Bernardo [06] ~ Prometo ir devagar!

Um conto erótico de Bernardo
Categoria: Gay
Contém 2520 palavras
Data: 29/11/2023 21:10:23

Eu não estava muito feliz em ir para aula naquela segunda-feira de manhã. Eu seria obrigado a encontrar Eric, Pedro e João, três pessoas que eu queria evitar a qualquer custo no momento.

Quem mais me preocupava eram Pedro e João, pois os dois poderiam sair espalhando pela faculdade que eu era gay. O primeiro por já ter dado uma pequena amostra de sua veia homofóbica, e o segundo por pura vingança. Alice podia ter razão e Pedro ter interpretado outra coisa da cena que viu, mas a dúvida me torturava. Quanto a João, eu sei que deveria sentir raiva dele, mas eu não conseguia. Lógico que o que ele fez foi muito errado e minou qualquer possibilidade de eu (sóbrio) ceder às suas investidas. Se bem, que depois do soco que levou de Pedro, duvidava muito que houvesse mais investidas da sua parte. Enfim, eu não sentia raiva de João, do mesmo jeito que não sentia nenhuma outra coisa, só o tesão no momento do beijo, mas não dá pra delimitar até onde era o efeito do álcool.

Sim, o que menos me preocupava era Eric, mas só até o momento que eu o visse. É o que sempre acontece, toda vez que eu o via, tudo o que eu havia planejado se torna uma vaga lembrança. Toda razão se esvai e o instinto doma minhas ações. Perto dele eu não penso. Perto dele eu só sinto.

Eu fico me perguntando quão estúpido e patético eu sou, não consigo nem me controlar na presença de Eric. Ele faz de mim uma pessoa completamente diferente. Sinto ciúme, instintivo, imprudente, capaz até de beijar um outro cara no prédio onde eu estudo. E eu não quero ser assim! Eu quero voltar para a minha normalidade de antes de entrar na faculdade. Eu quero voltar a poder me enganar quanto aos meus desejos, poder imaginar um futuro tranqüilo e feliz para mim.

Eu estava decidido a tirar Eric da minha cabeça e voltar para o futuro que eu havia planejado, mas, mais uma vez, foi tudo por água abaixo quando o vi encostado numa pilastra, aparentemente esperando alguém. Como sempre, ele estava lindo sem fazer muito esforço para estar. Calça jeans escura, chinelo de dedo branco e uma camisa de manga comprida branca também. Suspirei fundo ao cair em tentação ao voltar a fantasiar eroticamente com ele. Ele então olhou para mim, sorriu e caminhou em direção a um corredor deserto, mas antes parou e me olhou de volta, como se me chamasse para acompanhá-lo. Ele estava mesmo esperando alguém: eu. Como já disse, nem sinal da razão numa hora dessas. Alguém poderia ter visto a troca de olhares, alguém poderia estranhar nós dois naquele corredor deserto, alguém poderia nos flagrar fazendo o que quer que Eric tivesse me mente, mas quem disse que eu pensava nisso? O segui.

Quando cheguei ao corredor, estava vazio, nem sinal de Eric. Olhei em volta aflito. Eu estava começando a imaginar coisas? Vi uma porta se mexer. Meu coração passou a bater ainda mais acelerado do que já batia. Fui em direção a ela e abri. Era um banheiro, mas estava vazio. Entrei e a porta bateu atrás de mim, me fazendo pular de susto. Eric riu divertido. Ele devia estar escondido atrás da porta esperando para me assustar. Agora ele se posicionava na frente dela com um sorriso travesso no rosto, me impedindo assim de sair.

_Você é louco?!_ falei ainda arfando por causa do susto.

_Agora você é só meu.

Antes que eu pudesse reagir, seus lábios já estavam grudados nos meus. E como aquilo era bom! Detalhe importante: não era eu guiava aquele beijo, mas ele. Ele segurava firme minha cintura com a mão esquerda e empurrava minha cabeça contra a sua usando a mão direita. Ele parecia ser muito experiente naquilo, um verdadeiro mestre. Eu estava completamente entregue a ele. Por mim aquele beijo podia durar para sempre, eu não me importava.

