Era Só Uma Noite. #17 - Última Parte.

Um conto erótico de Caio Alvarez
Categoria: Homossexual
Contém 3509 palavras
Data: 25/10/2016 15:54:06
Assuntos: Gay, Homossexual

Fazia frio naquela época do ano e acordar em pleno feriado para receber Alexandre em seu retorno à cidade era quase torturante. Quase porque eu estava gostando da ideia de tê-lo novamente como companhia.

Meu cabelo estava alguns dedos mais curtos, porém as pontas ainda alcançavam meus ombros. Diante da preguiça extrema de arrumá-lo, apenas o prendi em um coque despreocupado. Lavei o rosto, fiz um café todo errado e o tomei mesmo assim. Ele desembarcaria em alguns minutos e eu ainda estava tentando arrumar minha cara. Conferi o relógio e felizmente ainda não passava das 9h da manhã. Ele chegaria às 9:30h. Não me importando com o preço que daria até o aeroporto, chamei um táxi por um desses aplicativos moderninhos demais para mim e em poucos minutos, mesmo lidando com um trânsito nada animador, eu estava na porta de desembarque. A tela de informações dizia que o voo dele estava no pátio há alguns bons minutos. “Ele deve atravessar as portas em instantes” disse para mim mesmo. Ao lado um casal festejava o fresco encontro. As mãos do garoto negro mais alto acariciavam os cabelos bagunçados do garoto branquinho mais baixo. Eles sorriam animados e apaixonados um pelo outro. Fui flagrado os assistindo e eles sorriram em minha direção não se importando de serem assistidos. Eu devolvi o sorriso e tratei de dar para eles a privacidade que mereciam.

Não demorou e outro grupo de passageiros fizeram as portas automáticas se abrirem. Entre eles uma careca branca e brilhosa demais me fez sorrir, tão feliz quanto os garotos ao meu lado. Alexandre acelerou os passos e nossos corpos se encontraram em um abraço tão forte quanto a última imagem que eu tinha dele no leito do hospital. Ele sorria e beijava meu rosto violentamente.

- Não acredito que estou de volta – ele confessou largando a bolsa no chão.

Meus braços davam a volta em sua cintura e nossas barrigas eram pressionadas uma contra a outra.

- Nunca mais faça isso – eu disse em tom de repreensão.

- Tente se quebrar inteiro e dizer para sua mãe que vai ficar tudo bem.

- Ah, pode ir parando. Não vamos falar disso agora.

Ele sorriu e segurou as laterais do meu rosto com suas mãos. Me deu um selinho e seu nariz roçou o meu.

- Vacilo meu. Nem eu quero falar disso.

Eu peguei a bolsa que carregava o nome ADIDAS em letras grandes demais na lateral e passei a alça em meu ombro.

- Como está, afinal? – eu perguntei enquanto atravessávamos o saguão imenso do aeroporto.

- Estou ótimo. E você tem um novo amiguinho. - Muito próximo, Alê ergueu seu queixo e me mostrou a cicatriz que guardava na parte mais escondida dele, quase no pescoço. Eu sorri porque era realmente uma cicatriz muito simpática, se é que cicatrizes podem ser simpáticas. – Dá um beijinho nela – ele terminou de falar, ainda sorrindo.

Ainda caminhando eu me inclinei na direção dele e encostei meus lábios em seu queixo barbeado. Primeiro matei a saudade da pele tão macia e depois dei dois beijos suaves enquanto seguíamos para o ponto fixo dos taxistas.

No interior ainda mais frio do táxi não trocamos muitas palavras para não mostrar muita intimidade ao motorista antipático. Mas eu logo lembrei que com Alexandre as coisas funcionam de outra forma. Naturalmente seus dedos roçaram meu joelho por cima da calça e caminharam para o interior da minha coxa, apenas um pouco acima do joelho.

- Como estamos? – ele sussurrou sugestivo demais.

- Não entendi – eu menti.

- Entendeu sim – retrucou.

- Sinceramente? Acho melhor não continuarmos com o que fazíamos.

- Você sabe que eu gosto de você com ou sem...

- Bônus – eu o interrompi sugerindo um termo para o que fazíamos. O motorista nos olhos pelo retrovisor com os lábios quase torcidos.

