Contratados: A Rendição - Capítulo 02

Um conto erótico de KaMander
Categoria: Gay
Contém 4095 palavras
Data: 30/04/2023 19:50:24
Assuntos: contrato, Gay, Homossexual

CAPÍTULO 02

*** ANTHONY ***

— Você não pode estar falando sério, Anthony, pelo amor de Deus! — Grazi protesta enquanto caminho de um lado para o outro no meu quarto, vestindo as peças de roupas espalhadas.

Dois dias depois que Marcos me fez a proposta, é chegada a hora de responder e minha amiga não consegue se conformar com o fato de que estou pronto para dizer sim. É desnecessário dizer quão ultrajada ela ficou ao ouvir tudo o que foi dito naquele escritório. Eu também fiquei, mas orgulho e moral não pagam uma escola de qualidade para a minha filha, nem colocam comida em sua barriga, o dinheiro que Marcos Babaca está disposto a me pagar para brincar de ser o boneco perfeito, sim.

Naquela noite, enquanto Grazi esperneava sobre o absurdo da situação e falava sem parar sobre como eu deveria processá-lo por assédio, Isabella acordou. Seu corpinho pequeno passou cambaleante pela porta entreaberta do quarto enquanto ela coçava os olhos com uma das mãos fechada em punho.

— Papai? — me chamou sonolenta e eu não hesitei em desligar o telefone na cara de Grazi para atender minha filha.

Peguei-a no colo e voltei a me sentar no sofá, ainda enrolado na toalha e exausto, mas pronto para dominar o mundo se preciso fosse para fazer minha pequena feliz.

— O que foi? — perguntei, tendo-a aninhada em meus braços e, agora, com os olhos bem abertos.

— Eu tô com saudades, papai... — Meu coração apertou.

Eu também estava. Havia semanas que eu não podia dar atenção a ela, nem mesmo durante os fins de semana, pois a faculdade estava consumindo o pouco tempo livre que me restava. Provas, trabalhos, seminários e eu só estava no segundo período. Não sou estúpido o suficiente para acreditar que isso melhoraria nos próximos semestres, a tendência é piorar.

Suspirei profundamente e a apertei ainda mais forte contra mim.

— O papai também, meu amor! O papai também...

— Podemos ver o filme da princesa e do dragão? — perguntou sobre aquele que era seu mais novo vício, o bendito filme recém-lançado pela Disney. Geralmente, eu agradecia ao universo e aos astros por ser fácil de distraí-la com as imagens coloridas no meu notebook, presente de Grazi antes de voltar para o Rio, mas olhei para o relógio, e vi que, entre desfazer nossas bolsas, organizar minimamente nossa casa e conversar com minha amiga, já tinham se passado horas e o ponteiro marcava quase duas da manhã.

Se assistisse um filme com Bella, perderia duas das minhas preciosas quatro horas de sono diárias, além de que, certamente, ouviria reclamações da creche sobre seu sono desregulado no dia seguinte. Mas franzi o cenho ao me lembrar de algo que vinha ignorando completamente desde que saí da cobertura do Marcos Babaca. Ele havia me dado dois dias de folga para pensar sobre sua proposta.

Isso significava que eu não precisaria acordar dali a duas horas e nem mesmo precisaria levar Isabella para a creche. Era segunda-feira e nos próximos dois dias haveria um evento acadêmico na universidade cuja participação era incentivada, porém, não obrigatória. Eu não teria aulas e sem trabalhar, meu tempo com a minha filha não apenas se tornaria maior, como ganharia muito mais qualidade. O pensamento de dois dias com a minha menina colocou um sorriso no meu rosto e me fez respirar de maneira aliviada, como há meses eu não fazia.

Ali, por breves segundos, me senti um pai um pouquinho melhor. Ainda não um bom pai, mas uma só um pouquinho melhor. Nos minutos seguintes, enquanto fazia pipoca colorida e ouvia Isabella gargalhar por conta do barulho dos milhos estourando, enquanto arrumava a cama para que nós dois assistíssemos à sua animação preferida entre as cobertas, e enquanto ela adormecia agarrada a mim antes mesmo que o filme estivesse na metade, eu descobri que não havia nada que eu não faria para ser um pai melhor, nem mesmo pegar um atalho chamado Marcos babaca.

