Bernardo [21] ~ MEDO!

Um conto erótico de Bernardo
Categoria: Gay
Contém 2373 palavras
Data: 02/12/2023 11:27:22
Assuntos: Gay, Início, Sexo, Traição

Não me lembro de ter dormido alguma vez tão bem quanto dormi naquela noite. Era como seu eu tivesse tirado todo o peso das minhas costas. Era como se eu estivesse mais leve, como se não tivesse nada com o que me preocupar. Dormi o sono da mais inocente das crianças. Eu não tinha nenhum problema na cabeça, tudo na minha vida era cor de rosa. Eu estava apaixonado por alguém que estava apaixonado por mim também. Não havia mais nada com o que me preocupar. Infelizmente, uma hora eu teria que acordar.

Era manhã de terça-feira e eu tomava café da manhã em meio à costumeira bagunça matinal da minha casa. Eu devia estar deixando transparecer o bobo apaixonado que eu era, porque minha mãe logo percebeu e entendeu tudo. Ou quase tudo:

_Qual o nome dela?

_Hã? Que?_ falei voltando à realidade. Não entendi de primeira o rumo daquela conversa.

_Qual o nome dela?

_Dela quem?

_Ora, da garota por quem você está caidinho!

_E-eu?_ comecei a gaguejar _Você-cê tá imaginando coisas.

_Pode falar, eu sou sua mãe!

Minha mãe era sufocante. Apesar de sempre ter trabalhado fora, sempre se dedicou muito a mim e a meus irmãos, sacrificando suas horas de descanso para ficar com a gente. Quando você é criança isso é ótimo, mas quando nos tornamos adolescentes, passamos a repudiar esse tipo de carinho e preocupação materna excessiva. E quando nós quatro viramos adolescentes, o nível de carência da minha mãe aumentou muito em vez de diminuir. Mamãe passou de carinhosa e preocupada para sufocante e intrometida. Por eu ser o único a ter herdado a personalidade calma do meu pai, bem como seu horror a conflitos, eu sofria pouco com essa sua mudança de personalidade. Com meus irmãos, cada dia era uma briga diferente. Pelo jeito, aquela seria a minha vez.

_Não tem garota nenhuma, mãe.

_E esse olhar perdido aí? Você acha que eu sou boba? Vai contando, quero saber tudo.

_Não tem nada o que contar, mãe._ falei me desviando e pegando minha mochila.

_É a Alice? Pode falar, é a Alice, não é? Eu sabia!_ falava toda eufórica.

_Alice? Você pirou? Ela tá com o Pedro.

_Ele tirou ela de você?

_Que?_eu nem raciocinava direito mais, e já estava perdendo a paciência. _Ninguém tirou ninguém de ninguém. Aliás, não existe ninguém, ok?

_Lógico que existe! Tá escrito na sua cara? Por que você não me conta? Eu sou sua mãe, quero participar da sua vida.

_Existe um limite até onde eu quero que você participe da minha vida!_ falei me segurando o máximo para não gritar.

Apesar do meu tom raivoso, eu não estava com raiva dela. Eu estava nervoso porque ela chegou perto de ponto muito sensível para mim. Ela não podia descobrir nada, o melhor seria nem mesmo desconfiar de nada. Eu não gostava de ser encurralado daquela maneira. Vejam até aonde o medo de ser descoberto me levou: era a primeira vez que eu levantava a voz contra a minha mãe, ao menos conscientemente (quando a gente é criança não conta). Ela parou de falar na hora e ficou me encarando sem ação. Tiago, meu irmão mais velho, foi o primeiro a chegar à sala onde estávamos e ironizou a situação:

_Uau, dona Teresa, você conseguiu tirar até mesmo o Bernardo do sério? Fez o Bernardo certinho gritar? Parabéns, hein!

Eu fiquei envergonhado e abaixei a cabeça. Não queria pedir desculpa porque não me arrependi do que disse ou do tom que usei. Me virei para sair de casa, mas não sem antes escutar minha irmã gritar de algum lugar da casa:

_Bem-vindo ao clube, Bernardo!

Naquele estado de espírito que eu estava, eu tinha ignorado o quão difícil seria esconder minha relação com Rafael das pessoas que me cercam. Por mais que só nos encontrássemos escondidos, as pessoas eventualmente perceberiam que alguma coisa estava acontecendo. Eu teria que ser extra cuidadoso com aquilo tudo.

Eu ainda estava perdido em pensamentos quando cheguei na universidade e me deparei com uma cena inusitada. Pedro estacionou seu carro em frente ao prédio. Até aí tudo normal, ele ia de carro todo dia. O que me chamou a atenção foi quando ele deu a volta correndo no carro e abriu a porta do passageiro como um verdadeiro cavalheiro. E de lá, adivinhem, saiu Alice. Eu não aguentei e comecei a rir da cena. Pedro de cavalheiro e Alice de dama foi a melhor das comédias para mim. Acho que ri tão alto que os dois me notaram ali. Era difícil ver o que era predominante em suas expressões: raiva pelo deboche ou vergonha pelo flagra. Rapidamente os dois voltaram aos seus papéis de costume. Pedro relaxou o corpo e fechou a porta o carro, enquanto Alice caminhou para dentro do prédio sem nos esperar.

