[LGBTQ+] PANDEMIC LOVE - DIÁRIO DE UMA QUARENTENA / 18 - ESTRELAS (FINAL)

Um conto erótico de EscrevoAmor
Categoria: Gay
Contém 4508 palavras
Data: 31/08/2020 21:21:00

Sério? Sério isso, Deus? Que merda. Desculpa, Doutora. É por que a senhora não viu o que fiz no meu quarto. Coitadinho do meu travesseiro. Tá, deixa eu atualizar a senhora. Sim, transei com o André. Não, não foi um delírio. O que poderia ser um truque da minha imaginação é o retorno da Fátima, mãe do André.

Ele ficou tão abalado com o surgimento surpreso dela. Não acompanhei toda conversa, mas pelo o que eu entendi, ela era maltratada pelo esposo e decidiu fugir, só que não conseguiu levar o filho. Após reestruturar a vida, a mulher casou novamente, dessa vez, com um homem bom.

A vida na cidade do interior pode ser pacata, só que as notícias ruins correm em uma velocidade única. Enquanto fazia compras no mercado local, Fátima, descobriu que o ex-marido havia morrido por causa do Covid-19. Após ter uma conversa franca com o companheiro, ela decidiu se reaproximar do filho.

— Onde ela está? — Perguntei, enquanto fazia carinho nos cabelos de André.

— O Seu Nestor deixou ela ficar conosco uns dias. Ela está atrás dos documentos do casamento dela com o meu pai. — André explicou, olhando para o céu.

— Ei. Você não pode se abalar com isso. Você sabe que pode contar comigo. Ela não merece o teu amor e....

— Higor, a mamãe quer que eu vá morar em Presidente Prudente. O atual esposo dela me aceitou. Eu tenho dois irmãos, sabia? — Revelou André, deixando escorrer algumas lágrimas.

Eu odeio vê-lo chorar. Queria de alguma forma passar a dor dele para mim. Quanto mais o André falava, mais assustado eu ficava. Como assim, morar em Presidente Prudente? Na minha cabeça, o André se mudaria para o Rio de Janeiro conosco, faria o supletivo e estudaríamos na mesma universidade. Esse era o final perfeito para mim, infelizmente, a vida tinha outros planos.

Mas não, lá estava eu. Sentando ao lado do André, tentando dar forças para ele. Devo ser a pessoa mais azarada do universo, cara. A Dona Fátima entrou na cozinha, minha primeira reação foi levantar. Acho que de dentre todas as coisas, a última que ela precisaria saber é sobre a sexualidade do filho.

De acordo com Dona Fátima, o marido sempre foi uma pessoa de temperamento difícil. Ele a ameaçava constantemente. Em uma conversa com o meu avô, a mãe do André decidiu fugir para tentar uma vida melhor. Nos primeiros anos, a mulher encontrou muita dificuldade. Trabalhou em casa de família, lojas de roupas e lanchonetes. Até que encontrou um homem bom que a aceitou de braços abertos.

Oito anos se passaram, quando Dona Fátima soube da morte de Humberto, o pai de André. Emocionada, ela conseguiu o número de Seu Nestor e marcou uma visita na fazenda. A viagem não demorou muito, no caminho, ela relembrou momentos importantes de sua vida e lágrimas escorreram pelo rosto.

Emocionado, o André escutava com atenção a história da mãe. Ao redor, minha família também acompanhava todo o relato. Meu coração estava partido. Parecia que um dragão do LOL havia me incinerado por dentro. A mamãe achou muito bonita a atitude de Fátima em tentar criar laços com o filho.

— Eu só me arrependo de vir tão tarde. O meu esposo pediu para te buscar, mas fiquei com medo da reação do seu pai e das coisas que ele falou sobre mim. — Fátima mais chorava que falava, aquilo já estava me irritando.

Grandes coisas. Se estivesse arrependida não havia deixado o filho para trás. O André sofreu tanto, eu sentia muito por ele. Mas aquela mulher estava estragando o meu futuro. O que eu poderia fazer para que ele desistisse de ir? Um coração magoado pode pensar em muitas maneiras cruéis. Eu estaria disposto a apostar todas minhas fichas?