— Grazi, eu já disse que vou e já te expliquei meus motivos!

— Você não precisa disso, Thony! Se as coisas estão tão difíceis, eu posso mandar dinheiro pra vocês, ou podem voltar pro Rio, não precisa passar por isso!

— É só um emprego, Grazi, não é um ritual satânico, ok? O Marcos é um babaca, não um demônio! Eu vou ficar bem e, o mais importante, a Bella vai ficar muito bem. Esse dinheiro vai ser o suficiente pra organizar nossa vida enquanto eu estiver estudando. Além disso, eu posso negociar um emprego no escritório dele quando acabar a faculdade...

— Thony, você não precisa fazer isso, por favor...

— Grazi, você não vai me fazer mudar de ideia!

— Mas e quanto ao fato de que ele quer um principezinho doce e submisso? Você está ignorando esse detalhe importantíssimo!

— Eu posso fingir!

— Thony! Não, você não pode!

— Grazi, se eu posso limpar privadas, eu posso engolir alguns sapos! Além do quê, é só até o casamento! Depois, ele que se foda pro que espera de mim! Ele foi arrogante o suficiente pra não colocar nada sobre meu suposto comportamento no contrato de trabalho, então, da forma que eu quiser me comportar, é ele quem vai precisar engolir...

— Thony… — suspiro, reunindo forças para dizer minhas próximas palavras.

— Graziella, eu realmente não preciso de julgamento agora. Eu preciso de apoio e vou entender se você não puder me dar, mas, por favor, julgamento não.

— Anthony, eu não estou te julgando, só estou preocupada com você. Esse homem é um escroto e você não precisa passar por isso... — agora, tenta me convencer com a voz suave, já que a exigência não funcionou.

— Eu preciso e eu vou. Vai ficar tudo bem, porque eu tenho você! Ok?

— Discordar vai fazer alguma diferença? — resigna-se.

— Não. Me deseja sorte? — peço, só então permitindo que um pouco da vulnerabilidade que sinto transpareça.

— Sorte? Eu chego no próximo fim de semana! Nós temos um casamento pra organizar! Anthony Machado Rodrigues vai fazer seu grande retorno à maldita elite brasileira e eu não perderia o seu “vocês não sabem o prazer que é estar de volta” por nada nesse mundo! — declara sem animação alguma, mas com muita determinação na voz.

— Eu amo você! — Meus olhos ardem, querendo derramar lágrimas.

— E eu a você!

************

Tudo parece diferente hoje.

Desde os pisos claros, às paredes revestidas de madeira, passando pelos móveis que, provavelmente, seriam o suficiente para pagar um número de anos semelhante à minha idade em aluguéis, e chegando aos belíssimos lustres de cristais pendurados no teto. Não sei se é o fato de eu estar entrando pela porta da frente, ao invés da de serviço, a certeza de que não vestirei aquele uniforme horroroso, ou a forma como me sinto.

Não posso dizer que voltar à vida como conhecia antes de Bella vá ser um sacrifício. Eu estaria sendo hipócrita, não vai. Apesar de não ser apegado às aparências como meus pais sempre foram, o luxo e o conforto são coisas das quais eu não teria aberto mão se me tivesse sido dada alguma opção quanto a isso. Não foi.

Não falei com Marcos depois que saí de sua casa dois dias atrás. Ele não tem certeza de que venho e enquanto caminho até o concierge, me preocupo que o homem alto, magro, de cabelos e bigodes perfeitamente aparados, que veste um terno impecavelmente alinhado, possa me mandar dar meia volta e entrar pela porta de serviço. Isso seria desagradável. Mas, surpreendendo-me, antes mesmo que eu tenha a oportunidade de dizer quem sou ou o que estou fazendo aqui, ele fala comigo.

— Senhor Valente... — Franzo o cenho e meu primeiro pensamento é olhar para trás, só para confirmar que ele não está falando com outra pessoa. Mas isso é só até eu me dar conta do sobrenome usado.

Valente, o sobrenome de Marcos babaca. O filho da puta é arrogante, não é? Rio, sem conseguir evitar.