Ouvimos o barulho de pessoas passando conversando pelo corredor, nos assustamos e nos largamos. Nos olhávamos esbaforidos. O que eu estava fazendo? E o risco que estávamos correndo ali? O que estava fazendo com minha vida? Pus as mãos no rosto e deixei minhas costas escorregarem pela porta até eu parar sentado no chão abraçando meus joelhos. Comecei a bater minha cabeça neles repetindo para mim mesmo “o que estou fazendo?”.

_O que você tem?_ ele perguntou.

_O que eu tenho?!_ repeti exasperado _Eu tenho um monstro dentro de mim! Um monstro que me leva a fazer coisas como isso!

_Isso?!

_Eu não quero isso!_ falei olhando para ele pela primeira vez e sentindo os meus olhos vermelhos, prestes a se encherem de lágrimas.

_Não parecia..._ falou debochando, o que me irritou profundamente.

_O que você sabe sobre mim?! NADA! Apenas aparece do nada, me beija e me deixa sozinho para lidar com toda a merda! Eu tenho que ir pra casa e por sozinho o monstro para dormir!

Terminei de desabafar e ele me encarava como se assistisse a um espetáculo muito divertido. O silêncio estava me irritando ainda mais.

_Fala alguma coisa!

_Sua cabeça é tão bagunçada assim?

Era só isso que ele tinha para me dizer?

_É...

_Me desculpe. Se eu soubesse que você ainda tá lidando com... com... com o monstro,_ falou constrangido de estar repetindo aquele metáfora estúpida _eu teria ido mais devagar.

_Uma conversa antes teria sido legal..._falei mais calmo.

_Se tivéssemos conversado antes, você teria me beijado no carro naquele dia?

Fiquei em silêncio. Provavelmente não, e ele entendeu isso.

_Viu? Valeu a pena, se não nunca teríamos saído do lugar.

_Mas isso não justifica nada.

_Eu sei, me desculpe.

Ficamos novamente em silêncio.

_Então,_ falou retomando a conversa _você não se aceita, ou o problema é só comigo?

_Não vou conversar sobre isso num banheiro.

Ele riu e concordou com a cabeça.

_Tem razão. Eu te pego em casa sexta-feira às oito.

_O que?_ fui pego de surpresa _Onde a gente vai? Eu não sei se devo ir...

_Ah, vai sim. Quero que dê certo entre nós dois e precisamos muito dessa conversa para isso.

Ele veio até mim e eu prendi a respiração em resposta. Ele deu um sorrisinho discreto e beijou minha bochecha, depois sussurrou no meu ouvido:

_Prometo ir devagar de agora em diante.

Me arrepiei todo com seu hálito quente batendo na minha orelha. E ele foi embora.

“Quero dê certo entre nós dois.” Essa frase ao mesmo tempo me deixava em êxtase e em pânico.

[...]

Eu ainda estava atordoado com o meu encontro com Eric no banheiro e demorei muito para perceber que já estava meia hora atrasado para há primeira hora. Saí correndo do banheiro e passei voando pelos corredores. Acabei atropelando um cara que saía de um outro banheiro e caímos os dois no chão.

_Me desculpe, eu não...

Perdi a fala. O destino gostava de me pregar peças: João. E estava com um belo de um olho roxo.

_Você..._ ele falou.

_Olha..._ já fui começando a me explicar.

_Eu lembro de você na calourada, lembro do seu rosto.

Ele parecia estar fazendo força para se lembrar. Me animei com a possibilidade de alguém lá em cima estar olhando por mim e ter dado uma amnésia a João. Me calei para ver até onde ele se lembrava do que aconteceu.

_Não foi em você que eu vomitei, não, né?

_Não, não foi.

_Desculpe cara,_ falou se levantando e me ajudando a fazer o mesmo _acho que bebi demais naquele dia. Não lembro de nada depois do quarto caneco de chope. Nem sei como consegui isso.

E apontou para o hematoma provocado pelo soco de Pedro. Tive vontade sorrir tamanha era minha felicidade pela sorte que eu tinha, ele não se lembrava do que tinha acontecido.

_Nem quem fez isso?

_Não, que me dera!

