Amor de Verão -Demitri

Um conto erótico de Demitri
Categoria: Homossexual
Contém 1250 palavras
Data: 29/10/2017 03:07:01
Assuntos: Gay, Homossexual

Prólogo

....Com a lua cheia e branca e fria. Ele viu as sombras se deslocando e tremendo como se fossem criaturas vivas por sobre a neve incrustada. Céu negro, lua branca, sombras negras, neve branca. Até onde conseguia enxergar? Não havia mas nada. Apenas um vazio muito grande, uma ausência de cor. O único som era o gemido sibilante do vento em meios as árvores nuas. Mas ele sabia que não estava só, que não havia segurança no negro ou branco. Um candente fio de medo perpassava seu coração. A respiração, extenuada, quase inexistente, exalava pequenas nuvens brancas. Por sobre o solo congelado emergia uma sombra negra. Não tinha para onde correr.

Hunter deu uma tragada no cigarro e olhou para as palavras a sua frente, envoltas numa neblina de fumaça. Michael Trent estava morto. Hunter o havia criado e moldado apenas apara aquela morte fria e lamentável na lua cheia. Teve uma sensação que era muito mais de êxito do que remorso por destruir o homem que ele conhecia mas intimamente do que a si próprio.

Entretanto, terminaria o capítulo ali, deixando os detalhes do assassinato de Michael para a imaginação dos leitores. A ambientação estava posta, os

segredos, sugeridos, o destino era palpável, mas inexplicável. Ele sabia que esse seu costume ao mesmo tempo frustrava e fascinava os admiradores. E como esta era precisamente sua intenção, estava satisfeito. Nem sempre ficava.

Ele inventava situações assustadoras, de tirar o fôlego, indescritíveis. Hunter explorava os mais obscuros recantos da mente humana e, com fria precisão, tornava-os tangíveis. Tornava o impossível plausível e o sinistro, lugar comum. O lugar-comum, ele frequentemente transformava em algo aterrorizante. Utilizava as palavras da mesma forma que um artista usava os pincéis, e produzia histórias envoltas em tal cromatismo e simplicidade, que o leitor sentia-se aprisionado desde a primeira página.

Escrevia histórias de terror, gênero no qual obtinha um sucesso fenomenal.

Fazia cinco anos, era considerado o mestre neste seu jogo particular. Produzira seis best-sellers galopantes, quatro dos quais transformara em roteiros

de filmes. As críticas eram as melhores possíveis, as vendas não paravam de crescer, cartas de fãs chegavam de todos os cantos do mundo. Hunter não dava

a menor importância. Escrevia primeiro para si mesmo, porque contar uma história era o que fazia de melhor. Se conseguia divertir alguém com suas

histórias, ficava feliz. Mas, independente das reações de público e crítica, jamais

se arrependia de ter escrito algo. Tinha seu trabalho; tinha sua privacidade. Essas eram as duas coisas mais importantes de sua vida.

Não se considerava um recluso; não se considerava antissocial.

Simplesmente levava sua vida da maneira que escolhera. Fizera o mesmo seis anos antes... antes da fama, do sucesso e do grande progresso de vida.

Se alguém lhe perguntasse se o fato de ter escrito uma série de best-sellers havia mudado sua vida, ele responderia: e por que deveria ter mudado? Era escritor antes de A dívida com o diabo pular para o primeiro lugar da lista do New York Times. E era escritor agora. Se tivesse sido sua intenção efetuar mudanças na vida, teria se tornado encanador.

Algumas pessoas diziam que seu estilo de vida era calculado — que ele criava a imagem de excêntrico só para fazer efeito. Boa promoção. Algumas

pessoas diziam que criava lobos. Outras diziam que ele nem mesmo existia. Era o produto inteligente da imaginação de algum editor. Mas Hunter Brown não tinha a menor consideração com o que diziam. Invariavelmente, ouvia apenas o

que lhe convinha, via apenas o que desejava ver e lembrava de tudo.

Depois de apertar uma série de botões no processador de texto, preparou-se para o capítulo seguinte.