Marcos não apenas tinha certeza de que eu viria, como de que eu aceitaria. E, para minha imensa frustração, ele estava certo. Detesto isso mais do que o fato de que terei que conviver com ele pelos próximos dois anos. Talvez, possamos dividir a casa em ala “A” e “B” e cada um de nós fica com uma? Balanço a cabeça, concordando comigo mesmo que essa é uma boa ideia. Mais um ponto para discutirmos.

— Senhor? — o porteiro me chama outra vez, arrancandome de meus pensamentos.

— Me desculpe, eu me distraí — respondo.

— O senhor Valente pediu que eu o orientasse sobre o uso do elevador... — rio mais uma vez, arrogante ao quadrado. Ele realmente se esqueceu de que passei os últimos oito meses usando a porra do elevador? Ou acha que subi vinte e três andares pelas escadas?

— Não é necessário..., Benício... — leio o nome na plaquinha dourada, presa ao seu paletó como um broche. Ele faz um aceno com a cabeça e me dá passagem. Atravesso o curto espaço que me separava do elevador e, como o concierge não me acompanha, suponho que minha digital já esteja no sistema. Testo, colocando o dedo sobre o pequeno leitor do painel, e funciona. As luzes indicadoras mostram o avanço da máquina e em poucos segundos as portas se abrem para mim.

Entro no elevador com passos muito mais seguros do que realmente me sinto. Não é a primeira vez que enfrento uma situação como essa e dadas as minhas novas atribuições, tenho certeza de que não será a última. As portas se fecham e, junto com elas, meus olhos. Mentalmente, conto os trezes segundos que sei serem necessários para chegar até a cobertura.

Um. Anthony, respira.

Dois. É pela Bella, vai dar tudo certo.

Três. Encare isso como um negócio e vai ficar tudo bem.

Quatro. Não mate seu futuro marido, isso é fundamental para que tudo dê certo.

Cinco. Respira.

Seis. Dois anos por uma vida inteira de segurança para sua filha.

Sete. Nada mais de faxinas pesadas ou de poucas horas de sono.

Oito. Você consegue fazer isso.

Nove. Doce e submisso, não vai ser fácil, mas não pode ser tão difícil assim, você viu seus pais fazerem isso por boa parte da sua vida.

Dez. São só aparências, Anthony.

Onze. Nunca mais contar moedas para dar presente de aniversário para a Bella.

Doze. Respira.

Treze. Marcos.

Um olhar azul encontra o meu no instante em que aço deixa de ser tudo o que existe à minha frente. É mais forte do que eu, não consigo impedir que meus olhos teimosos subam e desçam pelo corpo grande, musculoso e, convenhamos, gostoso diante de mim. Vestindo uma bermuda simples e uma camiseta branca de tecido fino, que marca cada uma das linhas que interessam em seu peitoral, abdômen e braços, Marcos paira, imponente como só um homem com essa altura e porte poderia ser, esperando por mim.

Levo dois segundos para me parar, mas ele não percebe, concentrado demais em sua própria inspeção. Eu esperava um sorriso zombeteiro, uma expressão arrogante, ou, até mesmo, certo desdém de sua parte. Mas não esperava o ar surpreso cada vez mais óbvio em seu rosto, à medida que seus olhos passeiam pela minha pele.

Eu também não esperava o arrepio estranho que atravessa minha espinha com isso, ou a tentativa da minha respiração de se descompassar. É estranhamente gostoso, e assim que me dou conta do que pensei, quero me estapear.

Mas nem fodendo, corpo! Contenha-se! Porque nem que eu precise transar com São Paulo inteira para te manter longe desse homem, nós não nos deitaremos em sua cama! E tenho dito!

Me lembro que preciso atuar. E, embora meu primeiro instinto seja erguer uma das minhas sobrancelhas, colocar as mãos na cintura e perguntar com ironia se ele gosta do que vê, já que insiste em me analisar milimetricamente com os olhos, o que faço é bem diferente. Abaixo a cabeça, fingindo constrangimento com sua cara de pau, quando tudo o que sinto é raiva. Raiva dele por estar me comendo com os olhos, raiva de mim por ter feito o mesmo com ele. Raiva, muita raiva por não saber o que me afeta mais, desejá-lo, ou reconhecer em seus olhos o mesmo desejo despropositado que pareço estar sentindo.

