Até que as estrelas caiam do céu

Um conto erótico de Elon
Categoria: Homossexual
Contém 4729 palavras
Data: 19/12/2017 04:07:53
Última revisão: 05/10/2021 01:02:06
Assuntos: Gay, Homossexual

Eric estava demorando pra voltar.

Jonas observou Rodrigo bufar impaciente. Ele estava sentado em uma mesa no canto olhando pro nada. A carona deles estava um pouco atrasada, é verdade, mas Rodrigo parecia estar sempre de mal humor ultimamente. O show daquela noite havia sido cancelado, mas a quem eles iriam culpar? O dono do clube falou algo sobre uma falha elétrica e que isso precisaria ser consertado, então não haveria expediente.

Sem público. Sem show. Sem dinheiro.

Rodrigo estava obviamente puto. Eles tinham descarregado a parafernália toda e posicionado os instrumentos no palco. A bateria Yamaha de Jonas, de longe a coisa mais trabalhosa de montar, ja estava pronta quando o gordo de barba mal feita e camisa de flanela entrou pisando duro perguntado o que eles estavam fazendo. Rodrigo esbravejou que alguém deveria ter avisado assim eles não teria todo aquele trabalho, mas o cara não estava interessado em ouvir chororô.

- Já fui auditado duas vezes por causa da porra dessa caixa elétrica! - Ele gritou como se a culpa fosse deles. - Esse prédio já era velho quando minha vó era virgem. E olha que ela perdeu cedo. Toda semana vem um auditor aqui fungar no meu pescoço me perguntando como o departamento de bombeiros libera meu certificado todo ano sendo que o risco de incêndio aqui é...

- Ok, eu entendo. Só que...

- O cara da prefeitura não tá nem aí pra quanto vai custar mudar essa fiação toda - Ele dispensou os protestos de Rodrigo com um gesto. - “tem que garantir a segurança dos clientes e funcionários”. Não aguento mais aquele viado magrelo me repetindo isso. Eu ja tenho problemas de próstata! Não preciso de mais alguém enfiando o dedo no meu cu toda semana! Agora façam o favor de levar tudo isso embora. Chamo vocês pra um show depois e...

Ele foi se afastando e saindo do salão ainda resmungando como se o mundo todo fosse culpado pelo seu infortúnio menos ele mesmo. Rodrigo apertava a guitarra na mão e olhava o cara se afastar como se considerasse atirar o instrumento nele. Titu, o vocalista e irmão de Rodrigo, tentou colocar panos quentes. Ele era sempre o mais tranquilo da banda. Mais até do que Eric que levava quase tudo na brincadeira. Ele tinha ido ao banheiro naquela hora então tinha perdido a oportunidade de debochar do problema de próstata do velho. Seu baixo estava posicionado em cima do tripé aguardando seu dedilhar dedicado e talentoso pra agradar uma plateia que nunca viria.

Eles tinha feito quase tudo. Igor, que as vezes era chamado de Fita, ajudou Jonas a colocar a bateria de volta nos cases. Ele não tocava na banda, mas ajudava bastante. Titu ligou pra Minoria. Um primo deles que tinha uma perua velha dada pelo pai, mas que era o salva-guarda da banda. Era com ela que eles cruzavam São Paulo e região fazendo shows. Minoria os tinha deixado ali e mal esperou que eles descarregassem tudo e saiu voando pois a “menina do piercing na buceta” que ele vinha falando sem parar desde que eles entraram na perua, esperava por ele em casa.

“Ele não vai gostar muito de ter que voltar cedo pra vir buscar a gente.” Pensou Jonas enquanto guardava o baixo de Eric na capa com todo o cuidado. “Ele ama mais esse baixo do que a mim.” Pensou rindo.

Tudo guardado e posto em um canto da parede, eles esperaram por Minoria. Esperaram e esperaram.