Uma das poucas pessoas que percebeu minha inquietação foi o Quintino. O enxerido me levou para um lugar mais reservado e acabei desabando. Não queria ter aqueles sentimentos ruins dentro de mim, mas só a ideia de pensar em perder o André. Foram dias intensos, parte deles eu tentava negar, só que o amor venceu.

Pensei em milhares de planos malignos. Me senti o próprio Cebolinha tramando a ideia perfeita para capturar o Sansão. Acho que essa não foi a melhor comparação, afinal, o cabeça de cebola só se ferra nos gibis.

No meu quarto, coloquei minha Playlist "Senta e Relaxa" para tocar. Perdido em meus devaneios cruéis, não conseguia enxergar o quadro maior, o bem do André. Eu sabia que família era um tópico delicado para ele. No início da quarentena, talvez fosse para mim, mas acabei ficando mais próximo dos meus pais e irmãos. Destaque para o Quintino, que ganhou o Prêmio Contigo de Melhor Amigo de 2020.

— Eu não vou fazer isso. Eu não posso é muito egoísmo. — Chorei durante horas trancado em meu quarto.

A noite caiu. Passei 5 horas chorando, não tinha mais lágrimas para derramar. Ouvi um toque na janela. Era o André. Ele abriu a porta da varanda e entrou. Não falamos nada. Não era necessário. O André sabia que a presença de sua mãe me afetava. Eu sentia um gosto agridoce no corpo. Uma felicidade misturada com medo.

O André sentou ao meu lado, fez carinho no meu cabelo e mais lágrimas saíram. Eu disse, Dô, a pandemia trouxe um lado meu que não gostei, o Higor emotivo. Durante anos da minha vida, inclusive nas suas consultas, falei que a minha maior dificuldade era me conectar com as pessoas. Eu sabia que aquilo poderia significar sofrimento no futuro. E não estava errado.

— Higor. Eu nunca conheci ninguém igual a você. — André tentou me consolar, mas deixou as coisas ainda mais difíceis. — Passei anos nessa fazenda, imaginando como seria minha vida se meus pais estivessem comigo. Você tem a família perfeita. Eu nunca experimentei isso.

— Desculpa. — soltei. — Eu não quero ser o adolescente mimado que não entende o sentimento dos outros. — Eu te amo, André. Te amo como nunca amei ninguém. Você foi o meu primeiro amigo, meu primeiro beijo, meu primeiro guia de caça ao tesouro e minha primeira transa. Talvez eu tenha deixado o meu emocional despreparado para uma possível decepção e...

— Eu sou uma decepção? — Ele perguntou parando de acariciar meus cabelos.

— Não, André. Você foi uma luz no fim do túnel. Estou decepcionado comigo mesmo. Passei o dia pensando em formas de te fazer ficar. E eu me senti a pior pessoa do mundo. — De repente, o arrependimento tomou conta de mim, não conseguia respirar e nem pensar.

— Higor, eu não vou te abandonar, ok? Só quero uma chance de conhecer minha mãe. Talvez, não tenha outra oportunidade dessas. — Agora quem chorava era o André. — Você pensa que não está sendo difícil. Eu prometi ao seu avô que cuidaria de você. Eu sempre te esperei. Sempre estive aqui por você.

— Como assim? — Questionei, enquanto enxugava às lágrimas.

— Eu vou te contar, mas não agora. Posso te abraçar?

Consenti com a cabeça. O André tirou as sandálias e deitou ao meu lado. O cheiro do André era hipnotizador. Damos um beijo longo e quente. Eu queria muito que ele mudasse de ideia, escolhesse a mim, ao invés da mãe dele, mas sabia que essa batalha já estava decidida.

Aqueles olhos castanhos. Rosto perfeito. Corpo que me encantava. Suas mãos tocaram meu rosto, mas meu corpo respondeu ao estimulo. Queria uma última vez. Eu o queria uma última vez.

Assim como nossa primeira transa, a segunda foi sem pressa. Aproveitamos cada toque, cada beijo e carícia. O André sabia como explorar meu corpo. Acho que nunca mais encontraria alguém igual a ele.

