Boa leitura.
Assusta todos nós quando mal ela entra pelo portão e encorpora sua pombo gira. Eu estava na varanda sentada com Dandara entre minhas pernas, na mesma hora me levantei indo no quarto buscar um pano branco para amarrar na cintura, quando voltei, Lara estava de sutiã e um short que mais parecia calcinha. Olhei para cara dela e fiz um gesto para que fosse colocar uma roupa. Ela deu de ombro e continuou ali, no meio do centro, desrespeitando totalmente a doutrina da casa.
Maria Padilha (nome da entidade que Thaty recebeu), disse que a casa passaria por um processo de adaptação, que nossa mãe de santo precisaria muito da nossa ajuda financeiramente. Olhando para mim ela disse que não estava me reconhecendo mais, que em poucos meses eu havia mudado muito e não estava mais levando a minha religião a sério.
Fique surpresa quando ela disse, mas não fiquei calada. Disse tudo que estava guardado a dias.
- A senhora me desculpe, mas, dessa casa sou a que mais levo minha religião a sério. Posso não levar a sério algumas pessoas aqui desta casa, mas isso não interfere nada no que eu penso e sigo na Umbanda. Vejo a putaria que esta casa se transformou, SIM, UMA PUTARIA. Onde a própria mãe de santo não se dá o respeito, como os filhos vão respeitar alguma coisa? Onde já se viu a zeladora da casa sair de seu quarto onde está dormindo com o atual marido, para ir até o outro quarto dar na cara do seu ex marido, que estava transando com uma de suas filhas de santo? E tem mais, como uma mãe de santo aceita, dois de seus filhos de santo transarem no centro logo após uma gira, e ainda ficar de voyeur incentivando a putaria comer solta na casa? A senhora como uma entidade sabe de tudo que acontece nessa casa, e me admiro muito dizer apenas para mim, que não está me reconhecendo! Eu que não estou entendendo mais nada, ou a senhora está muito equivocada.
Depois de dizer tudo aquilo, olhei para Pablo que me encarava sem acreditar no que tinha ouvido. Lara ria debochadamente concordando com tudo que eu tinha acabado de dizer. A pombo gira não teve mais argumentos e encerrou o assunto comigo. Antes que ela fosse embora ela me disse que eu precisava fazer santo, eu disse que não faria de maneira alguma. Ela ainda falou mais algumas coisas com Pablo e Lara, indo embora em seguida. Quando Thaty recobrou a consciência, eu entrei para dar um beijo em Dandara, Pedro estava no quarto com ela, quando ele me viu, olhou para mim e disse:
- Eu não acredito que você teve coragem de falar aquilo tudo para Padilha.
- Você acha mesmo que era Padilha que estava ali? Claro que não. Thaty estava fingindo, para que eu acreditasse nas coisas que ela pretendia falar. Só que ela não contava que eu fosse ter essa atitude. - Disse rindo indo em direção de Dandara para lhe beijar.
- Também achei muito estranho Padilha vir assim do nada. - Disse Pedro.
Lara, chegou no quarto avisando que Thaty queria falar comigo, eu pedi para ela avisar que eu já estava indo, ela saiu e eu bufei, sabia que não tinha mais como correr e teria que conversar com Thaty.
Fingir encorporar uma entidade apenas para fazer a outra pessoa acreditar no que ela falaria depois, era o cúmulo do absurdo. E o pior não era isso, o pior era eu ter tido a certeza de que tudo que eu acreditei aqueles anos todos de dedicação e abdicação foram em vão, pois foi horrível saber que ela usava a espiritualidade para nos manipular. Mas a verdade foi libertadora para mim. Eu sempre fiz o melhor que pude.
Fui para varanda, e vi que Lara estava sentada ao lado de Thaty, pensei:
- Como as pessoas são falsas! Anos atrás, Lara não pisava na casa de Thaty, pois tinha transado com o marido dela, hoje as duas conversam como se nada tivesse acontecido. Lara fala mal o tempo todo de Thaty, e agora está cheirando o rabo dela. Deus me livre dessas cobras...
Fiquei de frente para Thaty e disse:
- Lara disse que você estava me chamando.
- Ué, não se usa mais o "senhora"? - Thaty disse se levantando para me abraçar.
Não respondi, apenas dei um sorriso sem graça retribuindo aquele abraço mais falso que nota de 3 reais.
- Pablo já falou com você? Que vou fazer santo? - Thaty disse se sentando novamente.
- Sim, ele falou alguma coisa, mas não entendi porque entro nessa historia. - Falei séria, enquanto ela sorria forçadamente.
- Eu vou levar um ogã, que é Wallace, um filho de santo que é meu braço direito, no caso Pablo e uma ekedy (cargo feminino de grande valor: a de "zeladora dos orixás"), você. - Thaty disse apontando para mim.
- Mas eu não estou preparada, emocionalmente nem financeiramente para algo tão grande e decisivo que é uma feitura de santo (no candomblé significa a iniciação de alguém no culto aos orixás).
- Dinheiro não é problema, fiz um acordo com o pai de santo que vai nos iniciar, ele cobrou apenas mil reais de cada um pelo chão, as roupas dos nossos orixás, dependendo ele tem na casa. As outras coisas da lista podemos dividir e cada um comprar um pouco, não ficaria caro para ninguém. - Thaty disse abrindo sua bolsa, pegando um papel branco me entregando em seguida.
