meus pensamentos sempre será qualquer movimento no sentido de envolvê-lo de alguma forma. Enquanto isso, continuamos transando, porque, convenhamos, sexo é bom, mas sexo com raiva é uma delícia, e, além disso, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Se terei que aturar Gustavo, que seja, pelo menos, com orgasmos garantidos.

Suspiro, frustrado com a minha própria estupidez. Ele me avisou, me disse que não costumava entrar em jogos para perder e, ainda assim, eu sentei e assisti enquanto ele fazia todas as jogadas certas, marcando ponto atrás de ponto, sem que eu nem me defendesse. Quer dizer, talvez dizer que ele marcou pontos seja exagero, afinal, para isso ele teria que ter me conquistado de alguma forma, e Deus! Não!

Quanto a isso, continuo seguro. Continuo tão distante de me apaixonar por Gustavo hoje quanto estava há duas semanas atrás. Bem distante, mais até do que o Oiapoque é do Chuí. Mas, por tempo demais, o deixei jogando sozinho, isso acaba aqui, eu só preciso descobrir que tipo de jogada Gustavo não iria prever rápido o suficiente para se defender.

O celular vibra outra vez sobre a mesa e eu olho para a tela acesa. Dessa vez, não é uma notificação de redes sociais, é mais uma mensagem de Gustavo. Ignoro-a. Ele não perde por esperar.

Abandonando de vez o trabalho, abro uma guia no google e digito a pesquisa mais literal que consigo fazer por extenso: “como fazer um homem estúpido se apaixonar por você”.

*****************

O google não me ajudou. Aparentemente, ele e eu temos definições muito diferentes sobre o que seria um homem estúpido e, por isso, nenhuma das suas sugestões seria realmente útil. Como, por exemplo, escrever bilhetes deixando muito claro a sua identidade e suas intenções. Sério? Estamos falando de homens estúpidos, ou de homens com baixa, ou nenhuma capacidade cognitiva?

Depois da tentativa frustrada, concentrei minhas energias em algo muito mais útil e produtivo, algo que eu deveria ter feito semanas atrás. Colocar minhas habilidades de stalker em pleno funcionamento e descobrir toda a informação que é de domínio púbico a respeito de Gustavo Fortuna.

Não descobri muito além do que ele já tenha me contado. Trinta e três anos, filho caçula de dois irmãos, pais amorosos, família modelo. O que ele não me contou é que nasceu e foi criado em Petrópolis, que sua mãe ainda mora lá e que a casa da sua família é a segunda maior da cidade, perdendo apenas, para o museu imperial em tamanho.

O bloquinho em minhas mãos me encara com olhos julgadores, mas eu ignoro seu olhar e me concentro nas informações que consegui reunir:

1) Gustavo é rico.

2) Gustavo é um rico trabalhador

3) Gustavo é um fodedor de primeira (isso eu já sabiaGustavo realmente nunca namorou, se namorou, a internet não descobriu.

5) Gustavo não tem um tipo de cara.

E isso é tudo. Todo o nada que eu fui capaz de reunir.

Deus, onde é que eu estava com a cabeça quando aceitei essa proposta? Naquela boca... E em quão gostoso deveria ser aquele pau... E é tão gostoso... Muito... Muito gostoso!

Eric, foco! Foco aqui! Repreendo minha própria mente por decidir divagar em um momento tão crucial e importante. Quer dizer, não é que eu não confie em mim mesmo, nem nada assim. É só que Gustavo não é o típico homem para quem podemos balançar a bunda e pronto! Apaixonado.

Ele foi categórico ao dizer que não se apaixonaria e que só estava me propondo essa aposta por ter essa certeza. E, depois de ver a procissão de pessoas com quem ele costumava desfilar, isso fez muito sentido. Se aquele egomaníaco enche a boca para dizer uma coisa dessas, é porque muitas deles, provavelmente, tentaram fazer com que ele se apaixonasse. E o imbecil tomou sua falta de interesse por algo mais com elas como imunidade à paixão. Deus, é um idiota, não é?!

Mas isso me traz um impasse, porque se todas esses caras tentaram fazer com que ele se apaixonasse e não tiveram sucesso, o que mais eu posso fazer? Quer dizer, não é que eu não confie no meu taco, eu confio, e muito! Mas mesmo que eu estivesse disposta a fazer o que quer que esses homens tenham feito, coisa que não estou, eu estaria sem opções, já que, obviamente, todas foram esgotadas.

É... mas ele não fez questão de assumir um namoro com nenhum desses homens... A vozinha intrometida em minha cabeça sussurra e, mentalmente, eu a esmago com uma bota imensa. Pode me pisotear a vontade! Mas a verdade é a verdade! Grita, e eu dou um bico nela, arremessando-a longe.

Gustavo, Gustavo... eu não sei o que fazer para você se apaixonar, mas definitivamente, agora, sei o que não fazer. Pode começar a contar, porque o segundo tempo do jogo começou.

*****************

*** GUSTAVO FORTUNA ***

A repercussão das minhas fotos com Eric foi tão grande quanto imaginei que seria. O post teve milhares de comentários, foi repostado por várias contas de fofocas, e até citados em vídeos de canais de informações sobre famosos no youtube nós fomos. Ele deve estar tão irritado...