Ao fim, estávamos suados, pelados e em êxtase. Ficamos calados por um tempo. No fundo, sabíamos que aquele momento era um adeus. Acariciei o peito do André. Percebi que havia uma sinal em forma de coração perto do seu mamilo.

— André. Você vai embora amanhã, não é?

— Vou, Higor. — ele confessou chorando. — A mamãe tem umas clientes para atender no salão dela. Me desculpa. — Nunca o vi chorar daquela maneira. Era algo dolorido.

— Posso te pedir um favor? Dorme comigo hoje, mas não me acorda pela manhã. Quero lembrar de nós assim. — Falei o apertando contra meu corpo.

Em menos de dois dias perdi o grande amor da minha vida. Despertei no dia seguinte com o sol batendo no meu rosto. Não havia ninguém ao meu lado. E se tudo foi um sonho? Se o André nunca tivesse existido. O impacto seria menor?

Não desci para tomar café, preferi não encarar minha família. Isso não impediu o Quintino de invadir meu momento de sofrimento. Ele carregava uma bandeja com tudo que eu gostava de comer, incluindo, o Nescau gelado. Isso significava que a Rosa tinha feito. Sem falar nada, o meu primo sentou e, praticamente, obrigou que eu tomasse café.

— Eu perdi um grande amigo também, Higor. — Confessou Quintino emocionado. — Eu fui tão babaca. No início, pensava ser superior ao André, mas acabou que aprendi mais com ele do que o contrário. Quando você ficou doente, não tinha com quem conversar. Então, você pediu que eu o ensinasse, lembra?

— Sim.

— Descobri mais sobre a vida dele, Higor. Sem pais, sozinho nessa fazenda, tendo que trabalhar desde cedo. Mesmo tendo o apoio do Seu Nestor e do Vovô. Ele merece a chance de ter isso. — Quintino pegou na minha mão e não conteve às lágrimas.

— Somos uma família, Quintino. Nada vai mudar isso, prometo. — Disse beijando a mão dele.

— Você é meu melhor amigo. Obrigado por ser tão legal comigo. Ah, você pediu para o André não se despedir, não é? Mas você conhece o Homem do Campo. Sempre fazendo suas próprias regras. — Entregando uma carta para mim.

****

"Higor.

Eu te amo. Desculpa não dizer isso com muita frequência, mas eu te amo e não sei se vou amar alguém assim na minha vida com a mesma intensidade. Quem escreveu essa carta foi o Quintino, sei que deve estar estranhando a letra, não é? Seu primo, além de gostoso tem uma letra perfeita.

Você pediu para que eu não me despedisse de você, mas eu não consigo. Sabe por quê? Uma das minhas missões era te proteger. Eu fiz uma promessa ao seu Aroldo, e confesso, fui bem até certa parte do caminho.

Antes de morrer, o seu avô fez uma viagem até sua casa no Rio de Janeiro, não é? Você parou de visita-lo quando entrou para o colégio interno. Nas férias, sua família viajava para lugares novas e, cada vez mais, esquecia da fazenda.

Certa vez, o seu Aroldo me chamou e mostrou várias fotos suas. Foi nesse dia que eu me apaixonei por você. Ele contou que você era muito solitário e não tinha amigos. Higor, o seu Aroldo ia pagar meus estudos, mas havia uma condição. Eu me aproximar de você e te proteger.

Eu não acreditava na oportunidade que a vida estava proporcionando. Até que, o seu avô faleceu e, logo em seguida, a pandemia. Dois golpes duros. Tentei não desanimar. Sabe o que me deu coragem? Uma foto sua que guardo dentro da minha carteira. Eu sabia que de alguma forma, você seria meu.

Higor, eu não sei o que o futuro nos reserva, mas de uma coisa tenha certeza, eu não desisti de você. Na verdade, quero aproveitar toda essa estrutura que vou receber para ser a melhor versão de mim que você merece. Vou me esforçar, quero crescer e me tornar alguém digno.

Você diz que eu mudei sua vida, assim como o gato do Quintino, mas o seu amor, afeto e simplicidade me trouxe esperança. Eu te peço dois anos. Dois anos, por favor. Se você sente algo por mim, me espera. Eu vou fazer o mesmo. Vou te esperar. Porque não existe mais ninguém nesse mundo para mim. Você é meu. E eu sou seu.