- Bônus – Alexandre repetiu num sorriso sincero e gostoso demais.

Quão difícil seria essa tarefa? Entre evitar o tesão pelo meu melhor amigo e se recuperar de ter perdido uma possível relação amorosa com um homem incrível, eu não queria ter que enfrentar nenhuma das opções. Aquela só poderia ser a famosa fase do chefão no jogo da vida. E que chefão.

O apartamento dele continuava a mesma coisa. A diarista mantinha o quarto impecável e continuava sendo paga. Acredito que ela não fazia muita coisa, afinal, ninguém habitava aquele lugar há meses.

Ao entrar joguei a bolsa em um canto qualquer e me joguei na cama. Parecia ainda mais frio e então eu me enrolei com a coberta. Enquanto ele juntava as roupas da “viagem” com as roupas que tinham ficado, conversávamos sobre o tempo que ele tinha ficado fora. Detalhei meu caso com Vincenzo e sua partida, ele contou sobre os vários, vários, vários garotos que se relacionou lá pelo Sul e tratava de mostrar foto de cada um deles. Eram todos tão bonitos que eu imaginava ser impossível qualquer aproximação entre eu e eles. “Mas nunca os encontrei com intenções além do físico” ele me prometeu. “Eu quero construir minha vida aqui. Não quero um garoto de interior e cheio de uma ingenuidade que não me apetece.” Alê era cruel quando queria.

Almoçamos juntos e antes do anoitecer ele tinha que encontrar o tal dono da Agência de Eventos. Eles tinham muita coisa para combinar e fazer. Eu quase conseguia imaginar Alexandre metido em todo tipo de eventos. Era exatamente o passo que ele tinha que dar. Todo o tesão de sua antiga vida poderia facilmente ser aplicado nesse novo negócio. É claro que ele teria todos em suas mãos, caso contrário não seria o Alexandre de sempre.

Passamos aquele resto do fim de semana preguiçoso migrando da cama para o chão gelado do quarto. Ficávamos deitado na cerâmica com as pernas sobre a cama, como dois adolescentes em uma tarde sem aula e algumas muitas tarefas de casa para fazer.

Eu não sabia, mas naquele final de semana acontecia em Nova York um jantar especialíssimo oferecido por Novak Djokovic, um tenista mundialmente conhecido, para angariar doações para a fundação educacional que levava seu nome. O jantar reuniu empresários, atores, cantores, modelos e nomes importantes da política mundial. Somente quando cheguei na revista, na segunda-feira, fiquei sabendo que estavam fazendo uma matéria para falar do concorrido jantar. Anna, a editora de moda, selecionava as fotos que encabeçariam a matéria quando eu me aproximei de sua mesa para pergunta-lhe alguns detalhes sobre a matéria. Com os dedos no teclado e pouca atenção no que eu perguntava, ela analisava as fotos uma por uma com a intenção de retirar alguns registros dos que já tinham sido selecionados. Na tela eu vi Naomi Campbell e seu vestido bordô deslumbrante. Uma fenda gigante deixava sua perna especialmente brilhante à mostra. “Essa mulher manda no mundo” eu brinquei. Anna se divertiu e passou para a próxima. Mario Testino, um dos maiores nomes da fotografia de moda, abraçava a supermodelo Kate Moss. “Definitivamente dentro” eu optei e ela concordou comigo dizendo que não poderia ignorá-los. Ela apertou ruidosamente um botão no teclado e a próxima foto fez meu corpo tremer. Vincenzo abraçava uma mulher inegavelmente bonita, mas inacreditavelmente magra. A mão dele apertava a cintura quase inexistente da moça de pele e cabelos negros. O braço dela pousava elegantemente sobre o ombro do homem e o sorriso de ambos eram tão bonitos que me causava uma inveja fora do normal. Anna entendeu que eu não os conhecia pelo meu silêncio. Não sabia ela que eu estava petrificado. “Vincenzo e Gabriela” ela disse sem olhar para mim. “Ele é um empresário filho de italianos e nasceu no Brasil, ela é uma modelo brasileira e seu nome está tomando uma proporção estelar.” Eu murmurei e apertei a quina da mesa com força demais. Os tendões dos meus dedos estavam saltados e pareciam querer estourar. Liz, a designer, se aproximou e falou sobre meu ombro, piorando o que já era desastroso:

- Ah, o casalzinho da próxima matéria. Vamos entrevistá-lo amanhã no hotel Milano. Você vem com a gente, Caio. Acho que ele nunca foi entrevistado. Seremos os primeiros.