O clube estava na penumbra. Boa parte da luz estava vindo dos postes do lado de fora pela janelas grandes abertas por todo o andar. Rodrigo puto em uma mesa, Titu encostado perto das escadas como um vigilante e Igor do lado de Jonas no balcão. Estava calado e com os olhos bem abertos como se enxergasse uma paisagem totalmente diferente. Ninguém parecia com muita vontade de bater papo.

Jonas também olhou para o salão. O piso era elevado e acarpetado em um cinza escuro nunca-mostra-sujeira. As parede com espuma de estofado e compensado pra esconder os tijolos que faziam o estilo arquitetônico do casarão. Ao fundo o palco era adornado por pesadas cortinas bordô. Eram apenas por decoração, pois elas não foram feitas pra se fecharem.“Vai que o cara da prefeitura tem razão?!” Pensou Jonas. “Uma brasa de cigarro e esse lugar vira um inferno”.

Aquele pensamento deixou Jonas inquieto. Seu hábito de fumar estava ficando um pouco mais frequente ultimamente. Embora ele não se lembrasse agora quando tinha acendido um cigarro pela ultima vez. Uma sensação de ansiedade pareceu despertar na boca do estômago deixando um gosto estranho em sua boca. Ele olhou para os lados esperando que alguém aparecesse ou dissesse alguma coisa pra quebrar o silencio. Então ele notou algo e parou prestando atenção. Havia escadas de madeira de lei bem atras de onde Titu estava apoiado numa das colunas de sustentação. Levavam ao térreo e ao segundo andar do prédio. Por um momento pareceu que elas tinham sumido. Até os tijolinhos aparentes que eram pintados de branco mostravam enormes manchas pretas. Mas não foi isso que chamou sua atenção de fato, mas sim a aparência de Titu.

Ele parecia estar deitado em uma pilha de escombros.

Demorou só um segundo e quando Jonas estreitou os olhos tudo estava no lugar de sempre. “Um truque da luz” Ele concluiu. Ele sempre teve imaginação fértil. Quando era criança costumava ver todo tipo de coisa no próprio quarto sempre que era hora de dormir. Ao apagar a luz, seu quarto, antes vazio, se povoava de personagens vindos de sua cabeça. Isso costumava deixar sua mãe louca. Até ele crescer e começar a deixa-la louca por outros motivos. E ali dentro estava escuro também. O gordo ao que parecia nem esperou eles irem embora antes de desligar a força do prédio.

Titu no entanto olhava direto pra Jonas e pareceu fazer menção de dizer algo, mas foi Rodrigo quem falou primeiro:

- Esse puto do primo tá vindo de ré?! - Ele grita para salão vazio.

Titu suspirou como se até ele estivesse ficando de saco cheio do humor do irmão.

- Ele vai chegar. - Sentenciou.

- O cara tá meio ocupado. - Emendou Jonas, fazendo um sugestivo gesto com a mão.

- Foda-se ele, essa menina e o piercing da buceta dela!

- Eles estão fudendo mesmo. - rebateu Jonas rindo. - O que a gente quer é que eles parem pra que ele posse vir buscar a gente.

- Tô de saco cheio de depender do Wagner pra tudo. - Falou, frustrado. - Tá na hora de a gente ter nosso próprio ônibus. Maior, mais confortável...

- E você tá rodando bolsinha por aí e não contou pra gente? De onde a gente vai tirar dinheiro pra ter um ônibus?

A cara vermelha de Rodrigo satisfez Jonas, mas não mais do que ver o sorriso mal contido de Titu. Cutucar o irmão mais velho dele era a diversão da banda. Eric fazia da atividade de irritar Rodrigo sua missão de vida. O que só o fez lembrar que ele não estava ali. Onde ele tinha ido?

Eric estava demorando pra voltar.

- Cadê o Eric? - Quis saber Jonas. - Ele não voltou ainda?