Te amo!

PS: Acho que você deveria dar umas cabeças de gado para o Quintino.

PS2: Você poderia fazer uma viagem com o Quintino quando a pandemia acabar. A Disney seria uma boa.

PS3: Eu que quebrei sua xícara do LOL, não foi o Quintino não. "

****

Te amo, André. Não sei o que o futuro me reserva, mas quero você nele. O tempo vai me ajudar. Vou me apegar aos melhores momentos que passei ao seu lado. Não vou esquecer, prometo.

Doutora, eu falei que essa era uma história triste, onde chorei cerca de 40% dela. Mas confesso que o diário me ajudou bastante. Consegui externalizar sentimentos reprimidos. Fiz às pazes com meus pais. Pude compreender mais meus irmãos. Arrumei um melhor amigo que me ama. E, claro, um amor para chamar de meu.

Esses foram os dias mais diferentes, loucos e intensos da minha existência. Desculpa demorar quase seis meses para escrever. Nem sei o que você passou na quarentena, Doutora. Peço desculpa se algo de ruim aconteceu. E espero que eu tenha feito o dever de casa da forma correta.

Ah, desculpa pela carta dos advogados anexado ao e-mail. A assessoria da minha família achou melhor tomar cuidado com algumas informações que estão aqui. Eu disse que confio em você, Dô, mas sabe como é família de artistas. Inclusive, o meu pai revisou todo o diário e chorou, então, acho que devo estar no caminho certo. Quem sabe no futuro eu não possa expor todos nós?

Enviar...

*****

Querido, Higor.

Sim, você demorou para responder. E não, não tenho nem de onde tirar dois milhões de reais se alguma informação vazar, ou seja, o seu diário está seguro.

Todos os meus amigos e familiares conseguiram passar ilesos pela pandemia. Trabalhei bastante em home office, então, a gente podia ter feito a consulta online. Desculpa por deixar esse detalhe passar despercebido, mas, pelo menos, você completou o desafio. Parabéns!

Fico muito feliz que você tenha escrito palavras tão intensas. Você sempre foi um garoto calado e introvertido. Fiquei preocupada quando a pandemia chegou e soube que vocês ficariam isolados em uma fazenda. Senti que o meu trabalho não estava surtindo efeito.

Sinto muito pelo André. Sei que ele foi importante nesse processo de aceitação, mas pensa pelo lado positivo, você não foi egoísta ao ponto de impedir a aproximação dele com a família. Fiquei muito orgulhosa.

Sobre sua família. Não tenho nem o que dizer. Apesar de você achar que eles não ligam para você, o sentimento familiar sempre será mais forte que qualquer coisa.

Sabe, Higor. Uma vez, Carl Rogers disse "Não podemos mudar, não podemos nos afastar do que somos enquanto não aceitarmos profundamente o que somos". Você conseguiu superar todas suas inseguranças e gatilhos.

Espero remarcar todas as nossas consultamos quando o isolamento afrouxar. Estou com saudades do meu paciente favorito. E não estou falando isso por que tem uma carta jurídica me ameaçando.

Passarei um feedback mais detalhado no fim de semana. Mais uma vez obrigado por aceitar esse desafio e por superá-lo

Dô. Cida Peixoto"

***

Finalmente, estou livre. Hoje entreguei para minha terapeuta um diário de tudo que vivi na quarentena. Infelizmente, as informações são sigilosas. Gostei de escrever, de colocar para fora os sentimentos presos dentro de mim, então, decidi escrever esse blog para que os Higors do futuro possam buscar conforto e palavras sábias (ou nem tão sábias assim).

SINCERIGOR POR HIGOR DUARTE

Bem, aos poucos, a vida do brasileiro vai voltando a normal. Infelizmente, enquanto alguns países conseguem driblar essa maldita pandemia, o povo brasileiro vai vivendo. Aos trancos e barrancos, porém, sem deixar a peteca cair no chão. Voltamos para o Rio de Janeiro, após quase seis meses presos na fazenda. Confesso que o último mês foi horrível, sem o André, me senti incompleto.