Eu soltei o ar que prendia e minha respiração saiu pesada demais, fazendo as duas olharem para mim. Elas não entendiam absolutamente do que estava acontecendo. Eu soltei a quina da mesa e me afastei, ainda calado. Eu posso jurar que guardava eu meu rosto uma expressão raivosa demais.

- Está tudo bem? – Anna levantou e tocou meu pulso direito com seus dedos delicados.

- Ah, sim... Sim... Está! – Eu disse fingindo um sorriso que me causava tanta dor quanto a foto ou as informações de Liz.

- Você pareceu...

- Estou ótimo. – Eu interrompi grosseiramente a fala de Liz. – Vou indo. Há coisas para fazer.

Saí da sala como se alguém estivesse pelo fio da morte e precisasse desesperadamente de minha ajuda. Acontece que eu estava sob o tal fio da morte. Eu estava completamente perdido e o motivo era insano. Eu sofria com uma instabilidade emocional causada pelo surgimento de um sentimento complexo por um homem importante do mundo hoteleiro e estava enlouquecendo com uma aparição pública desse mesmo homem. O que estava acontecendo com minha vida?

Atravessei o corredor com pressa olhando para o chão, evitando mirar os olhos de alguém e entregar o quanto eu estava maluco naquele momento. Vi os pés de Matias na minha frente e evitei o encontro de nossos corpos, ainda sem olhar para cima. Continuei caminhando em passos largos até chegar no lado de fora do escritório. Respirei o ar não tão puro assim, porém mais fresco e o deixei oxigenar meu cérebro. Continuei ali por longos minutos até sentir que não surtaria ou teria qualquer reação exagerada. Ao entrar avisei ao meu chefe que não estava me sentindo tão bem. Ele me liberou e ofereceu uma carona até o hospital, se precisasse. Eu disse estar sob uma exaustão causada por uma viagem fictícia no final de semana e precisava cuidar da minha imunidade ou ficaria ainda pior.

Deixei o complexo de prédios em tempo recorde e logo estava dentro de uma condução, indo para casa. Meus pensamentos estavam distantes e ao mesmo tempo próximo demais. Se a entrevista seria na terça, então ele já estava na cidade, em sua casa ou no hotel e provavelmente nos braços da mulher que transbordava beleza. Olhei para minhas mãos finas demais e meu corpo estranho e ri de mim mesmo. É claro que ele não me escolheria se eu fosse uma opção. Estávamos falando de uma vida que não me pertencia. Ele vivendo nos mais altos patamares, eu afundando em minha normalidade entediante. Me peguei com mais raiva de mim mesmo do que tristeza, fazendo reinar a minha instabilidade emocional. Somente ali, numa condução abafada, entendi que eu realmente esperava alguma coisa todos aqueles meses. Inconscientemente eu estava me sabotando e me fazendo acreditar que ele voltaria, seguraria minha mão ou tocaria qualquer outra parte do meu corpo e diria querer ficar. Eu novamente quase ri de mim mesmo.

Em casa engoli dois comprimidos para dor de cabeça, tomei um banho demorado demais e me vi capotando na cama antes mesmo de preparar alguma coisa para comer. Só assim para não pensar em todo o tempo perdido pensando no homem misterioso e interessante que fazia meu corpo perder as estruturas. Naquele final de tarde e noite não sonhei com ele. Não sonhei com nada, na verdade.

Acordei cedo demais na manhã da terça-feira. Mirei o teto desbotado e me senti em um daqueles momento de iluminação transcendental ou sei lá o que isso signifique. Minha cabeça estava fazia e meus pensamentos claros demais. Eu precisei vê-lo novamente através de uma fotografia para enxergar a situação que eu estava metido. Vendo pelo ângulo exterior era ainda mais absurdo: um suburbano e um ricaço, dono de hotéis. Dessa vez eu gargalhei. Enquanto me arrumava e tomava meu café, finalmente bem feito, decidi que iria compor a equipe que entrevistaria ele naquela manhã.

