ACRÔNICO. #Parte 22.- Última Parte

Um conto erótico de Ralph.
Categoria: Homossexual
Contém 2307 palavras
Data: 14/05/2017 13:59:22
Assuntos: Gay, Homossexual

Como em uma projeção, as letras se misturavam e a nova conjuntura dela me mostrava dois garotos experimentando o primeiro toque no corpo um do outro. Bocas entreabertas, mãos violentas e trêmulas, movimentos precisos e músculos tensionados. Tudo isso sobre uma grama que agradecia à mãe natureza por poder possibilitar movimentos tão fáceis e intensos.

A minha porra saiu melando minha cueca só com o esfregar do meu próprio pulso contra o meu pau e meu último suspiro saiu ao mesmo tempo em que o celular vibrou ao meu lado sobre um pequeno empilhamento de folhas já preenchidas.

Eu atendi mesmo com a respiração ofegante.

– Não vou perguntar se você está bem – se antecipou a voz do meu editor do outro lado – e vou direto ao assunto.

– Bom dia pra você também. – Cabia ironia naquele momento?

– É sério? Amnésia? Realmente ninguém nunca escreveu sobre isso. – Ele também estava sendo irônico e me ignorava com maestria típica.

– Então você recebeu as primeiras páginas, Rob. – Eu analisei.

– Recebi, li e...

– Adorou? – O interrompi.

– Não adorei. Você sabe que eu não estou aqui para facilitar a vida de vocês, mas tenho em mãos algo que pode ser melhorado, é claro.

– Você é o editor, sempre irá partir desse ponto. – Eu brinquei.

– Então o garoto perde a memória em um violento acidente e a reconstrução do passado é feita pelo seu parceiro? – ele tentou resumir.

– Namorado – eu o corrigi, orgulhoso. – A montagem do seu passado é feita em recortes daquilo que foi vivido entre os dois. Os lugares que eles frequentaram, as pessoas que conheceram, a primeira vez que se viram como seres sexuais e assim ele entende ao que pertence e toma sua posição no mundo. Mas antes disso, ele confronta a difícil decisão de ser aquilo que ele foi ou rumar ao novo, na direção da possibilidade de ser alguém completamente diferente.

– Você quer mesmo apostar nisso? – A pergunta veio no meio de um suspiro e demonstrava que ele não pretendia discutir comigo. Era um jogo entregue.

– Vocês queriam um livro, eu tinha uma história. É isso!

– Então é o que temos. – Rob concordou sem muito entusiasmo e desligou tão seco quanto era no início daquela conversa. Quem o conhecesse, não demoraria em perceber que essa é a forma de dizer que, sim, meu projeto era um negócio naquele momento.

Eu deixava um riso escapar toda vez que conversava com Bernardo sobre o meu próximo livro e ele me olhava torto, desconfiando que aquilo pudesse conter pitadas nossas. Ele ria quando eu mandava pequenas frases completamente aleatórias por mensagem e ficávamos horas trocando provocações. Ele tentava, com sua voz doce e manhosa, arrancar mais detalhes sobre aquilo que construía diariamente e eu adorava o efeito que aquilo causava em mim, que na maioria das vezes era uma ereção seguida de um orgasmo completo.

Muitas das páginas nasceram nos meus passeios com o novo Bernardo. Nós visitamos a praia e nos beijamos imaginando nosso primeiro momento ali. Nós visitamos a antiga garagem de Catarina, mesmo a casa não sendo mais dela e mesmo os novos moradores estranhando que dois malucos cantassem The Cure na calçada. Nos beijos despreocupadamente no Museu, imaginando ali a instalação artística, os espelhos e tudo o mais.

Palavra por palavra, o livro tomou forma e uma conhecida se encarregou de fazer a capa. Era uma ilustração em tons de dourado e roxo. Não é preciso pensar muito para saber de onde saiu o dourado.

A edição e diagramação demorou mais que o normal porque todos na editora não estavam preparados para algo novo e não mais esperavam que algo saísse de mim. Aliás, aquela seria minha última publicação, caso não tivesse um número considerável de vendas. Eu pouco me importei com a ameaça. Nas longas horas que passávamos deitados no chão, ou sobre os lençóis macios, eu e Bernardo imaginávamos textos para futuras produções e ríamos toda vez ao concordamos que tal ideia seria um sucesso.

– Suas coisas e ideias são tão malucas – ele soltou num sussurro tão suave que mais parecia parte do processo de respiração. Isso desencadeava coisas em mim difíceis de controlar.

– Tipo essa que tivemos ao aceitar um ao outro.

– Como é? – Ele fingia não acreditar em minhas palavras e eu agradecia aos céus por ele ter escolhido trabalhar com as roupas.

– Calma – eu dizia entre selinhos demorados. – Foi a ideia mais maluca e deliciosa. E inevitável, também. Fala sério – eu emendei –, não existe um roteiro onde nós seguimos separados. Isso seria contra as leis universais. Isso mudaria o curso do mundo. Você sabe que estou certo.