Comecei a focar no Enem. Contratamos professores que nos ensinaram em plataformas digitais. Eu, a Rosa e o Quintino, que passou a morar conosco no Rio de Janeiro. Meus tios ainda estavam ocupados com o projeto fotográfico, então, me assegurei que ele não ficasse sozinho.

Meu pai voltou a gravar, o filme recebeu várias mudanças para o segurança da equipe. Ele finalizou em dezembro. Que ano esquisito, não é? As coisas aconteceram tão rápido que o Natal está chegou e nem percebemos.

Por causa das constantes mudanças na data de realização do Enem, Rosa e eu acabamos desistindo. Tiramos mais um ano para estudar. No ano novo, a minha família passou junto, até mesmo os pais do Quintino voltaram para confraternizar conosco.

Após a contagem e a queima de fogos fui para a varanda de casa. Pensei bastante no André. Ele estava feliz com a família? Com todas as forças do meu coração desejava que sim. O André merecia toda a felicidade do universo.

No início de 2021, as gravações da novela que minha mãe participava iniciaram, outro esquema de segurança enorme. Algumas cenas foram registradas em casa mesmo. O resto do ano passou de forma lenta, diferente de 2020. Estudei bastante, ajudei a Rosa em todas as matérias, quase um tutor.

Enquanto isso, o Quintino continuava a estudar. Ele se formaria naquele ano, ou seja, corria risco de estudarmos juntos na universidade. Fiquei espantado com o esforço da Rosinha, mesmo durante os momentos difíceis, ela respirava fundo e buscava entender aquela lição.

Durante uma longa conversa com meus pais, decidi optar pelo curso de cinema. Nos últimos meses, ajudei o Lukas a gravar alguns clipes caseiros com suas composições que não foram utilizadas pela gravadora. Sei que dentro dele, existe uma luta constante, mas, pelo menos, até aquele momento, o Lukas continuava limpo.

O programa comandado pela Rêh sofreu bastante mudanças devido a pandemia. Teria apenas 30 minutos de duração, sem plateia e os convidados entrariam em outro estúdio. Nessa época, minha irmã defendeu várias causas ligadas ao Covid-19, como doações de materiais hospitalares e alimentos para instituições de caridade.

O ano de 2021 não foi esquisito. Lutava para não pensar no André. Foquei para entrar na universidade. Lembro que fiquei nervoso no dia da prova. Por pouco, não cheguei atrasado. Respondi tudo com tranquilidade e concentração. Queria logo me formar, ter uma atividade para esquecer o André.

Mais uma vez o Natal e Ano Novo. O mundo sofreu um bocado nos últimos dois anos. Tantas vidas perdidas, ainda bem que nos erguemos. Seguimos o caminho de cabeça erguida, apesar dos baques.

***

— Que merda de texto é esse? — Questionou Quintino, após ler o resumo que fiz no blog.

— É um resumo do meu ano. Foi legal criar essa retrospectiva. — Falei tomando meu celular das mãos do Quintino.

— Só você mesmo, Higor.

— Tá zoando comigo, não é? Vou já mandar os meus pais te expulsarem. — Brinquei, olhando o horário no visor do celular. — Caramba, estamos atrasados!

Dois anos se passaram. Dois malditos anos, o André nunca entrou em contato ou mandou algum tipo de mensagem. Ele esqueceu de mim? Encontrou um novo amor? No início sofri muito por causa dele, mas o tempo cura algumas feridas. Ainda o amava, não vou mentir, mas não queria esperar.

Naquela manhã de segunda, tomei o meu Nescau gelado e segui para a faculdade. Finalmente, consegui tirar minha carteira de habilitação, então, virei o "carona do rolê". Tirei uma boa nota para ingressar no curso de Cinema.

A Rosinha estava linda de universitária, ela entrou para o curso de pedagogia. Já o Quintino, ingressou para dois cursos: engenharia e direito. O coitadinho já é pirado, imagina estudando dobrado.

Chegamos cedo. No estacionamento da faculdade, tive um vislumbre dos alunos. Todo mundo animado com a chegada do novo ano letivo. Ficamos os três parados nas escadarias da Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ). Dois jovens e uma idosa que passariam alguns anos naqueles corredores em busca de um objetivo.