Entrei no elevador acompanhado de Anna, Liz e Antony, o fotógrafo. Eu não faria nada além de ajudá-lo com a iluminação e o que mais ele precisasse. Pelas palavras dele, precisava de apenas uma foto intimista de Vincenzo no quarto do hotel que lhe pertencia. O quarto eu conhecia bem. Paramos em frente o 1405 e sorri para a porta. Ela já tinha presenciado algumas maluquices ali dentro. Batemos e logo abriram para nós. Uma maquiadora estava debruçada sobre o rosto de Gabriela e o corpo grande e lânguido da modelo estava caído sobre uma poltrona, perto das grandes janelas. A luz natural a iluminava de forma tão única que eu quis estar perto dela para absorver a energia que possivelmente emanava. A mulher era além de um espetáculo.

Nos apresentamos e eu continuei calado. Gabriela nos disse que Vincenzo estava terminando de arrumar o cabelo, pois não gostava de ser arrumado por ninguém. Ela sabia mais que eu e quase a parabenizei por isso. Continuamos ali pelo canto, Anna conversando com a modelo, Liz segurando alguns papeis com informações e o que mais poderia ter escrito lá. Eu e Anthony montávamos um luz de pequeno porte apenas para uma ocasião especial. Entre a luz artificial e a natural que entrava pela janela, ele decidira que nenhuma outra substituiria a luz contínua e difusa daquele dia quase nublado. Estava tudo perfeito. O fotógrafo me ensinava algo sobre luz de corte quando a voz de Vincenzo se fez presente. Grossa e imponente mas com uma suavidade encantadora. Ele riu alto de um comentário qualquer feito pela maquiadora ou sua assistente e eu girei meu corpo para vê-lo. Seu riso travou como quando desligamos um aparelho e o som emitido se transforma em um eco antes de ser interrompido. Seus lábios duros estavam entreabertos. Ele não acreditava que eu estava ali. Eu não acreditava que ele estava ali.

Ele deu um ou dois passos para trás e Gabriela percebeu a hesitação em seu namorado. Ela sorriu se desvencilhado das mãos ágil da maquiadora e lançou algumas perguntas sobre Vincenzo, que disse-lhe estar tudo bem. Ele já não me olhava e eu não queria que estivesse olhando. Mas algo é inegável: o cheiro dele tomava conta do quarto e era impossível não gostar . Seu perfume nos abraçava, assim como a imagem de seu corpo alto e seguro. Alguns muitos minutos se passaram e eu continuava ignorando-o. Se fosse existir algum contato entre a gente, não seria por minha parte. Ele estava cercado de pessoas atenciosas e espertas, eu não queria colocar a imagem dele em questão.

Numa manobra ousada demais o vi se aproximar de mim e Anthony. Estávamos no canto e então seu corpo estava próximo demais de mim. Meu estômago estava revirado, mas eu sabia que aquilo era natural. Eu não estava me desesperando ou qualquer outra reação similar.

- Tudo certo? – ele perguntou com uma naturalidade incrível.

- Sim. Só alguns retoques e podemos fazer as fotos– Anthony deu uma piscadinha para o homem antes de voltar para as configurações que fazia na câmera e lente.

- E contigo?

A voz de Vincenzo vinha segura em minha direção.

- Tudo ótimo – eu disse com um sorriso inventado.

- Tudo ótimo mesmo? – Como num encontro entre amigos ele pousou seus dedos em meus ombros e apertou minha pele por cima da camiseta. Ele dizia muito através daquele quase carinho.

- Não se preocupe, está tudo bem – eu disse com a mesma segurança que ele usava para falar.

Ainda de forma muito ousada, seus dedos quase escorregaram por meu ombro mirando a pele do meu pescoço. Ele recuou e antes de sair fez questão que seus dedos roçassem os dedos da minha mão. Eu não conseguia decifrar aquilo, mas com certeza ele queria dizer alguma coisa. Tinha algo ali que eu estava louco para saber.