- Eu não quero fazer santo Thaty! - Disse curta e grossa. - Na verdade eu quero sim, quando eu tiver condições de bancar minha feitura, comprar tudo e não precisar usar roupa velha dos outros. Quero fazer santo com uma pessoa responsável que saiba exatamente o que está fazendo. Não com essas pessoas que acham que somos manipuláveis e podem fazer com a gente o que bem entenderem. - Disse já revoltada pela cara de pau dela insistir naquilo.
- Mais Fábio não é qualquer pai de santo, ele é muito respeitado e conhecido no candomblé. - Thaty disse tentando me convencer.
- Nunca ouvi você falar dele. - Falei olhando pra ela.
- Porque eu não o conhecia antes, mas já tinha ouvido falar nele. - Thaty disse pegando o celular para me mostrar a foto do sujeito.
- Bom, me desculpa mas não farei santo, e já lhe comunico que a partir de hoje, não sou mais sua filha de santo, estou saindo do centro. - Falei séria, enquanto encarava os olhos sombrios de Thaty.
- O quê? Você tá louca? Que falta de consideração! Sair do centro na hora que mais preciso de você! - Thaty disse um pouco alterada. - Quando você precisou eu te ajudei. - Thaty disse se levantando e ficando de frente para mim.
- Não é falta de consideração, apenas não quero mais continuar. A ideia que eu tenho de uma casa de Umbanda vai além disso aqui. Espiritualidade não é brinquedo, nem negócios. - Disse falando no mesmo tom, sem abaixar a cabeça para ela.
Quando eu olhei, Dandara estava na porta junto com Pedro observando a conversa.
- Tenho certeza que estão fazendo sua cabeça. - Thaty disse olhando em direção de Pedro e Dandara.
- Sophie é responsável suficiente para decidir o que ela quer. Não precisa que ninguém faça sua cabeça, você não acha? - Dandara disse olhando para Thaty, que ficou surpresa.
- Não digo por você, falo por causa de outras pessoas. -Thaty disse olhando para Pedro.
- Gente, acho isso desnecessário. Ela não quer e pronto. Vamos parar por aqui para não piorar. - Lara disse na tentativa de encerrar o assunto.
Thaty inconformada com minha saída do centro, foi em direção a Dandara e disse:
- Você que parece ser a pessoa mais sensata aqui, fala para Sophie que ela está cometendo um erro, para ela pensar melhor. - Thaty disse olhando para Dandara, na tentativa de fazer com que ela me convencesse a não sair do centro.
Mal sabia Thaty que ela pediu para a pessoa errada. Dandara olhou para ela e disse:
- Não me leve a mal Thatyane, mas já que você me citou, acho melhor pontuar tudo o que está acontecendo aqui. Primeiramente, Soh é dona de si, não é meu animal adestrado, segundo esse lugar aqui é tudo menos um centro espírita. Quando eu vim pela primeira vez, entrei aqui, como entraria num templo, igreja, mesquita, sinagoga, terreiro, santuário etc, com todo respeito que a religiosidade merece. No entanto, o que meus olhos viram foi de um desrespeito sem tamanho, pra não dizer depravação.
Quando você soube que eu estava aqui, delegou a Soh, e somente a ela, que ficasse de "corpo limpo" (cuidados com o corpo físico do médium para participar do trabalho espiritual: abstinência de álcool/ carnes/atividade sexual na Umbanda ou Candomblé). Depois ficou vendo sua filha de santo e irmã biológica me cantar e tentar me beijar a força, onde eu tive a ideia de me sentar junto a Pedro e abraçá-lo para que a provocação de vocês cessasse. Mas isso é o de menos, é somente o lado "humano", digo carnal, que você me apresentou, porque o pior ainda estaria por vir.
Não sou digna de ter o seu posto mas sei que onde se cultua o sagrado, não pode haver indecência, muito menos fornicação! As pessoas devem seguir algumas regras e preceitos. Você, como mãe de santo deve saber de todos muito mais que eu. O que eu sabia de religião afro-brasileira era através de livros como Verger, Nei Lopes, Luiz Simas, Prandi, Saraceni, Ramatis, Norberto Peixoto entre outros. Sei que Umbanda e Candomblé não estão em livros, mas tenho muito mais respeito no que eu sinto por Espiritualidade, do que você exerce aqui. E se Soh sair, me sinto mais aliviada em saber que ela pode praticar e se dedicar ao credo dela em um lugar de pessoas decentes. Pessoas como você, difamam, desonram a religião de matriz africana! Jogam o nome da religião na lama! Uma cultura que só existe porque muitos dos seus deram a vida para que possamos usufruir hoje... Nem isso você levou em consideração! - Dandara cuspiu toda sua indignação em palavras, que deixou Pedro e todos os que assistiam a cena perplexos. Thaty tentou aprumar seu ego que caía em pedaços de vergonha, ao chão.
Assisti a tudo e tive certeza que Dandara me apoiaria em qualquer situação. Lara tentou argumentar alguma coisa, mas ficou com medo que Dandara a deixasse no chão somente com palavras, como fez com Thaty.
Thaty, não conseguindo debater com Dandara, nem destilar seu veneno, recolheu-se com a promessa que não teria terminado ali.
Seria capaz de tudo para nos separar...
Continua.