— O que você estão fazendo aqui? O bloco de vocês é do outro lado. — Olhei para os dois que estavam nervosos.

— Querido, primo. O que vai acontecer aqui é uma demonstração de amor nossa para contigo. — Disse Quintino se apoiando no meu ombro e me movendo para a direita.

— Higor, filho. A gente só quer te ver feliz. Seus pais e irmãos, o Quintino, e claro, eu. — Falou Rosinha tocando no meu rosto.

— Gente. Não estou entendendo...

— Oi, Higor. — Disse uma voz masculina que não esqueceria nem em um milhão de anos.

— Aproveita, meu amor. — Pediu Rosa. — Vamos, Quintino.

— Quero ficar. — protestou meu primo.

— Vamos. — Rosa praticamente puxou o Quintino para outra parte da universidade.

Eu não conseguia acreditar. Aquela voz. Não conseguia virar. Eu sentia sua presença atrás de mim, mas não tinha forças para virar. Os meus pés tremiam, minha barriga parecia estar cheia de borboletas e meu coração preparado para o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro. Um turbilhão de emoções me acertou, lágrimas começaram a escorrer, tentei controlar, mas era impossível.

Virei e lá estava André. Lindo como sempre. Vestia uma blusa azul, calça jeans surradas e um boné, quase um garoto da cidade grande. Continuava parado, nenhuma reação. Ele também ficou olhando para mim, acho que procurando as palavras certas para a situação.

Lembrei de todos os momentos que vivemos na fazenda. Os sorrisos, conselhos, conversas, beijos, carícias e sexo. Em um ato rápido, o abraço e começo a chorar. Não é um choro bonito igual minha mãe faz nas novelas, mas um choro triste e emocionado. O André me apertou forte, quase não consegui respirar.

— Higor, estou aqui. — Ele sussurrou no meu ouvido. — Desculpa te fazer esperar, mas estou aqui e não vou desistir de você nunca mais.

— Eu senti tanto a sua falta. — Falei, enquanto era esmagado pelo abraço do André.

— Pensei em você todos os dias. Minha mãe não aguentava mais ouvir sobre você. — André tentou rir, mas as lágrimas não deixavam. — Eu só preciso fazer uma coisa. — Ele anunciou se afastando um pouco e olhando para mim.

O primeiro beijo, após dois anos de distância. Eu nem me importei com os alunos que passavam na frente da universidade. Me senti dentro de uma comédia romântica. Finalmente, teria o meu aguardado feliz para sempre. Ficamos quase quatro minutos nos beijando, sem qualquer tipo de medo.

O Quintino, enxerido dos infernos, apareceu e nos separou. Pediu para que a gente arrumasse um quarto. Ainda não acreditava que o André estava no Rio de Janeiro. Decidimos pular o primeiro dia de aula e fomos para uma lanchonete, até a Rosa foi para o rolê.

Sentamos em uma mesa e pedimos alguns lanches. Meus olhos o viam, só que meu cérebro não conseguia processar o fato do André estar ao meu lado. Enquanto o Quintino fazia um breve resumo sobre os nossos últimos anos, eu ficava admirando o meu eterno crush.

O André estava diferente, não fisicamente, mas sua postura havia mudado. Ele conversava com mais facilidade. Em Presidente Prudente, o André se matriculou no supletivo e com a ajuda da mãe, se formou. Um dos maiores desafios para ele foi aprender as matérias do Enem.

— Eu vivia no cursinho. Tenho até pena dos meus professores. — Admitiu André, tomando um pouco de refrigerante.

— Eu teria daquele ruivinha... — soltou Quintino.

— Pera aí? Como você sabia disso. — Falei olhando com ódio para o Quintino.

— Higor. O Quintino foi meu espião durante os últimos dois anos. Ele acompanhou parte da minha saga. Fiquei com vergonha de você.

— Você não tinha que ter vergonha, André. Gosto de você por causa disso. — Toquei no peito dele.

— Pensei que era por causa do... — Murmurou Quintino, sendo repreendido pela Rosa que puxou sua orelha. — Que violenta.