Ao notar minha reação e tomá-la como verdadeira, Marcos pigarreia e eu levo meu olhar até o seu. Ele não parece constrangido, como deveria, apenas desconcertado, como se não tivesse compreendido as próprias ações. Minha raiva é soprada pela diversão que sua surpresa me causa. Babaca.

Levou oito meses para perceber minha existência e oito meses e três dias para se dar conta de que posso usar short. Espero que isso não lhe dê ideias, Marquinhos! Comento para mim mesmo enquanto passo pelas portas abertas do elevador, saindo diretamente no hall de entrada da cobertura.

É lindo.

Da primeira vez em que estive aqui, chorei no banheiro por quase meia hora. Chorei de saudades do que tive. Chorei, porque depois de ter crescido cercado de lugares como esse, a única forma que tinha de pisar em um agora, era como faxineiro. Chorei, porque era muito provável que nunca poderia dar algo semelhante à Bella.

Agora, enquanto meus olhos passeiam pelo ambiente de pé direito duplo, pisos brilhantes, janelas do chão ao teto que cobrem toda a lateral esquerda do local amplo e de planta aberta, revelando uma são Paulo muito viva e cinza a vinte e três andares abaixo de nós, quero sorrir. A vida não é fácil e eu aprendi muito cedo que não devemos desperdiçar uma oportunidade quando nos é dada.

Então, pelos próximos dois anos, eu vou chamar esse lugar de minha casa e quando os vinte e quatro meses acabarem, eu poderei viver em outra, não tão luxuosa quanto essa, mas muito mais confortável do que aquela em que moro agora. Suspiro, como se estivesse reconhecendo o ambiente ao meu redor pela primeira vez.

— Nós vamos precisar de algumas fotos suas... — a voz de Marcos soa muito perto de mim e me dou conta de que ele está parado bem ao meu lado.

— Oi?

— Pra decoração afetiva, você sabe? Pras pessoas acreditarem que você mora aqui?

— Duas coisas, Marcos... — O observo. — Se quisermos que as pessoas acreditem que eu moro aqui, nós vamos precisar de muito mais do que decoração afetiva. Mas isso é algo pra conversarmos depois, vamos começar falando sobre o contrato. Podemos? — pergunto, erguendo o braço na direção da cozinha, onde imagino que Carmem, a cozinheira, tenha servido o café da manhã.

Marcos ergue uma sobrancelha para mim e percebo quão insubmissa soei.

Merda, Anthony! Não se passaram nem cinco minutos! Isso é difícil! A voz de Grazi soa em minha cabeça como um tambor, gargalhando, acusando-me e praticamente gritando um eu te avisei.

Pigarreio e abaixo a cabeça outra vez. Parece ter funcionado antes. Porra, parece que até o maldito casamento, manter a cabeça baixa será minha regra de ouro.

— Desculpe... — peço. — Eu estou nervoso...

Sem que eu possa prever, a mão de Marcos toca meu braço. Me afasto subitamente, despreparado para sensação que me atravessa da ponta do dedo mínimo do pé até o couro cabeludo, e assusto a nós dois. Olho para ele, aturdido, e ele parece tão surpreso quanto eu, como se também tivesse sentido. Seus olhos se estreitam e eu não entendo o motivo. Não é como se eu estivesse com um daqueles botões de choque de brinquedo.

— Desculpe, eu... eu... — dessa vez soo honesto, porque para qualquer um que visse a situação, minha reação teria parecido exagerada. Eu apenas não esperava que meu corpo reagisse de forma tão antinatural. Seu cenho se franze, mas ele balança a cabeça, concordando.

— Está tudo bem, me desculpe também. Eu não deveria ter a tocado sem a sua permissão. Mas você sabe que, eventualmente, isso vai ser necessário, certo?

— Isso o quê? — É a minha vez de franzir a testa.

Ele expira fortemente, leva a mão a nuca, alisando aquele pedaço de pele, e os músculos flexionados de seu braço saltam, me dando olá. As imagens que enchem meus pensamentos são tão absurdas. Meu Deus, qual é o meu problema?! Quer dizer, aparentemente, eu tenho algum tipo de atração irrefreável pelo maldito Marcos Babaca?!

— Você está certo, Anthony. Se quisermos que isso pareça real, vamos precisar de muito mais do que fotos suas espalhadas pelo apartamento. Nada explícito, mas as pessoas precisam acreditar que esse casamento é de verdade. Toques fazem parte do pacote, não?