Rio sozinho da situação. Eric se recusa a falar comigo desde a noite de ontem quando me expulsou de sua casa à almofadadas. Ele não respondeu nenhum dos três e-mails que enviei para ele hoje, nem as quatro mensagens, ou atendeu as duas ligações que fiz. Preciso me controlar para não gargalhar enquanto dirijo pelas ruas do centro da cidade, a caminho de casa.

Quanto bati em sua porta ontem à noite, depois de um dia péssimo, tudo o que eu queria era esquecer do estresse me afundando nele, e me afundei, mas não foi o suficiente. Me vi querendo mais do que seu corpo, quis sua companhia, e, como sempre, foi fácil consegui-lo oferecendo comida. Eric, muitas vezes, parece criança, apesar de se orgulhar tanto de dizer que não é facilmente manipulado.

Não é mentira, e vale para quase tudo quando o assunto é ele, menos comida. Quando estou com ele sou constantemente lembrado da cena de um filme que assisti uma vez. A irmã mais velha de um garotinho de uns sete ou oito anos o leva para conhecer o namorado e o cara diz que vai levar o menino à melhor lanchonete da cidade. O garoto ergue uma sobrancelha para ele, e solta: “Se você acha que pode comprar meu consentimento pra namorar minha irmã com comida, tá coberto de razão! E eu adoro pizza, hamburguer, batata frita e sorvete!”

Se tudo o que eu quiser for a companhia de Eric, basta lhe oferecer uma comida gostosa, e, se eu lhe oferecer a tal cheesecake, ele, provavelmente, é capaz de me entregar algo até mais valioso. Balanço a cabeça, negando, com diversão, o quão contraditória a personalidade de alguém pode ser.

Eric é doce e ácido. Gentil e mal humorado, estressado, muito estressado, mas, ao mesmo tempo, determinado a conseguir o que quer, mesmo que isso eleve seu estresse a níveis radioativos. Ele não tem medo de sacrificar a própria vontade, mas nem sempre consegue fazê-lo. Chego ao condomínio e entro pelo portão da garagem. As áreas comuns, iluminadas pelos postes acesos, estão cheias. Cachorros, crianças e famílias circulam aqui e ali, ocupando os espaços na noite de sexta-feira.

Desde a primeira vez em que pus meus pés aqui, não vejo os prédios antigos e bem cuidados, não vejo um lugar familiar, não vejo o lar de ninguém. Vejo o Ilha nova sendo erguido, todo o trabalho do qual dependerá o empreendimento já em andamento, vejo os canteiros de obra, andaimes e guindastes, vejo os trabalhadores com seus capacetes de segurança e as máquinas escavadeiras, e até alguns dias atrás, isso era tudo o que eu via.

Mas, agora, vejo algo mais. Vejo um rosto de pele clara, olhos verdes e cabelos loiros. Vejo a boca desenhada e gostosa, o corpo curvilíneo e quase posso ouvir a voz e as palavras ácidas de Eric julgando-me por querer colocar esse lugar abaixo.

— São só negócios, lindo. Só negócios... -Digo para o Eric da minha imaginação e ele revira os olhos, fazendo-me sorrir.

Entro no elevador e puxo o celular do bolso. A barra de notificações se tornou uma tela, tamanha é a quantidade. Vou rolando e dispensando as já vistas enquanto aguardo o elevador e, quando ele chega ao térreo, chego às novas mensagens. Procuro por alguma de Eric, mas nada. Ele realmente não me respondeu. Rio baixinho, pensando em qual vai ser minha desculpa para bater em sua porta hoje, talvez eu diga que me tranquei do lado de fora do apartamento.

Será que assim ele me deixa dormir em sua cama? Dessa vez, não me seguro, gargalho, porque, em último caso, se realmente fosse obrigado a me deixar dormir em sua casa, provavelmente, Eric me expulsaria de sua cama e me faria dormir no sofá. Nego com a cabeça, me divertindo com meus próprios pensamentos, e continuo passando os olhos pelo aplicativo.

Desde ontem à noite, parece que toda a parcela gay da minha agenda de contatos decidiu me enviar uma mensagem. Algumas são felicitações reais pelo namoro, outras, dúvidas, mas depois de ler as que recebi desde a última vez em que havia olhado o celular, tenho uma nova preferida:

Yago 18:57h:

Você é um babaca filho da puta! NÃO ME LIGUE MAIS!

Releio a mensagem pela terceira vez. Não nego que eu seja, mas nunca enganei ninguém, então realmente não vejo razão para a agressão gratuita. Enfio o celular no bolso e o elevador apita a chegada ao sexto andar. Saio por ele e caminho para o meu apartamento, dou uma boa olhada na porta fechada de Eric antes de seguir para a minha casa temporária.

Outra mudança é a sensação que tenho ao entrar aqui. Se antes a vontade de voltar para a minha casa de verdade era massiva e quase desesperada, agora eu a sinto, mas ela é bem menor do que a vontade de ter Eric a minha disposição pelos próximos quase dois meses.

Deixo a pasta e o paletó sobre o encosto da cadeira e vou até a geladeira. Quando estou levando a garrafa de água à boca, a voz de Eric assalta minha mente, reclamando da minha baba e eu gargalho, ansioso para babar as garrafas dele também. O celular vibra em meu bolso e assim que olho para o visor acesso, franzo o cenho.

— Tudo bem? -São as primeiras palavras que digo ao atender a ligação de Rodrigo, afinal, já passam das nove da noite, e nós passamos o dia inteiro juntos no escritório.

— Não... E se não agirmos rápido, tá prestes a ficar muito pior!

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