Rodrigo bufou de novo, dessa vez achando graça de alguma coisa. Mas foi para Titu que Jonas perguntou. Ele olhou para o baterista como se esperasse por aquela pergunta, mas ainda assim não sabia o que dizer.

- Ele saiu - Respondeu por fim com um dar de ombros.

- Saiu pra onde?

Outro dar de ombros como resposta.

- Nunca entendo as briguinhas de namorado de vocês! - Debochou Rodrigo.

Jonas olhou pra ele. De que briga ele estava falando? Quando Eric saiu do banheiro? Por que ele saiu sem falar com Jonas?

- Quem tava brigando com ele foi você - Falou Igor que tinha ficando tão quieto até aquele momento que Jonas quase se esqueceu que ele estava ali.

Aquele comentário só pareceu irritar Rodrigo ainda mais.

- Claro, o cara vem falar um monte de merda e quer que eu fique calado?!

- Do que você tá falando? - Disse Jonas sem entender. - Vocês brigaram por causa de quê?

Rodrigo olhou pra ele entre raivoso e divertido.

- Você tava bem aí. - Ele apontou. - Você ouviu tudo. A discussão toda até participou dela.

Jonas sacudiu a cabeça confuso. Não fez aquilo. Não lembrava de nada daquilo.

- E também falou coisas pra ele. - Acusou Rodrigo sem dó. - Você até gritou com ele. Mandou ele ir embora!

- Eu não fiz isso, tá doido?! Eu não...

Mas então ele notou Titu olhando pra baixo, sem se pronunciar. Igor voltou seu olhar arregalado pra parede. E Jonas de repente sentiu medo. Parecia que estava sentindo isso há um bom tempo, mas só agora havia notado. A sensação de ter perdido alguma coisa. De ter perdido alguém.

Levantou-se da cadeira e rumou pra escadas. Iria atrás de Eric. Não sabia por que brigaram, mas se desculparia. De joelhos se fosse preciso.

- Pra onde você vai? - Perguntou Rodrigo. O tom de raiva substituído por espanto.

- Vou atrás dele! Ele deve tá aqui por perto.

Ao passar ao lado de Titu a caminho das escadas, ele segurou seu braço.

- Já tem um tempo que ele saiu. - Ele disse em voz baixa.

- Não importa, eu acho ele.

Jonas passou por ele e seguiu para as escadas. Rodrigo o alcançou antes de descer o primeiro degrau.

- E quando o Minoria chegar? - Seu tom era estranhamente incrédulo. - Você tem que estar aqui quando ele chegar!

Jonas nem mesmo diminuiu o passo.

- Você pede pra ele esperar. Não vou demorar.

- E quem vai carregar a porra da sua bateria? Quem vai botar aquilo tudo...

- VOCÊ PEDE PRA ELE ESPERAR! - berrou Jonas e sua voz ecoou pelo prédio vazio.

Ele desceu até o térreo. Passando pela recepção vazia até chegar a porta da frente. A voz de Rodrigo o seguiu até lá.

- Quer saber? Se encontrar com seu machinho diz pra ele que ele tá errado! Que ele não sabe de porra nenhuma! E que vamos embora sem vocês, ouviu? VOCÊS DOIS QUE SE FODAM! VAMOS EMBORA SEM VOCÊS!

Jonas saiu pela rua e parou pra se orientar. O Casarão como era chamado o espaço em que eles fariam o show ficava em uma esquina. Ele olhou para as ruas pensando em qual caminho seguir. Não parecia haver muitos carros circulando apesar do horário. A propósito que horas eram? Não deveria ser tão tarde. Eles chegaram no Casarão pouco antes de anoitecer, pra arrumar as coisas, pois o show seria por volta das vinte horas. Não deve ter sido nem há duas horas atrás. Ou tinha sido mais? Ele não usava relógio de pulso. Nunca gostou daquilo.