Descobri que o André passou para o curso de Agronomia. Morava no Centro da cidade em uma república estudantil. Dirigia uma moto vermelha. E o principal, nunca se apaixonou por ninguém no tempo que ficamos separados.

Deixamos a Rosa e o Quintino em casa. Seguimos sem rumo. Paramos na Praia do Arpoador, no bairro de Ipanema. Caminhamos um ao lado do outro, conversando sobre o que se passou nos últimos anos.

Senti tanta falta do André. Ele de mim. Nosso amor foi forte o suficiente para aguentar dois anos de incertezas. Nesse meio tempo, ele mudou e eu também, mais do que nunca sabíamos que aquele sentimento continuaria igual. Sentamos para esperar o pôr do sol. Por incrível que pareça, naquela segunda-feira, pouca gente se aglomerou para o grande espetáculo da Praia do Arpoador.

Enquanto a gente conversava, o André pegou na minha mão, nossos dedos se entrelaçaram. Ele estava quente e tremendo, apertei forte a mão dele, como forma de passar um pouco de segurança.

— Higor. Eu gosto muito de você. Fiquei acompanhando o Sincerigor para saber mais sobre a tua vida. — Ele disse dando uma risadinha na hora que fala Sincerigor.

— Esse blog foi um erro. Um surto. — Brinquei.

— Não. Você escreve bem, Higor. Não é à toa que foi o melhor professor que tive.

— Você foi um ótimo aluno, André. Só precisava de uma direção.

— Encontrei a melhor direção de todas. — André levou minha mão até sua boca e a beijou.

— André, eu te amo. — Soltei sem pensar nas consequências.

Três palavras. Um único significado. Naquele momento, o tempo parou para mim. Era cedo demais ou tarde demais para dizer aquelas palavras? Afinal, era o primeiro dia que a gente se reencontrava depois de dois anos. "Eu te amo, também. Higor Duarte", ele respondeu enchendo meu coração de amor.

— Higor. Você quer namorar comigo? — Ele perguntou acariciando minha mão.

Enquanto o pôr do sol fazia seu espetáculo diário, seus raios refletiam nos olhos de André Ávila, que ficaram com uma cor linda, um castanho claro maravilhoso. Suas palavras ecoavam dentro do meu cérebro, o que causou uma comoção nos meus neurônios. Eu não sabia o que responder, não conseguia formular um simples "sim".

Para não deixar o André no vácuo. Aproximei meu rosto do dele, com a mão livre puxei seu pescoço e dei um beijo no mínimo selvagem no meu namorado. Nem ligamos para as outras pessoas que acompanhavam o pôr do sol. Agora eu tinha um namorado para chamar de meu.

— Só me promete uma coisa? — Perguntei entre um beijo e outro.

— O que você quiser. — Soltou André ofegante.

— Nunca mais me abandona. — Pedi, dessa vez, não conseguindo segurar as lágrimas.

— Higor. Eu prometo! — Ele afirmou, enquanto limpava as lágrimas que escorriam pelo meu rosto.

****

"Aqui é minha luta, em busca do horizonte

Minha luz querida eu vejo atrás no monte

Não adianta me dizer o que tem que ser feito

Se lá atrás você não fez direito

Reconheci a minha voz, vi minha mãe sorrir

Passei por fita, luto, nessa vida e quase desisti

Mas o tempo passou, e eu aprendi, nem tudo é tão perfeito assim

O importante é sempre sorrir

Independente do fato, não permaneça errado

Leve seu filho para assistir às estrelas do céu

Ele crescerá e lembrará de ti

Eu vi ela brilhar

O amor prevalece, isso me fez cantar

Eu vi ela brilhar

Estrelinha me guia onde eu for pisar

Udararara dada

Jorge Ben mandou te falar

Sou eu, namorado da Lua

Udararara dada

Cresça, não obedeça, viva

E seja você a estrela da vida

Udararara dada

Seja você a estrela da vida"

(Apollo Creed, Mirele, SóCiro, San Joe, Rap Box, Zeus, Kadri)

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Amei😍 agora estou esperando o final de gotas de Júpiter

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