ACRÔNICO. Parte 11.

Um conto erótico de Ralph.
Categoria: Homossexual
Contém 1490 palavras
Data: 24/04/2017 00:15:23
Assuntos: Gay, Homossexual

O toque do celular parecia distante e eu tive que lutar comigo mesmo para conseguir abrir os olhos. Nem tinha percebido a cara enfiada no lençol que cobria o colchão macio e quando virei meu rosto encontrei um sol muito além de desperto me dando bom dia. Talvez eu não o quisesse ali, mas para isso precisaria ter fechado as janelas na noite anterior. Ergui um pouco meu rosto sem reclamações e procurei preguiçosamente pelo aparelho que insistia em continuar escondido no meio da pesada coberta. Se a pessoa não tivesse desistido do outro lado, talvez aquele fosse o último toque. Naquela altura saberiam que eu não atenderia e imediatamente eu fechei meus olhos, desejando que o sono me tomasse em seus braços outra vez.

De novo o toque. De novo aquele vibrar muito próximo de minha costela e eu ri sozinho por estar deitado sobre ele e nem ter reparado nisso. Consciente, tomei a obra moderna entre meus dedos e visualizei o nome no visor com dificuldade. “Isso são horas, Cata?”, resmunguei aproveitando que ele ainda não poderia ouvir. Outra conferida e eu vi que já se passavam das nove da manhã. Alguém estava conseguindo dormir em uma frequência bastante saudável.

Seria péssimo mentir para alguém que conhece tão bem a encenação, mas eu tentei camuflar o meu despertar recente com impecável naturalidade:

– Diga, Catarina.

– Achei que tinha te perdido para sempre. – Não era cedo demais para tanto drama?

– Meu Deus, só poderia trabalhar com o teatro mesmo. Quanto drama!

– Supere isso, bela adormecida. Isso são horas? A cidade já acordou há horas. – Ela completou e eu não me senti culpado.

– Eu mereço, você merece. O mundo inteiro merece. Quanto mais eu durmo, menos produzo. Bom para os concorrentes – eu terminei tirando sarro de mim mesmo. É claro que eu estava sendo irônico.

– Que idiota! – Ela percebeu meu tom e riu, para logo em seguida assumir um tom mais sério: – Não ouse esquecer que estreamos amanhã e que hoje rola o último ensaio. Apareça!

– Confirme minha presença em ambos os momentos – me arrisquei concordei sem pensar muito.

– Gosto assim!

– Aliás, sobre aquele assunto... – Eu tentei parecer natural e falhei.

–Não é coisa de telefonema. Supere isso também.

Tudo que ouvi depois disso foi sua risada divertida seguida de um “até breve”.

Eu quis continuar na cama, entre a maciez da minha coberta exagerada e o colchão tão convidativo, mas uni forças quase inexistentes e escorreguei pela cama, colocando-me de pé com muito sacrifício. Naquele dia eu entendi o termo “pequenas vitórias”.

“Preciso tanto de você”, eu me declarei para a cama desarrumada, mas deliciosa.

Tomei um banho rápido enquanto a cafeteira fazia sozinha o meu café e me senti culpado por não fazê-lo da forma tradicional e infinitamente mais gostosa. Aparei os fiapos que nasciam sobre meu queixo e o deixei lisinho outra vez, combinando assim com meu cabelo escuro e também muito baixo. Reparei que as bolsas abaixo dos meus olhos se mostravam menores, mas elas são tão minhas que eu sentiria saudade se elas sumissem de vez, então sorri para os meus olhos de um castanho meio esverdeado naquele momento e dei uma piscadinha para o meu reflexo. Que repentina felicidade.

“Estamos bem, não é?”, eu lancei a retórica com um sorriso convincente e real.

Saí do banheiro livre da toalha, mas cobrindo minhas intimidades com um short curto. Queria ser do tipo que tem geléia em casa para comer com os biscoitos guardados no armário, mas a única coisa que achei foi manteiga e ignorei o fato de talvez merecer mais que aquilo. A primeira mordida me fez rir sozinho, pois nada no mundo poderia ser mais gostoso. A simplicidade é mesmo mãe de todas as coisas.

Munido de alguns biscoitos e do café, saquei meu notebook e sentei à mesa da cozinha mesmo. Descobri mais tarefas do que eu achava que tinha e logo deduzi que talvez eu perdesse aquele último ensaio. Com algum esforço talvez fosse possível pegar o finalzinho dele, no final da tarde. Para isso eu precisaria ignorar outra vez os e-mails da editora que pedia algumas reuniões e eu ri da minha delinquência naquele instante.

Como previa, os e-mails foram ignorados e eu terminei de vestir meu blazer vendo o céu mudar de cor pela janela. O azul tornava-se mais denso e o horizonte rosado morria lentamente. A mais bonita das mortes.