Só então ele se lembrou de procurar pelo celular nos bolsos. Podia ligar para Eric! Por que não tinha pensado nisso antes? Decididamente sua cabeça não estava muito boa. Mas ao procurar em todos os bolsos da calça e da jaqueta não encontrou o aparelho. Também não achou suas chaves, a carteira ou mesmo o isqueiro Zippo com a bandeira do Reino Unido que ele levava pra todo lugar. Tinha sido presente de Eric. “Eu perdi ou deixei tudo lá em cima?” Ele não sabia dizer. Em geral nunca tirava aqueles objetos dos bolsos. Mas não pensou em voltar pra onde estava. Queria achar Eric. Então seguiu o sentido da avenida.

Aquele costumava ser um bairro residencial da classe média-alta nas décadas passadas. O próprio Casarão era uma relíquia desse passado. Mas agora era cheio de bares e restaurantes frequentados mais comumente por estudantes de algumas faculdades próximas. Se ele não se enganava havia um parque público em algum lugar por ali. E sem saber como, ele teve certeza de que encontraria Eric por lá. Pelo caminho encontrou os comércios em clima morno. O movimento parecia fraco.

“Nem parece que é fim de semana.” A julgar pelas mesas desocupadas e garçons fazendo hora nos balcões, olhando com tédio para o rua, qualquer um pensaria que era uma noite morta de segunda-feira.

Foram necessários 10 minutos de caminhada até chegar ao parque.

Ali parecia ter um pouco mais de movimento. Pessoas fazendo caminhada ou andando de bicicleta. No gramado do outro lado, um grupo fazia exercícios funcionais usando esteiras cor de rosa e cordas amarradas em arvores. Havia uma área para prática de skate e roller e alguns garotos faziam manobras na pista enquanto outros observavam. E foi ali que ele o encontrou.

Sentado sozinho no canto do banco de cimento e madeira. Parecia concentrado no que os meninos faziam, mas Jonas conhecia aquela postura distraída. A mente dele deveria estar bem longe dali. Foi admirando o perfil dele enquanto se aproximava. O cabelo castanho e o nariz pontudo. Os ombros largos e o queixo quadrado. Quis correr até ele e beija-lo. Pedir desculpas e terminar com aquilo. Seja lá o que tivesse feito. Seja lá o que tivesse dito. “Como posso ter pedido pra ele ir embora?” Se perguntou. “Tudo que eu quero é ficar com ele. Pra sempre!”

Jonas chegou perto do banco chutando sem querer uma lata de coca-cola amassada que estava no chão e foi isso que alertou Eric para sua presença. Jonas esperou que, após a fração de segundo que levaria para ele reconhece-lo, veria uma carranca irritada ou apenas uma expressão de desanimo. Ele conhecia bem ambas as expressões que Eric fazia quando eles brigavam. Mas nada o preparou para aquele sorriso. Surpresa, deslumbre, júbilo. Tudo cabia naquele sorriso.

- Você veio?! - Ele parecia espantado ao ver Jonas ali.

E antes que ele pudesse responder Eric se levantou e o beijou. Jonas se sentiu arrebatado. OS corpos deles juntos pareciam magnetizados. O que era aquela corrente elétrica correndo pelo corpo dele? Ele se sentia sem peso, como se um vento pudesse levar os dois. Para bem longe. Não se importaram se alguém podiam vê-los. Ja fazia tempo que os dois haviam se cansado de serem discretos quando outros casais podiam expor seus sentimentos a vontade. O mundo que se danasse!

Depois do que pareceu anos Eric se afastou e olhou pra ele com os olhos brilhando.

- Pensei que tinha perdido você. - Ele disse com a voz rouca - Mas mesmo assim esperei. Eu sabia que uma hora você viria atrás de mim.

- Não vai me perder nunca, Eric. Escuta, sobre a briga...

- Deixa pra lá! Que importância tem agora? Você tá aqui!

Os dois ficaram abraçados, se encarando e Jonas viu nos olhos de Eric que não havia nenhuma mágoa ali. Seja o que for, tinha ficado para trás.

