Sexo Urbano

Um conto erótico de Julia
Categoria: Heterossexual
Contém 1323 palavras
Data: 16/10/2023 08:02:48
Assuntos: Heterossexual

Você olhou para mim e sorriu enquanto andávamos em direções opostas no viaduto Nove de Julho. Um indo para a Rua da Consolação e outro descendo sentido Vale do Anhangabaú. Eu, que me atraio instantaneamente por homens negros que se expressam sem medo de serem considerados amedrontadores, não pude deixar de te notar. Seu sorriso me fez perguntar que tipo de segredo você carregava naquele semblante incógnito.

Nos cruzamos tão rápido que sequer pude sentir seu cheiro. Acontece que algo te marcou. E você veio atrás de mim. Num domingo como aquele, às cinco da tarde, com sol dando lugar à sombra e ao frio típico das ruas cheias de prédio do centro de São Paulo, eu só queria cama. A minha cama. Mesmo assim, quase terminei a noite no seu endereço. Você parou ao meu lado aproveitando minha espera para atravessar a rua na frente da faixa de pedestre. Dizem que respeitar as leis de trânsito salva vidas. Eu viria a descobrir, anos mais tarde, que esse gesto me salvou, de fato, da vida monótona que eu levava até então.

Aceitei o convite para ir com você até o Bar do Estadão. Pedi uma garrafa de água, já que a ressaca do sábado ainda não tinha dado trégua e eu estava satisfeita pós-almoço com amigos. Você pediu um litrão e um lanche de pernil. Falou sem parar, ainda que tenha se mostrado um bom ouvinte.

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Sua ansiedade não te permite lidar bem com o silêncio, o que faz com que você revele mais do que a intimidade sugere, como a ruptura com a sua mãe e o desejo de publicar um livro que reunisse suas ilustrações homoeróticas. Isso fez você parecer, aos meus olhos, confiante quanto a sua sexualidade. Até que sentiu a necessidade de pontuar que “apesar disso”, do seu “tipo de arte”, era hétero. Como se ser hétero fosse alguma vantagem hoje em dia.

Você encerrou o jantar um segundo depois de um breve momento de quietude. Aceitei quando se ofereceu para me acompanhar até a porta de casa e achei graça da sua demora para ir embora. Sem um convite para entrar, você se contentou em pedir um beijo de despedida. Porém, meu radicalismo vegano não me permitiu sentir o gosto de pernil que tinha na sua boca. Pensando agora, a verdade é que pode ter sido puro e simples medo. Medo de você e do que eu sentiria caso continuasse sendo tão irresistivelmente descomplicado.

Passamos a nos encontrar com frequência. Qualquer situação parecia ser uma boa oportunidade para que um ligasse para o outro propondo uma saideira, um passeio, uma carona. Parecíamos dois amigos. Amigos a ponto de explodir de tesão reprimido. E só. Em um desses encontros eu falei sobre minha regra de não gozar na primeira transa. Só queria direcionar nossas conversas para algo mais profundo e quente. Para meus lugares mais profundos e quentes, para ser mais exata.

A estratégia de me conter durante o sexo inaugural era uma maneira medíocre que encontrei na tentativa de não criar uma conexão excessivamente especial com um estranho. Me lembro que você não deu bola, como se isso fosse irrelevante. Isso me irritou. Fiquei pensando se era descaso com o prazer feminino. Era, na verdade, uma confiança atroz na impossibilidade de uma mulher não gozar ao toque da sua língua. E não viria a ser eu a provar o contrário.

Quando me masturbar pensando em você deixou de ser suficiente para dar vazão ao desejo que eu sentia quando estávamos juntos, decidi te escrever avisando: “estou indo para sua casa e hoje você vai me comer”. Ao te ver vestindo regata branca, colar fino prateado e bermuda preta, naquele apartamento com cheiro de livros, percebi que só teria um jeito de eu não me apaixonar: voltando no tempo e não tendo te conhecido.