Ufa! Um problema a menos. Imagino como seriam os encontros dele com Pedro todos os dias pelos próximos anos. Lógico que ainda tinha que conversar com Pedro, mas vamos nos preocupar com uma coisa de cada vez.

_Mas enfim, a gente só conversou e você cumprimentou por ter cumprido o trote, depois não nos falamos mais.

_Ah, bom! Tava com medo de feito alguma besteira com você também. Muita gente veio reclamar comigo de muita coisa.

Resolvi encerrar o papo antes de ele começar a recuperar a memória.

_Sabe, cara, tô atrasado, tenho que ir andando. De novo, desculpa por te atropelar correndo pelo corredor.

_Tranqüilo, fica de boa. Até mais.

_Até!

E voltei a caminhar para a minha sala de aula. Ainda olhei novamente para trás e João tinha o olhar perdido em algum ponto distante, mas sorria com o canto da boca. Pensei na possibilidade dele estar mentindo sobre a amnésia alcoólica, mas me forcei a acreditar que era só minha insegurança falando.

Entrei em sala e foi impossível não atrair todos os olhares, menos o do professor, que fingiu não me ver. Fui silenciosamente para o meu lugar na frente de Alice.

_Eu te vi chegar a quarenta minutos atrás, onde você se meteu?_ perguntou Alice assim que me sentei.

_Bom dia pra você também.

_Isso não foi uma resposta.

_No intervalo te conto.

Não sei se queria contar para Alice o que tinha acontecido, mas eu sabia que não teria muita escapatória. Descobri que não consigo mentir para ela, tanto que ela descobriu no primeiro dia que eu gostava de meninos. Passei os olhos pela sala e encontrei Eric, novamente ao lado de Rafael, novamente me provocando ciúme. Ele sorriu para mim, mas desviei o olhar. Eu era meio paranóico quanto a alguém ver aquilo. E então meu olhar cruzou com o de Pedro.

Por meio segundo, trocamos um segredo com o olhar. Éramos cúmplices. E durante esse meio segundo, eu fiquei aterrorizado pensando em qual seria a reação dele. Se ele quisesse contar o que sabia, eu estava perdido. Mas ele simplesmente sorriu discretamente e acenou a cabeça, me cumprimentando. Fiz o mesmo e virei para frente, afundando aliviado na minha cadeira. Ele não ia contar nada. Éramos mesmo cúmplices agora.

No intervalo, fui obrigado a contar tudo para Alice sobre minha conversa com Eric e meu encontro com João, mas ela tava mais interessada na primeira parte.

_Ele te convidou para um encontro? Que coisa cafona!

_Não é um encontro, vamos apenas conversar.

_Vai achando...

_Desta vez eu estarei no controle da situação, vamos apenas conversar.

_E você tem planejado o que falar para ele?_ perguntou irônica, ela sabia que eu estava completamente perdido.

_Não, mas vou fazê-lo entender que devemos ser só amigos.

_Ai ai, nem falo nada..._ falou deixando claro que não acreditava que aquilo aconteceria.

Eu também duvidava que conseguiríamos ser amigos, chega um ponto que não tem mais volta.

_Mas vê se veste direito, hein? Não vai assim.

_Assim como?_ falei meio indignado, meio bravo _O que tem de errado com minhas roupas?

_Olha aí: jeans sem graça, camiseta de estampa sem graça e tênis sem graça. Parece um uniforme. Você se veste para se misturar na multidão, para não ser notado.

Era verdade, e combinava bastante com minha personalidade. Abri a boca para responder, mas ela já tinha adivinhado minha resposta.

_Não, não precisa se encher de brilho e usar roupas espalhafatosas. Mas ninguém nunca morreu por se vestir com um pouco mais de cuidado e não pegar a primeira coisa que achou no guarda roupa. Preste atenção, vocês devem ir a um restaurante ou barzinho, então precisa parecer ao mesmo tempo casual e elegante. Você vai usar a calça jeans mais escura que achar, se for preta, melhor. E que tenha a boca fina, não fica bem com o estilo largadão. Uma camisa SEM ESTAMPA_ ela frisou essa parte _de uma cor forte, porém discreta, como vermelho, verde escuro ou azul-marinho. E finalize com um sapatênis, ou até mesmo um tênis, contanto que ele esteja limpo e seja discreto. Ah, um relógio elegante e uma aparada no cabelo cairiam bem também.

