Antônio e Bárbara

Um conto erótico de Paula Cedezin
Categoria: Homossexual
Contém 2180 palavras
Data: 21/08/2017 15:04:29
Última revisão: 22/08/2017 07:02:53

Ela estava sentada ali, sozinha, e eu não conseguia tirar os olhos de sua beleza. Suas costas empertigadas, bem retas, não encostavam no espaldar da cadeira. Suas pernas longas e em boa parte nuas estavam cruzadas, bem à frente os pés emoldurados em uma sandália de salto muito alto e fino de tiras pretas. As mãos mexiam no telefone celular, com movimentos delicados dos dedos finos com unhas longas e vermelhas. Usava um vestido curto também vermelho, de um tecido que dava impressão de ser bem fino pelo movimento que tinha. Seus cabelos, loiros, lisos e finíssimos, caíam em longos fios pelos lados do rosto, por vezes incomodando, ocasião em que ela, com toda a graça e sem tirar os olhos da tela em sua mão, os colocava de volta para trás da orelha. Só para daí a pouco ter que repetir o gesto.

Não olhava para os lados, somente para a tela. Nem percebia que eu estava ali, menos ainda que a admirava em cada detalhe. Sorriu, que terá visto na tela? Nunca saberei. Mas sei que seu sorriso era encantador, e gostaria muito de ter sido o motivo dele, mas não fui. Dentes bem alinhados, muito brancos, sorriso amplo, boca desenhada com perfeição com o batom. Percebi então sua maquiagem suave, delicada. Os brincos de pingente dourado brilhavam sutilmente pendurados nas orelhas, das quais só se via, ocasionalmente, os lóbulos, o restante entre coberto e descoberto pela cortina esvoaçante do cabelo loiro e liso.

Mexeu-se, será que sairia dali? Olhou para o lado, chamou o garçom. Entristeci ao pensar que não mais a veria se fosse embora. De onde era, para onde ia? Será que esperava alguém que não veio? Triste não parecia, mas fez uma expressão de contrariada ao olhar algo na tela do celular enquanto o garçom não vinha.

Pagou sua conta enquanto minha tristeza aumentava. Logo iria embora e eu a perderia de vista, quiçá para sempre. Levantou-se e pude confirmar o que suas pernas já anteviam, era alta e longilínea. Mais de 1,70m de beleza feminina. Muito magra, mas com todas as curvas necessárias para hipnotizar meu olhar e atiçar meu desejo. Seios de tamanho médios cobertos pelo crepe do busto do vestido, num decote generoso que me permitia ver o suficiente para imaginá-los por inteiro. E eu os imaginava já na minha mão, ou quem sabe a ponta, intumescida, oferecida à minha boca. Eu os lamberia sutilmente, mordiscaria de forma provocativa, olhando para cima para ver o efeito enquanto a seguraria pela cintura fina sobre meu colo.

Moveu-se e sem muita pressa afastou-se dali. As lindas pernas movendo o quadril naquela dança sutil que algumas mulheres fazem ao caminhar e que parece feita para nos hipnotizar. Segurava as alças da bolsa no braço meio dobrado, mas logo depois a pendurou no ombro. Parou logo depois em frente à vitrine de uma loja, o que será que admirava? Que roupa ali seria digna de sua beleza? Pensei comigo que eu lhe daria a loja inteira sem titubear um instante, desde que com a condição de vê-a experimentar cada peça. Vaguei nos pensamentos para aquele lindo corpo só de calcinha e sutiã em minha frente. Seriam igualmente vermelhos, para combinar com o vestido, as unhas e o batom? Teria ela escolhido sua lingerie especialmente para encantar o olhar e atiçar o desejo de algum sortudo que, infelizmente, não era eu? Me imaginei novamente com ela no colo e eu soltando a presilha do seu sutiã em suas costas. Os seios, lindos, subitamente livres em minha frente. A calcinha, uma tanguinha de rendas, seria a próxima a sair. Seu corpo todo livre, lindo, apenas para meu prazer.

Mergulhado nessas imagens não percebi quando ela se foi. Quando abri os olhos desse sonho em renda e lycra ela não estava mais lá. Onde teria ido? Levantei, não poderia a perder de vista assim! Deus, me deixe a ver pelo menos mais alguns segundos, por favor! Segui pelo corredor olhando dentro de cada loja. Nada. Teria ela nunca existido? Teria sido um sonho, apenas imaginação? Não podia ser!

Encontrei-a no quiosque de sorvete. Não resisti.

- Olá!

Me olhou como se para saber se conhecia aquele que a cumprimentava. Respondeu somente “oi”, sem mais. Eu fiquei um instante sem saber o que dizer, qual a frase que poderia despertar nela uma nesga de interesse em mim.

- Você é incrivelmente bonita, sabe? Bom, muitos já devem ter dito isso, né?

Sorri. Ela sorriu também. Bom sinal, bom sinal. Um sorriso nessa hora é como uma janela que se abre. Logo depois baixou o olhar e mexeu nos lindos cabelos. Outro bom sinal.