“Ficado para trás”. Ele subitamente se lembrou de porque tinha ido ali além de se desculpar.

- Os meninos ficaram lá...

- Eu sei - Eric disse parecendo lamentar. - O problema é o Rodrigo. Ele é o mais difícil de convencer. O Titu já sacou tudo, mas ele não vai sair sem o irmão.

- É, então... - Jonas não tinha certeza do que ele se referia. - Não é melhor a gente voltar?

- Ja tentei Jonas, mas o resultado é sempre o mesmo. Ele não entende, nem você entendia!

Ele ficou calado e Eric o olhou e percebeu a confusão em seu rosto. O sorriso de antes tinha sumido.

- Quer dizer... Você entendeu né? Não foi por isso que você saiu?

- Eu vim te buscar pra voltar pro casarão. - Jonas falou. - Daqui a pouco o Minoria chega e a gente precisa ir né amor?! Por que você não...

Eric bufou de frustração em resposta. Se afastou dele e voltou a sentar no banco. O rosto nas mãos. Jonas sentiu que estava a beira de perder a paciência. Por que parecia que uma piada tinha sido contada e que todo mundo riu menos ele? Por que tanto Eric como Rodrigo estavam se comportando daquela maneira infantil? Ele se sentiu cansado. Só queria ir pra casa. Queria que Eric parasse de agir daquele jeito.

Queria ir embora.

Suspirando, ele se agachou e pegou lata amassada que tinha chutado antes. Levou até a lixeira azul a alguns passos do banco e então se sentou ao lado de Eric esperando o chilique dele passar. Ele tinha uma suspeita do que era aquilo tudo.

- Você quer sair da banda não é? Foi esse o motivo da briga?

Ele ouviu um som abafado e supôs que Eric tinha rido. Ele tirou o rosto das mãos e olhou pro namorado.

- Você voltou por mim.

Jonas sentiu um peso diferente naquelas palavras. Por alguma razão achou que Eric não se referia a ele ter ido ao parque busca-lo. Mas ainda assim se agarrou aquilo.

- Claro que sim! E eu ia embora sem você por acaso?!

- Poderia ter se salvado. - Ele continuou como se Jonas não tivesse falado. - Você tentou ir até o banheiro atras de mim. Por isso que não conseguiu.

Ele não queria mais continuar com aquela conversa.

- Olha, por que a gente não volta pra lá e espera o Minoria...

- O Minoria não vem. - Eric respondeu enfático.

- Como não vem?! Quem vai ajudar a gente a carregar aquilo tudo?

- Vocês não estão esperando pelo Minoria!- Ele explodiu, irritado. - Estão esperando outra coisa. Alguma coisa que nos leve daqui. Mas não vai vir ninguém Jonas! Nada, nem ninguém. Já está na hora de aceitar!

Ele não quis responder aquilo. Ele não sabia como. Eric apontou pra lixeiro ao lado do banco.

- O que você pôs ali?

Jonas pareceu aturdido por um momento antes de responder.

- Uma lata de refrigerante.

- Mesmo? Aquela lata ali?! - Ele agora apontou pro chão perto do banco. Jonas olhou.

E ali estava ela!

A lata de coca continuava no chão. Não onde Jonas a pegara, mas onde ela estava antes dele chuta-la sem querer. Ela nem tinha saído do lugar. Ele ficou olhando tentando compreender. Sentiu Eric do seu lado esperando ele fazer alguma coisa. Esperando ele finalmente entender. Se levantou e pegou a lata. Tentou mostrar pra Eric, mas ao ver o sorriso triste no rosto do namorado percebeu que sua mão estava vazia. A lata continuava no chão.

- Eu... eu... - Ele não sabia o que dizer.

Os dois ficaram quietos por longos minutos. Se encaravam. Um querendo mostrar a verdade que o outro não queria ver.