O capítulo seguinte, a palavra seguinte, o livro seguinte, eram de muito mais importância para ele do que qualquer artigo

hipotético que pudesse vir a ler.

Trabalhara por seis horas naquele dia, e imaginava que ainda aguentava mais duas, pelo menos. A história fluía como água congelada: fria e clara.

As mãos que digitavam eram bonitas — bronzeadas, enxutas, volumosas e com dedos longos. Alguém poderia olhar, parar e pensar que elas poderiam

compor concertos ou poemas épicos. Elas compunham, na verdade, sonhos obscuros e monstros — não aqueles com garras e dentes à mostra e cheios de cicatrizes, mas monstros bastante reais, que davam arrepios. Ele sempre incluía

uma boa dose de realismo e de cotidiano em suas histórias, o que fazia com que o terror adquirisse características reais e plausíveis. Havia uma criatura escondida no baú escuro de sua obra, e esta criatura era o medo particular de

cada um. Ele sempre a encontrava. E então, centímetro a centímetro, abria o cadeado do baú.

Quase esquecido, o cigarro queimava no cinzeiro já transbordante perto de

seu cotovelo. Fumava demais. Talvez fosse o único sinal exterior da pressão que se auto-impunha, pressão que não toleraria de ninguém mais. Queria terminar o livro até o final do mês, sua meta auto-imposta. Num de seus raros impulsos, concordara em falar em um congresso de escritores em Flagstaff na primeira semana de junho.

Não era comum ele aceitar aparecer em público, e quando aparecia não era nunca um evento grande e divulgado. Este congresso em particular reuniria

não mais do que duzentos escritores e candidatos a escritores. Ele apresentaria

seu workshop, responderia perguntas e depois voltaria para casa. Não haveria cachê para os palestrantes.

Somente neste ano, Hunter recusara sumariamente várias ofertas de algumas das mais prestigiosas organizações ligadas ao meio editorial. Prestígio

não lhe interessava, mas considerava, a seu próprio modo peculiar, a contribuição à Corporação dos Escritores do Arizona Central uma questão de

dívida pessoal. Hunter sempre entendeu que nada era de graça.

A tarde chegava ao fim quando o cachorro deitado aos seus pés ergueu a

cabeça. O cão era esguio, com uma pelagem acinzentada e brilhante e a

aparência retilínea e inteligente de um lobo. — Já está na hora, Santanas? — Com um carinho que lhe parecia inato, a mão de Hunter acariciou a cabeça do cachorro. Satisfeito, mas já tendo decidido trabalhar até mais tarde, desligou o processador de texto. Hunter deixou para trás o caos de seu escritório e dirigiu-se para a arrumada sala de estar com suas janelas altas e um loft no teto. Cheirava a baunilha e a margaridas. Grande e macio, o cachorro acompanhava-o.

Após abrir as portas que davam para o pátio de terracota, olhou para as espessas árvores que o circundavam. Tinham sua privacidade ao manter os

outros afastados. Hunter nunca as levou muito em consideração, só sabia que precisava delas. Precisava da paz, do mistério e da beleza, da mesma forma que

precisava dos grossos paredões vermelhos do canyon que se erguia ao redor de sua casa. No silêncio, conseguia escutar o barulho da água no riacho e aspirar a inebriante frescura do ar. Isso jamais lhe fora indiferente; não era algo que

tivesse tido por toda a sua vida.

Então a avistou, caminhando despreocupadamente pela trilha espiralada que dava na casa. O rabo do cão começou a balançar.

Às vezes, quando a via assim, Hunter imaginava que seria impossível algo tão adorável pertencer a ele. Era morena e tinha um aspecto delicado.

Movimentava-se com uma autoconfiança que o fazia sorrir mesmo quando sofria. Ela era Sarah. O trabalho e a privacidade eram as duas coisas vitais em

sua vida. Sarah era sua vida. Ela justificara as lutas, a frustração,

as lágrimas e a dor ela justificava tudo. Olhando na direção dele, ela abriu um sorriso que brilhava em virtude do

aparelho dentário.

— Oi, pai!

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