Eu estava viciada no seu jeito frenético de falar, na sua defesa ao MST misturada com as críticas ao agronegócio, no desejo de mudança coletiva e na fé de que nossa existência, somada, podia, sim, mudar o mundo. Naquela noite você estava especialmente obcecado por Lacan. Tanto que me perguntou, sem dar o devido crédito ao autor, se minha recusa em gozar logo de cara não era um desejo disfarçado de angústia. Te respondi pedindo que me comesse primeiro e filosofasse depois. Eu não tinha mais vinte e poucos anos. Aquele papo acadêmico não faria a menor diferença para me levar para a cama. Você, inclusive, já me tinha. Só não tinha sido informado disso.

Apesar de naturalmente inquieto, você não mostrou pressa naquela noite. Tocava meu braço com a ponta do dedo entre uma conversa e outra e depois retrocedia. Me beijava agarrando meu pescoço com suas mãos duras e dedos cumpridos para depois se levantar e abrir outra cerveja. Se aquilo era o que você considerava preliminares, funcionou comigo.

Eu gostei quando você me abraçou por trás diante da varanda do apartamento que tinha como vista a antiga torre do Banespa. Pude sentir seu pau brigando para sair daquele espaço confinado da calça. Aquela prorrogação toda do nosso tesão parecia estar a ponto de te causar dor. Você estava no limite da espera. Ainda assim tinha tudo sob controle, incluindo a mim.

Quis saber quantas vezes você já havia transado de frente para aquela varanda. “Nenhuma”, você respondeu. Me senti especial. Quis deixar uma marca na sua casa, um lugar que guardasse o início da nossa história e me despi ali mesmo. Você se preocupou comigo, avisando que eu seria vista. “Vamos dar o show que eles merecem, então”, falei baixinho.

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Você se ajoelhou diante de mim, afastou minhas pernas e beijou minha barriga. Usou a língua para passear do umbigo até o púbis e afundou o rosto entre minhas coxas, esfregando meus pelos com a sua barba. Seu nariz brincou com meu clitóris, seus dedos fizeram meus grandes lábios dançarem e minha vulva foi cedendo o controle. Me sentir desejada sem ponderações era enlouquecedor.

Enquanto você foi buscar a camisinha eu continuei me masturbando. Não sei em que ponto esqueci a racionalidade e renunciei às regras idiotas sobre como eu devo ou não transar.

Até o nosso descompasso, com o joelho doendo por causa do piso de taco irregular e o frio que vinha da janela que não fechava por completo era, de certa forma, orquestral. Quando dois corpos se encaixam perfeitamente fica fácil esquecer o que acontece fora deles. Ignorando o pudor, o frio e o desconforto, decidimos seguir com o sexo ali mesmo, na sala com varanda. Me senti transgressora. Você me fodendo de pé, na frente de dezenas de pequenas janelas onde eu me perguntava se haveriam espectadores. Sua pele negra se misturava com a minha e juntos formávamos um tipo diferente de escuridão. Éramos uma tela de pintura retinta e se olhassem com atenção, veriam feixes de luz nos lugares em que a ciência teimava em provar que dois corpos não ocupam o mesmo espaço.

Não me lembro se, no final, gozei ou não. Ou simplesmente não tenho interesse em admitir isso para você. Mesmo assim, você insiste em dizer que percebeu o exato momento em que minhas pernas tremeram, minha barriga se contraiu e meus pés se apertaram. Foi quando você acariciou minha vulva com uma mão e massageou minhas costas com a outra por minutos a fio. Meu corpo estava reclinado no parapeito da janela, bunda empinada na sua direção e pernas estendidas ao máximo para que seu pau não perdesse o caminho no vai e vem dos nossos corpos. Se aquilo não foi orgasmo, deve ter sido o ponto mais próximo do êxtase que eu jamais estive. Mas isso eu revelaria a você depois de muitos encontros onde provocar meu gozo parecia ser seu (melhor) objetivo de vida.

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