_Pelo jeito, as coisas estão indo bem, hein?_falei

Ele ficou sem jeito e coçou a cabeça, mas não conseguiu conter um sorriso de felicidade. Aliás, o mesmo sorriso que eu estampava mais cedo e me causou problemas em casa.

_É... Estão melhores, mas não tá tudo perfeito ainda.

_Por que?

_Ela é jogo duro, Bernardo!_ ele falou em tom de desabafo enquanto entrávamos no nosso prédio _Ela continua se fazendo de difícil.

_Mas vocês se beijaram no sábado e vieram juntos hoje.

_Pois é! Ficamos a noite toda, mas no domingo ela não atendeu nenhuma das minhas ligações. Só consegui falar com ela ontem na aula, e ela fica fazendo jogo duro, sabe, mantendo uma certa distância de mim. Tive que quase implorar para ela aceitar minha carona hoje. E isso é terrível, cara, parece que to mendigando a atenção dela.

Fiquei com dó de Pedro. Ele realmente gostava de Alice, não era simplesmente uma diversão boba ou uma distração para ele. Ele amava minha amiga, e não conseguia entender porque ela não dava uma chance a ele. Ela não precisava se apaixonar perdidamente à primeira vista por ele, mas poderia dar uma abertura para ele conquistá-la. Certo, ela o via como um babaca, mas se ela lhe desse uma oportunidade, ele mostraria que isso é só um disfarce, uma casca. Só o fato dele estar “mendigando” a atenção dela, como ele disse, já tornava Pedro um personagem tridimensional, com sentimentos muito mais profundos e complexos do que os preconceitos bobos que Alice não conseguia deixar de ver.

Eu duvido muito que Alice tenha caído no nosso planinho bobo, que tenha realmente acreditado na redenção de Pedro. Eu sempre soube que uma coisa assim não funcionaria com ela, o objetivo sempre foi outro. Com Pedro dando um passo para trás no seu preconceito, Alice tinha abaixado a guarda por alguns instantes e Pedro não perdeu essa oportunidade. Minha esperança é que essa pequena janela aberta por ela fizesse ela ver algo a mais em Pedro que a levasse a lhe dar uma chance, mas pelo jeito isso não aconteceu. Alice voltou a se fechar para Pedro, voltamos à estaca zero. Só que eu não podia dizer isso a Pedro, ia acabar com suas esperanças.

_Bom, eu vou conversar com ela. Ainda não tive chance desde sábado. Vou investigar o que está acontecendo._ falei.

_Muito obrigado, cara, você é um amigão!_ respondeu me abraçando de lado.

_Que isso, você faria o mesmo por mim._ rebati, sem muita certeza.

_Mas me conta, o que aconteceu pra você sumir pelo resto da noite.

_Ah..._ pensei numa desculpa rápido _A bebida não me fez bem, comecei a passar mal e achei melhor ir embora para não pagar um mico como da última vez.

_Ahh, tá. O Rafael depois procurou a gente e falou que estava indo embora, que você já tinha ido também.

_Ahh...

_E aquele lugar, velho? A Alice é louca.

_Ela só queria te testar, e pelo visto você passou no teste.

_Sim, mas foi difícil, viu. Foi duro ver aquelas nojeiras todas sem reação, e...

_Eu tenho que ir no banheiro, te encontro na sala, Pedro._ cortei ele. Não tava com saco para ouvir seu discurso homofóbico hoje.

Dei um tempinho parado num corredor e depois fui para a sala. Meu lugar já estava separado entre Rafael, Alice e Pedro, que conversavam amigavelmente. Quando entrei Rafa sorriu para mim e foi impossível não sorrir de volta. Ele não estava usando nada diferente, mas parecia ainda mais lindo do que era. Dava vontade agarrar suas bochechas e lhe prender num beijo ali mesmo, na frente de todos. Fui para meu lugar e sentei.

_Oi._ falou Rafa.

_Oi.

_Gostou daquele filme que eu te falei para alugar? Aquele do romance proibido entre dois jovens?_ perguntou com um sorriso sacana no rosto.

Era um jogo perigoso aquele que ele estava jogando, mas achei divertido e entrei nele.

_Gostei sim. Apesar de nunca ter gostado dessas histórias muito açucaradas, gostei do filme.

_Quando eu assisti, mal consegui dormir à noite porque o filme ficava se repetindo na minha cabeça.

_Aconteceu comigo também, cheguei a sonhar com o filme.

_Sério?

_Sério mesmo.

_E qual é o nome do filme mesmo?_ perguntou Alice nos interrompendo de propósito, ela tinha entendido tudo.

_Uai, você tá me enxergando aqui? Achei que eu estava invisível, porque você não respondeu quando eu te dei “oi” quinze minutos atrás lá na entrada._ respondi sarcástico.

_Idiota.