— Então, ser tocado por você vai ser parte do meu trabalho? — questiono e eu gostaria que fosse a raiva pela sugestão a tingir meu rosto de vermelho, mas Deus e meus pensamentos loucos sabemos que não é.

Meu baixo ventre se contrai, tentando lidar com todas as expectativas que criou. Expectativas completamente infundadas e que não tem jeito no inferno de meu corpo convencer minha mente a tornar realidade.

— Apenas o suficiente pra que as pessoas acreditem que nós pertencemos um ao outro...

— Pertencemos? — Não posso evitar o estranhamento por sua escolha de palavras.

— Não é isso o casamento? Possuir alguém? — Meu rosto assume uma expressão divertida, sem que eu possa controlá-lo.

— Eu nunca vi desse jeito, acho que casamento é liberdade e não prisão. Pertencer me soa tão... possessivo...?

— E não é sobre isso?

— Eu diria que é sobre ser de alguém, não sobre possuir...

— E qual é a diferença? — sorrio.

— A escolha. — Ele inclina a cabeça para o lado, refletindo sobre minhas palavras.

— Não consigo decidir se essa é ou não uma visão romântica... — comenta, também com um ar de divertimento, e eu rio, é um momento estranho.

— Não é. É uma visão prática. A vida é feita de escolhas e consequências, Marcos, e o casamento é só mais uma. — Sua cabeça dá um leve solavanco para trás e sua forma de olhar para mim muda. É como se ele estivesse me vendo pela primeira vez. E é também a primeira, desde seus olhos reconheceram minha existência, que gosto da maneira como pareço ser vista.

— Qual é a sua idade, Anthony? — surpreende-me com a pergunta.

— Você não sabe? — me sinto alarmado. Ah não, porra! Ele não foi estúpido o suficiente para me fazer uma proposta dessas sem saber minha idade, foi?

— Eu sei que você é maior de idade, o que, até agora, era tudo o que me importava. Quer dizer, você é maior de idade, não é? — agora ele parece verdadeiramente preocupado e, outra vez, me vejo dividido quanto ao que quero fazer com esse homem.

Que forma de agressão seria mais eficiente para lhe causar dor? Porque, definitivamente, eu poderia esmurrá-lo por sua estupidez e jogá-lo no chão por sua babaquice, mas não faço nenhuma das duas coisas. Escolhendo com muito esmero o tom de voz, respondo como se minhas próximas palavras não significassem nada, quando eu sei que elas podem mudar tudo.

— Sim, Marcos. Eu sou maior de idade! Tenho Vinte e um anos, em breve, vinte e dois.

— Puta que pariu! — fala alto — Puta que pariu! — Nem mesmo me dá tempo para medir sua reação, já que ela é imediata. O olhar que eu gostei? Se foi. Agora a expressão em seu rosto me diz que ele é plenamente capaz de, bem aqui e nesse instante, desistir de tudo o que me propôs.

Mas nem fodendo ele vai! Não depois do musgo venenoso da esperança de uma mudança rápida e substancial de vida para mim e Bella ter infestado meu coração como uma planta trepadeira.

Se a pesquisa que fiz meses atrás no google estiver certa,

Marcos tem trinta e dois anos. Isso são dez anos de diferença, não me admira que ele esteja surpreso, me admira apenas que ele tenha sido imbecil o suficiente para só se preocupar com isso agora.

— Onde estão seus pais, menino? — Sério, Marcos babaca? É essa a sua pergunta? Ai, Deus!

— Bem longe, Marcos. Eles não se importariam nem mesmo que eu estivesse morto...

— Anthony...

— Nós podemos continuar essa conversa sentados? Porque minhas pernas estão começando a doer... — peço, ganhando tempo para pensar em uma forma de colocá-lo exatamente onde quero. Doce e submisso uma ova! Esse homem claramente não sabe governar a própria vida, o que faria com um cara doce e submisso? Quero balançar a cabeça em negação, mas me contenho.

Ele abre e fecha a boca, sem dizer nada. Coloca as mãos na cintura, gira o pescoço de um lado para o outro, sem fixar seus olhos em ponto algum por alguns instantes, e finalmente acena para que eu passe na frente. Obedeço, passando por ele e caminhando por aquele espaço que já conheço tão bem.