Ela comprou um sorvete para si, eu comprei um igual para mim também. Com ele na mão eu perguntei:

- Podemos conversar um pouco?

Eu não sabia o que dizer ou do que conversar, mas não podia deixar passar a chance de conhece-la. Ela não recusou e eu continuei.

- Como você se chama? Eu sou o Antônio.

- Bárbara.

- Bárbara... que nome bem adequado. Quem lhe deu esse nome já sabia que anos depois você seria assim bárbara?

Ela riu do meu galanteio. Talvez tenha gostado!

- Ah, não, certamente não sabia.

- Mesmo? Então de onde vem seu nome?

- Eu que escolhi. Gosto do som, esse monte de “A”s que tem, sei lá. Parece uma palavra que explode na boca, “Bárbara”. Acho legal.

- Você que escolheu? Como assim? Quem escolhe seu próprio nome? Não foram seus pais?

- Não. Meus pais me chamavam de André.

Opa? André? Como assim? Fiquei um pouco desconcertado. Mas ela não.

- Isso quando eu era menino. Quando me tornei mulher eu mesma escolhi Bárbara como meu nome.

Ela me olhou, como que monitorando minha reação. Eu apenas sorri. Ela também. Se ela pensava que isso me assustaria ou afastaria, estava muito enganada. Embora nunca tivesse tido contato com mulheres transexuais antes, naquela hora eu fiquei ainda mais interessado. Como alguém que nasceu menino tinha se tornado uma mulher tão bonita? Como isso era possível? Não havia um único traço masculino nela!

- Você é uma mulher trans, então?

- Sim. Trans. Não te incomoda?

- Não. Por que me incomodaria? Você é tão linda... você é bárbara!

Ela sorriu.

- Que bom. Infelizmente não é essa a reação que sempre encontro quando conto isso para boa parte das pessoas. Mas prefiro contar logo para evitar problemas depois. É melhor.

- Bobos, todos esses outros.

Olhei nos olhos dela, ela olhou nos meus. Seus olhos eram verdes e expressivos. Delineados, e com a sombra e o rímel, eram lindos. Imaginei que seriam lindos mesmo sem maquiagem alguma. Ela sorriu e baixou o olhar de novo. Mexeu nos cabelos.

- Não vou convidar você para jantar porque já estamos na sobremesa, né?

Ela riu.

- Fiquei horas lhe admirando lá na praça de alimentação.

- É mesmo? Não vi!

- Você estava a maior parte do tempo entretida com o celular, e eu não estava tão perto, estava algumas mesas longe. Mas sua beleza me hipnotizou, eu não podia parar de olhar.

Dava para ver que ela estava gostando dos meus galanteios. Nem sempre respondia, mas sempre sorria.

- Você está passeando? Posso lhe acompanhar?

- Na verdade estava esperando uma pessoa, mas ele não vem.

Opa, quem seria? Amigo, irmão, parente? Claro que não. Namorado, noivo, marido? Tomara que não. Fiquei receoso de perguntar, mas arrisquei.

- Quem deixa uma menina linda como você esperando e ainda por cima não vem?

- Ah, acontece de vez em quando... marcam pelo telefone mas desistem no caminho. É chato, mas acontece. A maior parte são iniciantes, gente de primeira vez, cheios de medos e tal. Tomam coragem para marcar, mas na hora de vir mesmo a coragem acaba e eles somem.

- Mas para que precisam de coragem? Com o que você trabalha?

- Sou garota de programa, faço programas. Sexo.

Uau. Se a revelação da transexualidade eu levei numa boa, nessa eu fiquei sem saber o que dizer. Realmente não esperava por isso. E esperava ainda menos dito assim, às claras, sem meias palavras.

Ela ficou me olhando, mais uma vez só monitorando minha reação. Eu queria desesperadamente encontrar algo legal para dizer, algo espirituoso, legal, leve. Por mais louco que pareça, eu queria continuar a paquera. Ela era tão linda!

Mas como se paquera uma garota de programa transex? Eu não a queria para uma noite apenas. Eu não queria somente seu corpo e uma performance profissional. Eu a queria. Ela, a pessoa, aquela mulher linda na minha frente, naquele vestidinho vermelho vaporoso. Bárbara.

- Se o cliente não veio, então você está de folga do trabalho, certo? Podemos continuar a nos conhecer melhor?

Ela riu, pelo jeito achei a frase certa.

- Folga... é, acho que dá para chamar assim. Até o próximo chamado, até o próximo cliente telefonar.

Me olhou, será que pensava que eu seria próximo cliente?

- Você é tão direta e sincera... eu também vou ser. Eu não quero ser seu cliente. Mas eu quero conhecer você melhor. Conversar. Topa? Posso ocupar seu tempo até o próximo telefonema?

- É mesmo? E o que você quer comigo?

- Conhecer você melhor... conversar... passear...