– Só queria dizer que ainda é possível que o mundo entre em colapso. Não esqueça que estamos apenas tendo um caso.

Ele quase sempre segurava o riso quando isso dizia e também quase sempre eu o apertava em muitos beijos que quase sempre se transformavam em amassos e em seguida na mais gostosa e quente das transas.

A peça seguia em cartaz e a oportunidade de uma pequena turnê surgiu sem avisos. Bernardo me olhou temeroso quando Catarina, na presença de todos, anunciou que aceitaria o convite de rodar algumas cidades com aquela montagem. Ainda no meio daquela reunião sediada no centro do palco iluminado do teatro, eu sentei atrás das costas do meu homem e massageei seus ombros tensionados.

– Não ouse esquecer-se de colocar na mala aquela jaqueta que eu adoro. Aquela desbotada que você usava no dia em que nos conhecemos.

Era bonita a forma como ele inclinava a cabeça para o lado oferecendo-me seu ouvido e claro, a pele magicamente brilhosa do seu pescoço. A sua resposta demorou-se em sair, pois eu insistia em beijar aquela região quando todos prestavam atenção em Catarina. Eric nos assistia e sorria, incentivando a troca de carinhos. Ele não representava uma ameaça. Nunca representeou, se bem observarmos.

– Isso não é justo. – Bê respondeu-me todo medro. – Logo agora que nos reencontramos e estamos tão bem.

– Eu confio em você e no caminho que trilharemos desse ponto em diante. Vá encher seus bolsos de dinheiro e conhecer algumas cidades com essa gente incrível. – Meu encorajamento o fez sorrir. Seu sorriso, quando não entristecido, era sonoro demais.

– Você me espera mesmo?

Havia um tremor tão gostoso na voz de Bernardo que eu fui obrigado a apertá-lo em mim com força, fazendo-o sentir meu amor transbordar por todos os poros.

– Escute-me – eu disse quase dentro do seu ouvido. – Eu te esperei parte da minha vida e esperaria novamente. Você sabe disso. Além do mais, serão pouquíssimos dias na estrada. Somente algumas semanas, na verdade. Nós sobreviveremos.

– Eu sei disso – ele confirmou acariciando as mãos que estavam cruzadas sobre sua barriga.

– Vá, os vista lindamente e retorne para os meus braços, mas sem roupas. Eu odeio quando seu corpo fica coberto. É um desperdício de beleza. – O meu sussurro era mais sexual que romântico e isso arrancou risos do meu homem.

– Shhh! Safado! – Que doçura era ouvi-lo me repreender.

Na editora eu folheei o livro rapidamente e deixei a sala ser preenchida pelo perfume exalado das palavras recém impressas. Eu ignorei tudo que a equipe dissera depois daquilo e só conseguia pensar no quanto de mim estava ali dentro e no quanto de Bernardo eu estava expondo de forma doce e respeitosa, e em outros contextos. Tão somente em nós eu conseguia pensar, que já estava no meio de uma chamada de vídeo quando retornei ao meu apartamento no fim daquele dia quente e agitado.

Meu eterno garoto estava deitado e acordara de um cochilo somente para falar comigo. Tão bonito vê-lo assim: seu rosto rosado amassado contra uma trouxa bem fofinha de tecidos. Eu conseguia sentir a textura da pele marcada pelos macios lençóis que podem ser cruéis quando querem. Além de tudo isso, até o cheiro eu estava sentindo. Como eu queria arrastar meu rosto pela suavidade oferecida.

– Deixe-me ver a capa – ele gemeu no meio de uma esticada. Era um felino manhoso. Meu bichinho de estimação fora da área de proteção demarcada por mim.

– Faça isso novamente – eu implorei desviando o assunto daquele pedido impossível de ser atendido.

– “Isso” o quê?

– Provocar essa volta na coluna enquanto geme tão manhoso.

– Assim? – Outra vez ele se esticou e ergueu o celular, deixando-me ver sua bunda lançada ao alto como se eu estivesse ali para tocá-la.

– Você sempre me deixa duro quando faz isso. Quando no despertar despeja sobre meu peito suas negações em forma de gemido.

– Você está sempre duro – ele foi sincero –, e eu sempre estarei por perto para sentir sua rigidez aprofundar-se em mim. E Ralph... – Ele presenteou-me com uma pausa estratégica - como eu queria isso agora.

– Eu já estou exposto – disse-lhe direcionando a câmera para o meu pau duríssimo e pulsante. Minha carne pidona.

– Masturbe-o por mim. É, faça isso. Aperte-o como eu sempre faço: com força e cuidado.

E assim eu fiz. Uma mão segurando o celular sobre o meu peito e a câmera apontada para o meu membro sendo violentado. Ele também se masturbava lentamente, roçando seu corpo no lençol, enquanto entregava-me todas suas expressões.

– Que saudade disso tudo dentro de mim. – Era um suspiro pesado.