Tudo pronto. Gabriela, como um cabide, fazia o vestido levinho e florido cair perfeitamente em seu corpo. Vincenzo vestia uma calça de linho azul marinho, sapatos casuais e uma blusa cinza de lá fina por cima de uma camiseta simples também azul marinho. Ele estava impecável. Primeiro foram feitas as fotos. Em uma delas ele estava sentado na ponta da cama com as pernas levemente apertas e os cotovelos pousados propositalmente sobre os joelhos. A forma como seu corpo se curvava lembrava nossas noites juntos. Em outra pose ele estava em pé ao lado da grande parede de vidros. Seu pescoço alongado inclinava-se para a paisagem lá fora e seu olhar parecia distante, como alguém que vislumbrava o futuro. Perfeita para estampar a matéria. E então veio Gabriela. Sentada na poltrona de pernas cruzadas na, Vincenzo se posicionou atrás dela, ainda em pé, e deixou sua mãos cair sobre os ombros magros e ossudos da modelo. Ela era a propriedade dele na foto, mas seu olhos estava em mim. Seus olhos miravam os meus enquanto ele a apertava. Ele queria dizer que suas mãos deveriam estar em mim naquela foto. Ele sorriu confortavelmente para mim em pé atrás de Antony e então a foto estava feita. Mais alguns cliques aleatórios e partiram para a entrevista.

Uma série de perguntas sobre seus pais, sua infância no eixo Brasil – Itália – EUA e sobre a administração dos hotéis. Outra série de perguntas sobre o presente e o futuro, a situação econômica brasileira, as previsões de mudanças no sistema hoteleiro e então a pauta relacionamento foi colocada em questão. Ele não falou muito. Estava desconfortável e sabiamente Anna tratou de mudar de assunto. A entrevista foi leve, sem pressões comerciais ou perguntas tendenciosas. Não era uma conversa para qualquer leitor.

Pouco tempo depois Liz e Anna já estavam arrumando seus papeis, Anthony recolhia seu material enquanto eu olhava a cidade através dos vidros. Inevitavelmente eu pensava em tudo que aconteceu ali ou no quarto do apartamento dele, que seguia quase os mesmos moldes. Vi o reflexo de Vincenzo se aproximar, cuidadoso e calculista. Ao meu lado ele tocou meus ombros com os seus, me fazendo vacilar em cima dos calcanhares.

- É bom te ver – ele quase sussurrou.

- É – eu concordei sem muitas palavras.

- Trabalhando para uma revista agora?

- Escuta – eu disse olhando um pouco de lado, ignorando o assunto barato que ele criava. – Por onde você andou?

- Em muitos lugares. Quando eu pensava em voltar, surgia algo que me impedia de viajar.

Sua voz era calma, suave e absurdamente confortável. Eu queria abraçá-lo.

- Muita coisa impediu sua volta – eu disse olhando para trás na direção da modelo deitada na cama, mexendo no celular grande demais para seus dedos frágeis.

- Ela é uma distração.

- Pessoas não servem como distração, Vincenzo.

Ele permaneceu calado por alguns segundos olhando na mesma direção que eu. Não mirávamos nada em específico.

- Senti tanta saudade de você – ele confessou fazendo seu dedinho tocar o meu num carinho discreto e significativo. – Ainda sinto, na verdade.

- Eu também senti e te esperei... – comecei a falar e quase me arrependi. – Eu te esperei até ontem. Hoje eu não sei.

- Mas sente algo por mim, não é?

Ele estava me olhando. Eu conseguia ver seus olhos percorrendo meu rosto inteiro.

- É claro que sinto. Cogitei coisas demais para esquecer em um mês ou muitos meses, nesse caso.

- Desculpe – ele sussurrou.

- Não peça – eu o olhei sorrindo. – Não há motivos.

- Eu viajo em dois dias para Roma e então eu volto para o Brasil.

Eu quase o interrompi, ainda educadamente:

- Vai encontrar uma casa desfeita, um corpo modificado e uma penca de sentimentos complexos demais. Evite isso. Não me procure.

Ele erguia seus dedos para tocar meu queixo em um movimento completamente insano quando Anthony fechou a maleta de equipamentos com muita força. “Está feito” ele comemorou.