Ela não esperava por isso. Claro que não. Meninas que trabalham com sexo desenvolvem uma armadura, uma casca lá dentro que as protege do envolvimento. Precisam aprender a separar sexo de amor. Entregam o corpo e seu carinho, mas não a alma. Vendem um desempenho, uma performance, mas não um sentimento. E a princípio todo homem é um possível cliente e toda abordagem o início de uma transação comercial. É disso que vivem! Mas eu não queria isso. Que se dane que ela era transex e que era garota de programa. Eu queria ela inteira, corpo e alma, tudo junto. Mas como chegar até lá? Como contornar as defesas e entrar lá no âmago da armadura, onde o coração dela residia, protegido e solitário?

Ataquei:

- Você tem namorado?

- Namorado de amar mesmo, fixo? Não.

Pensei comigo – “se depender de mim, terá em pouco tempo!”

Seguimos caminhando e conversando pelos corredores. Ela me permitiu acompanha-la. Parava para ver belos vestidos e outras roupas nas vitrines, e eu a imaginava com cada roupa que ela admirava. Perguntei em frente a uma das vitrines, onde estava exposto um vestido preto muito bonito.

- Você não gostaria de experimentar este vestido? Deve ficar ótimo em você.

- Mesmo? Você acha?

Ela entrou na butique e eu fui junto. Pediu a roupa para a atendente e eu apenas fiquei por ali, como se estivesse acompanhando mesmo. Ela foi para o provador e eu esperei. Saiu do provador toda de musseline preto, os cabelos loiros contrastando com a cor da roupa, os seios ainda mais destacados, a saia do vestido esvoaçante. Absolutamente linda. Irresistível. Quase morri de desejo.

- Uau, você está linda! Linda mesmo. Ficou perfeito em você.

Olhou no espelho, virou de um lado para outro, cada movimento exalando feminilidade. Eu pensei comigo – “Como uma mulher tão bela nasceu menino?”

Voltou para o provador, tirou o vestido preto e colocou de volta o vestidinho vermelho que estava antes. Entregou a peça de roupa para a vendedora e perguntou o preço. Era razoavelmente caro. Eu pensei em compra-lo de presente para ela, mas me pareceu que agindo assim estaria apenas fazendo o óbvio, o que todos os clientes fazem, compra-la com dinheiro ou presentes. Não comprei e nem falei nada a respeito. Ela também não comprou. Saímos da loja.

- Aquele vestido ficou lindo em você. Bom, vai ser difícil achar um que não fique.

Sorriu.

- Adorei ele, mas era caro demais. Talvez outra hora, nesse mês não posso.

Pensei mais uma vez que poderia ter comprado, pensei em perguntar se queria de presente. Mas não era hora. Não ainda. Primeiro precisava passar da armadura e chegar lá dentro. Para que fosse um presente de verdade, não um pagamento ou contrapartida.

O telefone dela tocou. Acompanhei metade da negociação.

- Sim, estou disponível.

- Ah, amor, faço tudo que precisar para deixar você nas nuvens. Você não vai se arrepender. Sou carinhosa, ativa e passiva, completa.

- Sim, posso ir no seu hotel. Nesse caso custa 350 a hora e mais o taxi. Qual é o hotel?

- Chego em 15 minutos, tá bom para você?

Meu tempo tinha acabado, obviamente. Mas eu não poderia deixa-la ir sem ao menos ter como encontra-la. Ou ser encontrado.

- A gente poderia se encontrar de novo?

- Você pode me encontrar quando quiser... é só ligar.

- Não, não desse jeito. Não quero ser seu cliente, quero conhecer você de verdade. A Bárbara mesmo, aí dentro.

- Uhmmm, vou pensar...

- Fica com meu telefone. Quando quiser conversar, ou se quiser sair, me liga.

Passei meu número e ela anotou direto no celular. Não pedi o número dela. Claro que eu queria, mas não queria ser confundido com cliente, mesmo correndo o risco dela não me ligar. Eu queria conquista-la. Queria te-la por inteiro, corpo e alma, mesmo que demorasse. Se não fosse assim, melhor que não fosse de jeito nenhum.

Algo em mim dizia que ela ligaria.

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Comentários

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Adorei o relato, super bem colocado gramaticalmente, e sem ser apelativo nos prende ao enredo desde o começo. Nota DEZ. Adicionado aos meus favoritos.

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Suellen, quer colaborar nesse conto? Aliás, lanço um convite geral - quem quiser colaborar com ideias, exclusivamente para o próximo capítulo deste conto, envie sua sugestão para paulinh4cd@hotmail.com! Quem se habilita? Vamos ver se eu me encanto com uma sugestão e consigo escrever algo legal!

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Veri e Suellen, vocês realmente estimulam minha vontade de contar historinhas! Obrigada de coração!

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Parabéns, eu adoro filmar e fotografar esses melhores momentos. me conte o conto do encontro. Caso interessar é só chamar: fotografoliberal@yahoo.com.br

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Assim como todos os outros contos muito bem escrito

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