- Você voltou por mim! - Eric repetiu. - Por isso eu voltei por você. Voltei lá várias vezes. Tentando te contar. Contar pros outros. Mas nenhum de vocês parecia querer ouvir.

Jonas voltou a se sentar. Em silencio. Não queria que Eric continuasse falando, mas não fez nada pra impedir.

- O Rodrigo foi primeiro, eu acho. A caixa de força explodiu bem na cara dele. Foi de repente. Ele nem deve ter sentido nada. Acho que por isso ele não acredita. Ele não tem memória do que aconteceu. Além de ser um teimosão do caralho!

Jonas tentou prestar atenção nos skatistas fazendo manobras no half só pra perceber que eles tinham sumido. Junto com sua platéia. O parque a volta deles estava vazio. Parecia já ser o meio da madrugada. Ocasionalmente podia ouvir um carro passando na avenida. Ele se perguntou se tinha visto mesmo pessoas ali ou se as imaginara, como imaginou que podia pegar a lata do chão.

- Não sei onde o Titu estava, mas acho que ele tentou salvar o irmão. - Eric continuou. - Foi tudo tão rápido. Toda aquela fiação velha. Aquele revestimento de espuma na parede. Se alastrou muito rápido. Você lembra?

Ele sacudiu a cabeça que sim. Claro que ele lembrava. Ele se lembrava de tudo. Do medo, da dor, da fumaça.

Do fogo.

- As escadas... Não dava pra ir por elas.

A noite estava quente e parada. Jonas se perguntou se aquilo era condição climática ou se era incapaz de sentir o vento no rosto.

Eu ouvi o grito do Igor. - Jonas disse de repente. - Ele gritando que não tinha como sair. Que tava tudo queimando.

Foi a vez de Eric sacudir a cabeça. Estimulando ele a falar. Querendo que ele se lembrasse. Lembrar para poder aceitar. E só então esquecer.

- Eu saquei o que tava rolando, mas nem pensei. Só corri pra onde você tava.

- Você voltou por mim. E acabou ficando preso comigo.

Jonas o encarou.

- Eu voltaria de novo! Eu morreria por você cem vezes Eric. Eu nunca iria te deixar lá!

- E foi por isso que eu voltei por você. De novo e de novo. Eu sabia que se você se lembrasse a gente podia sair de lá. Só não esperava que a sua sugestão fosse tão forte!

- Sugestão?!

Eric fez um gesto pra lata no chão de novo.

- Você tinha certeza que tinha pego a lata não foi? - Ele fez que sim. - Então, eu chamo isso de sugestão. A mente faz parecer real. Por isso demorou tanto pra gente perceber o que tinha acontecido. A sugestão faz a gente perder a noção do tempo também. Se você acredita que não aconteceu, então não aconteceu.

- Só que aconteceu. - Contrapôs Jonas.

- Só que aconteceu. - Ele concordou.

Jonas parou pra considerar aquilo. Lembrou-se do que tinha visto mais cedo. A escada que pareceu mudar de forma. Por um instante vira de verdade onde estava, mas se obrigou a focar na ilusão porque era menos dolorosa. Aquilo tinha acontecido mais cedo?! Ou foi há dias atrás? Era possível confiar em sua noção de tempo? A quanto tempo eles estavam perambulando pelos escombros calcinados de um prédio sem se darem conta de que tinham morrido?

Morrido.

Era isso que tinha acontecido. Eles tinha morrido.

Jonas olhou para as próprias mãos esperando que ele se tornassem transparentes ou algo assim, mas elas permaneceram sólidas. Ou pareciam sólidas aos seus olhos. Talvez aquele lance de sugestão de Eric fosse verdade. Talvez ele não conseguia se sentir morto porque não sabia como uma pessoa morta deveria se sentir. Seu espirito levava as memórias do que ele conhecera em vida. Ele sabia apenas o que era estar vivo.

Então algo lhe ocorreu. Parou um pouco pra pensar no assunto então voltou a revistar os próprios bolsos.