_Mal-educada.

_Precisamos conversar, você sabe, né?_ ela falou.

_Sei, e pode apostar que vamos conversar.

O resto da aula continuou sem nenhuma outra conversa muito produtiva.

Me chamou a atenção o fato de Eric ter faltado aula. Ele se abalou muito com o que tinha visto no dia anterior e foi impossível não voltar a me sentir culpado. Eu tinha que fazer alguma coisa. Mas eu estava sozinho nessa, Rafael não moveria uma palha para ajudar Eric. Talvez, fosse melhor ele nem mesmo saber que eu ia ajudar Eric...

No intervalo, eu e Alice estávamos a sós sentados numa mesa mais afastada na lanchonete. Empolgado, contei a ela tudo o que tinha acontecido comigo e Rafael desde aquele dia na boate.

_Meu Deus, me afasto de você por dois dias e já está namorando!

_Namorando não! Estamos apenas nos conhecendo...

_Aham, sei muito bem que parte do corpo um do outro vocês estão querendo conhecer.

_Que horror, Alice!_ respondi rindo me fazendo de ofendido _Nem é assim, estamos indo com calma. Quero fazer as coisas certas desta vez, para não pirar de novo. Por enquanto eu me contento com beijos.

_Nossa, você está de quatro por ele, não está?

_Eu... Eu não sei o nome disso, mas é maior do que o que eu sentir por Eric, bem maior.

_E você vai mesmo procurar o Eric?

_Eu tenho que fazer isso, a culpa está me consumindo.

_Eu te falei que esse plano de vocês não ia dar certo, não falei?

_Sério que você vai bancar o tipo “eu não te avisei?” agora?

_Mas eu realmente te avisei, né? E o que você pretende fazer para ajudar Eric?

_Ainda eu não sei. Vou conversar com ele. Sei que ele fica sozinho a tarde toda em casa, então vou lá para termos uma conversa.

_Seu namorado sabe que você está pretendendo ir se encontrar sozinho com seu ex?

_Rafael não é meu namorado e muito menos Eric é meu ex-namorado.

_Mas ainda assim ele vai ficar puto da vida quando souber.

_Ele não vai saber...

_Ahh, Bernardo..._ ela falou rindo _Você está caindo em outra situação “eu não te avisei?”, sabia?

_Deixa que de mim eu cuido, Alice. Vamos falar de pessoas que não sabem o que estão fazendo.

_Quem, por exemplo?

_Você, que está sendo fria com Pedro.

Ela bufou alto, revirou os olhos e se levantou da mesa, mas eu fui mais rápido e a puxei para sentar de volta.

_Eu fiz o que você queria, uai, dei uma chance pro troglodita, não tá feliz?_ falou já perdendo o tom de brincadeira na voz que vinha usando até ali.

_Eu vi vocês se beijando Alice, você tava super na dele. Nem vem me falar que não gostou, porque seu corpo dizia outra coisa.

Ela ficou inquieta na mesa, como ficava toda vez que não conseguia me responder satisfatoriamente.

_Ai, Bernardo, não me enche. Não quero ficar com ele e pronto. Você achou o que, que ia me empurrar para ele, eu ia beijá-lo e me apaixonar perdidamente por ele? Que no dia seguinte já estaríamos escolhendo os nomes dos nossos três filhos? Ah, para com isso, né?

_Qual é o problema de dar uma chance a ele? Ele já provou que pode ser uma pessoa melhor. Aliás, ele se tornou uma pessoa melhor por você. Ele está triste, sabia? Ele realmente gosta muito de você e você o trata como lixo.

_E o que você quer que eu faça? Fique com ele por pena? É isso?

Respirei fundo e prendi suas mãos entre as minhas, numa das raras vezes em que deixamos nossa animosidade de fora e fomos realmente carinhosos um com o outro.

_Eu sou seu amigo. Você está sempre querendo me ajudar e eu quero retribuir. O que está acontecendo? Eu vi você se entregando a ele de uma forma diferente, da mesma forma que me entrego ao Rafa quando o beijo. Isso não é uma coisa qualquer, não acontece todo dia com todo mundo. É uma coisa especial e você se recusa a se entregar, por que?

_Eu tenho medo, Bernardo!_ falou tirando a máscara de menina forte que sempre usava e se mostrando vulnerável.

_Medo de que?

_Ora, Bernardo, você acha mesmo que eu caí nessa que ele está se tornando uma pessoa melhor? Você subestima tanto assim a minha inteligência? Ele estava fingindo para me conquistar. Não me importo se as intenções dele comigo eram as melhores possíveis, eu ainda não gosto da pessoa que ele é. E eu não posso correr o risco de me apaixonar por uma pessoa como ele. Eu não quero me apaixonar por ele.

Ela se levantou e foi embora, sem nem me dar chance para lhe responder. Muita água ia ter que passar embaixo daquela ponte ainda para que Pedro e Alice se acertassem.

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Alice está sempre certa! Tanto nos comentários sobre os erros de Bernardo quanto no que pensa sobre Pedro.

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