– Que vontade de entrar em você, meu Bernardo.

E entre gemidos, movimentos lânguidos sobre os colchões, suspiros e olhares intensos para a câmera, ambos gozamos entre confissões amorosas e xingamentos cuspidos de forma inimaginavelmente doce.

Os dedos melados de Bernardo arrastaram-se pelos lábios enquanto ele falava:

– Chego antes que você perca o cheiro dessa porra.

– Não prometa o que não podes cumprir, seu cretino.

– Droga! – O riso dele era o meu riso.

– Agora durma – eu aconselhei. – Seu homem precisa se dedicar ao lançamento do... – E por pouco eu não anunciava o título.

– Complete.

– Do livro, oras. E é uma pena não ter você por perto.

Depois de Recife eles rumariam para Natal, no Rio Grande do Norte. O lançamento aconteceria em três dias.

– Não se engane. Onde seu corpo e coração estiverem, lá eu estarei. – Houve toda uma encenação da parte dele.

– Tente copiar menos as traseiras dos caminhões, mas eu também te amo. – Me declarei. – Eu te amo demais!

O “eu te amo” que veio dele saiu no meio de um riso e por isso não houve pesar ao desligar aquela chamada.

Não que a vida, ou o universo, ou alguma força divina precisasse me provar de que aquilo existia, mas ouvi-lo pronunciar aquelas palavras, mesmo que distante, me faziam entender que o presente era nosso aliado. E, muito além disso, ele também era real. Apaixonadamente real!

*

A livraria escolhida para o lançamento era tão pequena quanto o meu próprio apartamento e exatamente por isso eu me sentia mais confortável. Não que ser o centro das atenções fosse o meu problema, mas o pouco público que apareceria talvez fosse. Um número expressivo de exemplares foi vendido naquele dia e pouco depois das comidinhas servidas eu assinaria cada um deles, caso quisessem.

Eu avistei alguns sorrisos conhecidos e até o pai de Bernardo apareceu por lá. Eu estranhei quando vi dois livros em suas mãos, mas logo a justificativa se mostrou mais válida que a compra. “Um para mim, é claro, e o outro para a beleza ao meu lado”, como ele mesmo teve o prazer de anunciar e me apresentar a belíssima senhora que o acompanhava.

A minha assinatura foi seguida de um abraço apertado, um agradecimento e um “arrasa” motivador da parte de ambos. Eu quis saber se Bernardo sabia daquilo, mas era de fato um assunto para outros momentos.

Sentado a mesa pequena e de cabeça baixa, eu vi um livro escorregar até as minhas mãos. Eu precisava ser rápido, pois aquela era a última assinatura do evento que já estava próximo do fim.

– Nome? – Erroneamente não me preocupei com o rosto do dono daquele exemplar.

– Bernardo. – Ele disse pausadamente.

O tom de voz, a suavidade da fala e os dedos alvos descansando sobre a madeira me fizeram olhar para cima e os olhos azuis mais bonitos do mundo recepcionaram meu olhar.

– Prepare uma linda dedicatória – O meu Bernardo completou, convincente.

E num sorriso corado eu escrevi:

“Ao único, precioso e delicioso homem da vida. Àquele que faz minha carne tremer e enche meus dias do mais puro e crível amor. Eu te amo, Bê.”

Ele leu a dedicatória sem o mínimo de pressa e tomou de mim a caneta em outro riso, mas dessa vez um tanto mais provocativo que o meu que era corado e até acanhado. Quando outra vez tive aquele exemplar nas mãos, abaixo da minha dedicatória, sua letra bonita me deixara a mais irrecusável das propostas:

“Quer namorar comigo?”

Eu ri e sussurrei o “eu quero” mais convencido de toda a história da humanidade. Convencido porque logo depois dele eu o puxei para um beijo calmo que fez todos os olhares se voltarem para nós. Um beijo que provavelmente seria mais falado que a própria publicação e eu já estava muito bem com isso.

– Na sua casa ou na minha? – Minha proposta era ainda mais séria e ao pé do ouvido dele.

– Sua pergunta é tão inocente. Na nossa, é óbvio! – Ele não precisava explicar, pois se referia ao início de tudo: o nosso primeiro abrigo de amor.

Obviamente deixamos olhares desacreditados quando saímos dali risonhos e de mãos dadas. Apenas alguns clientes sorriram e um vendedor acenou para nós enquanto colocava meu livro sobre uma pequena bancada de madeira na vitrine. Na capa que imitava uma fotografia duplamente exposta de um homem de perfil feito em aquarela, lia-se um esmaecido “ACRÔNICO” no topo, sobre um exagero de texturas e tons dourados.

Fim.

# ACRÔNICO: Adj. Aquilo cujas características não dependem da ação do tempo; que não está sujeito à ação do tempo; atemporal.

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Então é isso: cheguei em mais um final. Como sempre, todos os abraços aos escondidinhos e obrigado por me acompanharem, de qualquer forma. :) Até muito, muito breve!

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