Ele o encontrou exatamente onde sabia que estaria. No bolso da Jaqueta, perto do peito. O isqueiro Zippo que Eric lhe dera de presente. Fez o truque do abrir-fechar-revirar-abrir que ele tantas vezes fazia quando queria se exibir em publico. Queria saber se ainda podia fazer aquilo. E fez. Foi tão natural como sempre fora. Eric brincava que ele parecia um personagem de filme fazendo aquilo. Aqueles que se passavam nos anos 50. No entanto, por que não encontrara o isqueiro mais cedo quando o procurou?

Jonas olhou para Eric sentado ao seu lado e achou que entendia o porquê.

- Quanto tempo levou pra você perceber?

Eric deu de ombros.

- Muito tempo, eu acho. Não dá pra ter certeza. Só acho que eu não fui o primeiro.

- Quem foi?

- O Igor.

Jonas assentiu. Fazia sentido. Tinha notado como o garoto estava calado e circunspecto. Não era nem um pouco comum nele. Ele nunca parava de falar. E sempre com um tom empolgado. Lembrou-se do seu olhar assombrado para o meio do nada. Ele devia enxergar o prédio exatamente com era. Além da ilusão da sugestão. Devia ainda estar em choque. Fantasmas podiam entrar em choque? Ele não saberia dizer, mas se lembrava de que Igor teve um destino mais violento do que o deles.

Ele se desesperou nos últimos momentos e tentou descer as escadas tomadas pelas chamas. Jonas tentou impedir, mas ele se impeliu com toda a força que ainda lhe restava mesmo ja quase sem fôlego pela fumaça e se lançou naquele inferno uivante. Lembrou do riso histérico do menino enquanto seu corpo ardia, das lágrimas lavando seu rosto sujo de fuligem e da confusão em seus olhos. Por que aquilo estava acontecendo? O que eles fizeram pra merecer um fim tão trágico?

- Você tentou contar o que rolou e a gente não acreditou em você.

Eles se encararam.

- Quantas vezes?

Eric deu de ombros mais uma vez

- Muitas - Respondeu. - E continuaria quantas vezes fossem necessárias! Eu ja estava pra voltar lá de novo. Eu dou um tempo pra vocês esquecerem então volto. Mas eu noto que o Titu nem discute mais comigo. Como se não tivesse mais argumentos. E o Rodrigo fica cada vez mais irritado. Acho que ele se lembra das outras vezes.

Jonas pensou no que Rodrigo disse quando ele estava saindo.

- Ele lembra - Confirmou. - Ele sabe. Só não quer aceitar. - E então acrescentou. - Como eu.

- É, você também foi difícil. - Ele suspirou, sem duvida se lembrando de todas as tentativas frustradas de colocar juízo na cabeça do namorado e dos amigos. - Mas o seu motivo era diferente. Você não quis acreditar que não tinha nos salvado. Que não tinha me protegido.

Jonas não discutiu. Eric estava certo. Sobre aquilo e todo o resto. Ficaram calados mais uma vez observando o parque vazio, quando ele percebeu que tinha mais perguntas.

- Quando aconteceu? Quando foi que a gente...

Ele ainda não conseguia completar a frase. Parecia tão absurda! Como eles poderiam estar mortos? Perto de Eric ele nunca se sentira tão vivo. A sensação eletrizante do beijo ainda estava ali. Como uma pessoa morta podia sentir algo assim? Eric entendeu sua pergunta incompleta.

- Uma vez eu estava por aqui. - Ele fez um gesto para o parque vazio. - Não sei quanto tempo foi isso, mas o parque estava cheio. Gente pra lá e pra cá usando branco. E depois teve fogos de artificio.

- Noite de ano novo?