Ouvi tudo de olhos arregalados. Ao mesmo tempo em que me assustei com o conhecimento de Alice, tentava absorver suas informações, seriam importantes mais tardes.

_O que?_ perguntou _Nunca te deram dicas de moda?

_Não, você é minha única amiga mulher e as da minha família não ligam pra como eu me visto. Ninguém me diz o que vestir.

_Tá explicado porque você ainda é virgem.

Devo ter ficado vermelho como pimenta malagueta, mas era verdade. Enquanto tentava formular uma resposta, ela falou:

_Se recomponha, Pedro está vindo aí.

Quando olhei na direção que ela indicou, lá vinha ele e olhava para mim. Estava claro que íamos conversar. Alice se levantou e se afastou. A amaldiçoei naquele momento.

_Podemos conversar?_ ele perguntou.

_Claro._ respondi nervoso apontando o lugar vago no banco onde eu estava sentado.

_Então..._ falou se sentando. Ele também parecia sem jeito.

_A gente pode ignorar o assunto._ falei tentando domar a situação _Ele teve uma amnésia alcoólica e nem se lembra do que aconteceu.

_O viado faz o que fez com você e passa em branco? Tá louco?

_Prefiro não me meter em confusão.

_Mas...

_Por favor._ pedi praticamente suplicando _E se essa história se espalha? Vão falar de mim até eu me formar, quiçá até depois.

Ele me olhou analisando meu pedido.

_Mas não foi sua culpa, ele te atacou!_ falou tentando sussurrar para ninguém ouvir.

Sim, ele achava que eu inocente na história. Eu podia estar bêbado, mas lembro muito bem de concordar com o primeiro beijo de João. Mas eu não podia contar isso para Pedro. Ele já tinha demonstrado não gostar muito de homens que gostam de outros homens.

_Eu sei._ respondi _Deixa passar, por favor.

_Mas se ele tentar de novo?

_Eu nunca mais vou beber daquele jeito, vou poder me defender.

_Mas...!

Eu suplicava com os olhos. Se começasse uma confusão, ela se espalharia como fogo no mato seco.

_Certo._ falou se dando por vencido.

_Obrigado!

_Mas se ele tentar qualquer coisa pro seu lado, promete que vai revidar?

_Prometo._ respondi sinceramente, era o que eu pretendia mesmo. _E não tive chance de agradecer, obrigado mesmo.

_Que isso!_ o rosto dele relaxou num sorriso, mostrando a pessoa alegre que ele verdadeiramente era _Amigos são pra essas coisas.

_Amigos?_ perguntei meio inseguro _Nós nem nos conhecemos ainda.

_Ah, mulher que precisa de trocar confidências para virar amiga uma da outra, com homem basta um aperto de mão._ respondeu me fazendo rir _Ou será que o “incidente” te fez mudar de lado?

Senti um arrepio frio descer pela minha espinha.

_Tá louco? Não..._ resolvi agir depressa e mudar o foco da conversa _Amigos então.

_Amigos._ falou sorrindo e apertando a minha mão.

Ali nascia uma grande amizade, uma das relações mais bonitas que eu viria a ter com alguém na vida. Mas é o caso de se perguntar: que amizade é capaz de durar se já começou com uma mentira?

——

Siga a Casa dos Contos no Instagram!

Este conto recebeu 9 estrelas.
Incentive Contosdolukas a escrever mais dando estrelas.
Cadastre-se gratuitamente ou faça login para prestigiar e incentivar o autor dando estrelas.
Foto de perfil de ContosdolukasContosdolukasContos: 322Seguidores: 70Seguindo: 25Mensagem Jovem escritor! Meu email para contato ou trocar alguma ideia (contosdelukas@gmail.com)

Comentários

Foto de perfil genérica

Muita coisa complicada aí. João esqueceu de porra nenhuma. Ninguém aceita sair com uma pessoa só pra falar que não quer ficar beijando ela. Eu imagino que Pedro seja uma boa pessoa, ele só é mais um levado pela massa perversa que se aproveita da falta de informação das pessoas, acredito que assim que Pedro tiver mais informações ele possa mudar.

0 0