Eu e Vincenzo nos afastamentos e ainda nos olhando. Compartilhávamos de um misto de ansiedade, constrangimento e conformidade. Ele ainda dizia muito com os lábios e eu queria dizer tantas outras coisas, dentre elas um pedido para que ficasse, mas aquele não era o passo que eu tinha que dar. Tudo parecia impossível demais naquele momento. Todos saíram e eu fui o último a deixar o quarto. Sorríamos um para o outro enquanto ele fechava a porta vagarosamente fazendo minha imagem sumir pelo vão que se estreitava até que a porta fosse fechada completamente.

Enquanto atravessava o corredor, sorria para tudo que tinha acontecido nos últimos dez meses. Reviravoltas, tristezas, complexidades. Tudo tinha ficado ali dentro daquele quarto junto do homem que eu amei, ou acho que amei. Eu estava feliz por mim, e claro, por ele também. “Era só uma noite” eu disse para mim mesmo.

À minha frente eu conseguia ver uma série de passos esperando ansiosos para serem escolhidos. Na manhã do dia seguinte eu seria outro. Talvez maior, talvez mais maduro. Alexandre tinha me ensinado a viver o agora, mas aquele era o momento de se desprender dessa ideia e viver o amanhã. Viver do amanhã.

.

Fim?

.

.

Obrigado a todos que leram até ao fim e a quem chegou pela metade, mas foi ficando e gostando das minhas propostas. Vocês e seus comentários deliciosos nos incentivam a continuar escrevendo e contando as histórias que ainda não foram contadas. Sintam-se todos abraçados com carinho. Vocês são incríveis!

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Comentários

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J.K, jamais, nem de brincadeira ficaria mal com sua menção. Você deve ter visto que eu apaguei aquele início de conto. Vou arrumá-lo e transcrever toda a parte que ficou apenas na minha cabeça. Prometo. Quer dizer, não prometo muito. Sou geminiano. Sobre este seu conto mencionado, caramba... isso é algo que eu ADORARIA ler, sabia? Particularmente adoro qualquer coisa histórica e não tenho dúvidas que amaria ler esse seu escrito. Pense melhor sobre ele, ok? Obrigado por ler essa coisinha aqui. haha Todos os abraços. Com carinho e tudo!

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Bagsy, você sempre aceita minhas propostas muito bem. E é exatamente isso que eu propus: qual o problema dos finais não felizes? Eu gosto tanto deles que precisei dar uma 'pausa' no conto para que ele tivesse um 'final' diferente do que estamos acostumados. É uma pena você não ter visto no prazo certo, eu me divertiria com sua reação. haha

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EU ainda não acredito que eu não tinha visto que você tinha postado esse capítulo! S, cara, eu não sei nem o que dizer. Que bom que eu não vi o capítulo no dia pq agora eu sei que tem uma segunda parte, temporada, sei lá como você chama. Pq esse foi um final agridoce. Ao mesmo tempo que adorei esse empoderamento do Caio, não consegui superar o fato de que ele não ficou com nenhum dos dois. Fiquei muito mal acostumado sim com os finais felizes hahahaha parabéns pelo conto, vou agora devorar o recomeço. Abraço!

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Jades, comente. Quero saber o que se passa em sua cabeça sobre esse negócio aqui. ;) - AllexSillva, seu comentário é quase uma ordem. haha Pelo menos você gostou. :D - Vitinho, você é novo aqui. Seja bem-vindo e eu espero ter lhe entretido. Todos os abraços! - Pil.lan, tudo é um fim e um recomeço, não é? - Kevina, obrigadoooooooooo! - Marimarinna, eu volto. Eu sempre volto! ;)

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Parabéns!!! Uma das melhores histórias que li por aqui!

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Só não nos deixe órfãos de tuas letras fantásticas. obrigado.

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Sim... fim... tudo tem um fim... e um recomeço.

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Pdv diz q é mentira esse fim? Essa história sem dúvidas foi uma das q eu tive o imenso prazer de acompanhar aqui na cdc, ela tem muito oq render ainda. Parabéns por escrever essa verdadeira obra. Um abraço.

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Nada disso de "Fim?". É claro que você não pode acabar aqui, essa história ainda terá muitos capítulos que eu amarei ler. Não deixe de escrever , isso seria um pecado hahaha

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Vou ler desde o começo depois volto pra comentar direito ... rs

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