A cozinha ampla, moderna, completamente ocupada por móveis planejados azuis escuros e eletrodomésticos em aço escovado, tem a ilha coberta por uma infinidade de comidas gostosas, e eu arregalo os olhos. A mesa de café da Ana Maria Braga perderia para essa, sem dúvida alguma.

Paro de andar, ocupado demais tentando entender o motivo de tudo isso. Conheço a rotina de Marcos bem o suficiente para saber que ele nunca toma mais do que um café preto de manhã e, às vezes, come algumas torradas. Carmem, que trabalha nessa casa há anos e veio da casa dos pais dele, vive reclamando sobre o quanto ele é negligente com aquela que é a refeição mais importante do dia.

— Eu não sabia do que você gostava, então pedi à Carmem que preparasse um pouco de tudo... — outra vez, sua voz é quem me diz o quão perto ele chegou enquanto eu divagava em meus pensamentos. E agora, o que ele diz surpreende-me ainda mais do que sua proximidade. Isso foi... cuidadoso... e... inesperado...

— Obrigado... — agradeço, sem saber bem o que dizer a respeito do gesto surpreendentemente atencioso. Mas não me dou mais do que dois segundos para pensar sobre ele. Esse não é o foco.

— Está tudo bem, é só comida... — Puxo uma banqueta e sento-me nela. Sem esperar por Marcos, começo a me servir do banquete à minha disposição.

Seria um verdadeiro pecado desperdiçar tanto cuidado, da parte de Carmem, lógico. E, me dando conta da cozinha vazia, pergunto.

— Onde está Carmem? — Aquela mulher trata esse cômodo como se fosse um filho, por isso estranho sua ausência.

— De folga. Todos estão, aliás. Queria que tivéssemos... privacidade... — apesar de serem essas as palavras a saírem de sua boca, entendo perfeitamente o que ele realmente está dizendo: ele queria que ninguém soubesse do nosso acordo.

— Então, minha idade é um problema pra você? — tenho o cuidado de soar levemente incomodado, mas não muito. Submisso, lembro a mim mesmo.

— Talvez, problema não seja a palavra certa. Mas não posso dizer que eu esteja confortável com isso, Anthony. São mais de dez anos de diferença, porra... — concordo, porque preciso fingir doçura e porque não sou hipócrita. Entendo sua perspectiva. Mas também a acho um pouco dramática.

— Não é como se estivéssemos falando de um relacionamento real, são só assinaturas em um papel, Marcos... — E, se sua preocupação for sobre como isso afetará sua imagem, quero lhe dizer que ela já está carbonizada o suficiente para que ninguém sequer repare em uma nova queimadura.

Guardo essa segunda parte apenas para mim. Engulo as palavras ácidas querendo saltar de minha garganta, abaixo a cabeça, fingindo uma decepção que não sinto, e escolho o que dizer em seguida com todo cuidado do mundo...

— Eu entendo. Nunca achei que fosse adequado pra o que você precisa mesmo... — dizer isso requer um imenso esforço e quase me causa um mal súbito. Mas respiro fundo, mantendo o personagem, testando a abordagem do pobre menino indefeso e sem autoestima.

— Não é… — se interrompe e eu arfo mais uma vez, representando. Finjo uma dor que não sinto com seu princípio de rejeição. — Não, Anthony, não é isso o que eu quero dizer... — pausa, provavelmente procurando palavras que não me magoem. Ah, pobre Marcos! Ele não tem nem ideia. Aproveito seu momento sem saber o que fazer ou dizer para continuar comendo, estou levando o copo de suco à boca quando ele volta a falar. — Você não é inadequado, é só que... eu fui pego de surpresa...

— Eu só espero que não esteja brincando comigo, Marcos. Como você disse... Eu não limpo banheiros por esporte... — me lamento, com a cabeça baixa, — E apesar de ter sido muito difícil tomar essa decisão, eu... eu... — paro de falar estrategicamente e conto até dez, deixando que a expectativa cresça —, eu acho que poderia ser bom nesse papel, você só precisa me deixar tentar...

Ele suspira. E, como o idiota que é, diz exatamente o que eu sabia que diria.

— Tudo bem. Você leu o contrato? — Anthony 1, Marcos babaca 0.

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