Diante do espelho eu parecia formal demais para um momento que poderia ser de completa descontração. Sem o blazer eu vestia apenas uma camiseta azul marinho e o corte em V na gola me deixava mais moderno e camuflava meus trinta e muitos anos. De perfil eu passei minha mão pela barriga seca e decidi que não precisava camuflar nada, afinal, eu ainda estava inteiro, como dizem por aí.

A porta lateral do teatro estava entreaberta e agradeci aos céus por ainda ter alguém ali. Eu somente dei uns passos em direção ao interior e topei com o pequeno grupo que ria e conversava de forma exaltada.

– Ah, não! – Lamentei, verdadeiramente triste.

– Atrasado. As cortinas já se fecharam, Ralph. – Brincou Sarah, sorridente e tão simpática.

A atriz era uma negra de olhos grandes e curiosos, boca volumosa bem desenhada, pele brilhante e cachos bem definidos. Era a personificação da própria beleza. Ao seu lado Carlo não era lá tão bonito, mas era charmoso quando queria. Ele era o mais velho, faria o personagem mais responsável e por isso já andava encenando tal posição. Na verdade ele pouco falava fora dos palcos, mas eu previa que, sobre o tablado, sua voz tomaria conta do ambiente.

Para a minha surpresa Eric pulou entre as duas figuras, sorridente e atrevido como era. Ele fazia aquilo de propósito? Seu sorriso estava aberto e a dança dos lábios muito me instigava de forma que eu praticamente ignorei os outros. O topo de suas bochechas estava brilhante e eu entendi com isso que o ensaio talvez tivesse terminado naquele instante.

– Cadê todo mundo? – Eu não falava somente para Eric, mas meu olhar concentrou-se no dele, claro.

– Catarina precisou sair correndo com Johnny e o resto da equipe aproveitou pra descansar antes do grande dia – Sarah respondeu gesticulando exageradamente suas mãos, como se anunciasse a apresentação, de fato.

– E as comemorações, gente? – Eu encenei um olhar triste de fazer pena.

– Comemoramos agora! – Eric interrompeu a fala da colega, animado.

– Fale por você – emendou Carlo. – Vocês jovens transpiram animação, mas duas crianças e uma esposa precisam de mim.

– Vocês jovens? – Eu perguntei com ar de quem entregava a idade.

– Falo desses dois. – Ele apontou para Sarah e Eric. – Vá com eles e represente a parcela envelhecida disso tudo. Aquela parcela que range.

Nós quatro caímos em uma gargalhada e ele nos deixou para fechar a porta do teatro, ficando com a chave.

Após uma despedida amigável, Sarah e Eric correram para o meu carro estacionado no fim da calçada e eu ouvi Carlo gritar, entre os passos, que eu não deveria deixá-los beber. Eu concordei que eles precisariam estar inteiros e assim tínhamos um combinado.

– Tá bom, papai. Sem bebidas. – Eric provocou quando eu entrei no carro e coloquei o sinto.

– Tenho mesmo idade de ser seu pai. Não de Sarah, talvez – eu apontei para a triz sentada no banco de trás – mas de você sim.

– Pareço mesmo ser tão novo? – Ele pensou alto demais.

– Tem um vinte desenhado na sua cara.

Eu assustei com o som que ele fez com a boca, imitando uma buzina ou algo do tipo, como se estivéssemos em um jogo de perguntas e respostas.

– Errado! Não sou tão bebê assim, paizão. Coloque mais alguns aninhos aí.

– Melhor assim. – Eu comecei aos risos. – Parecerei menos errado.

Quando eu perguntei o nosso destino, é claro que eles já tinham algo em mente.

Disseram que o bar era o preferido dos artistas, novos ou velhos. O lugar era descolado e realmente tinha uma pegada muito artística. A música era experimental e muito moderna, as luzes eram vibrantes e as bebidas fortes. Eu precisei de apenas dois drinques para saber que não funcionaria muito bem com álcool. Por beber muito raramente, qualquer gole me tomava e pronto, poderia me considerar alterado.

Os atores perceberam minha fraqueza e é claro que isso virou motivo de zoação.

– Eu não acredito que já é hora de dormir. – Sarah fingiu perplexidade e eu quis me vingar, mas não pensei em nada.

– Isso não é justo – eu bradei entre os risos de ambos. – Há séculos eu não sei o que é bebida.

– Então já podemos parar por aqui – Eric se adiantou.

Eu acatei a recomendação e afastei de mim o copo que ainda guardava um gole da bebida. Pedi a conta, insisti que eu poderia pagar tudo e num segundo estávamos de pé. Eu, claro, experimentava uma tontura nada agradável.

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Geomateus, você curtiu? Eu curti que você curtiu. haha Abraço, viu?

E J.K., obrigado pelos comentários. Te adoro? Aham.

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