- Sim. Em uma das camisas eu consegui ler “Feliz 2016”

Jonas tentou absorver aquilo. 2016! O ultimo ano que ele se lembrava era 2006. Eles estavam mortos há pelo menos dez anos! Como é possível não perceber a passagem de uma década? Pensou na família. Na mãe com problema nos nervos, na irmã grávida, na avó com artrose. Até no padrasto. Como eles receberam a noticia? Como eles estavam agora? Já devem ter superado. “Sou só uma lembrança pra eles”. Eric o olhava como se soubesse o que estava em sua cabeça. Ele sem duvida ponderava as mesmas questões.

- Você... você foi ver sua família? - Jonas perguntou.

- Não.

- Por quê?

- Não quis me afastar muito! Fiquei com medo de não saber voltar... de perder o caminho.

“De me perder” Pensou Jonas. E então chorou. Ao que parecia espíritos tinha lágrimas. Se acreditassem que tinham. Em um banco de praça que pareceria vazio e frio pra qualquer um que passasse, duas almas choravam. Lembrando da vida que tinham. Dos sonhos que compartilhavam. Sentindo luto por si mesmos.

- E agora? - Jonas perguntou com a voz embargada.

- Agora eu tenho você e você a mim. - Ele respondeu secando o rosto com as mãos.

- Mas a gente não tem que ir pra algum lugar? Não vem ninguém buscar a gente?

- É o que o Rodrigo espera que aconteça. - Disse Eric descrente. - Mas acho que não vem ninguém. Porque não tem nenhum lugar pra ir, amor!

- Como não tem? O que a gente...

- Me escuta! - Eric segurou seu rosto lacrimoso com as duas mãos quentes. - Temos mais sorte do que a maioria. A gente pode ficar junto. Pra sempre! Seja lá o que for, seja lá o que vier a gente fica junto, Ok?

- Ok.

Eles voltaram a se beijar. Dessa vez sem se preocupar em parar tão cedo.

Talvez não houvesse mesmo lugar para ir. Esse planetinha azul é tudo que resta para a humanidade. Aqui nascemos e aqui permanecemos. A eternidade é mais fácil de encarar com alguém que você ama do lado. Talvez esse seja o propósito de viver. Encontrar alguém especial para segurar sua mão enquanto as eras se passam. Até que os mares sequem e as montanhas sejam varridas como folhas.

Até que as estrelas caiam do céu.

E não reste nada alem da escuridão.

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Então, esse conto foi um ensaio meu.

Eu escrevi antes de Guido e nem pensei em postar.

O conto Guido deveria ser tão curto quanto esse, mas está saindo maior do que eu esperava. Não tô com muito tempo pra desenvolve-lo essa semana, mas não pretendo abandona-lo por isso resolvi postar esse aqui por enquanto.

Me digam uma coisa: Esse conto "funciona"?

é convincente? emociona? faz pensar? ou é um lixo total?

Só estava testando minha narração. Escrever é difícil pois me preocupo muito com a coerência da história e se o elemento humano é convincente. Mas ai eu percebi que a única forma de saber é deixar outras pessoas lerem.

Em que ponto da história vocês "sacaram" tudo? Ela é muito obvia desde o começo?

E uma ultima pergunta: Ja encontraram alguém para vencer a eternidade junto com vocês?

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Comentários

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NÃO SEI SE MORTOS PODEM VIVER HISTÓRIAS DE AMOR. PREFERIA VÊ-LOS VIVOS.

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Cara fiquei sem palavras. É um conto convincente, emocionante, mas não faz pensar, faz você se alucinar kkk muito bom, um conto simples, bem estruturado e com um tema por trás. Gostei do enredo e do diálogo. A narração está ótima, melhor impossível. Sabe eu só fui perceber mesmo que ambos morreram quando o Eric falou "você poderia ter se salvado!", Mas já tinha em mente que eles tinham morrido, só queria uma confirmação.... Cara amei esse conto! Tu gosta de ler???

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Impressionante e maravilhoso, você escreve muito bem. Confesso que saquei a situação de quase no fim, que angústia.

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