Cafuçaria - Nublado (4/5)

Um conto erótico de André Martins
Categoria: Homossexual
Contém 1765 palavras
Data: 23/10/2016 07:21:08
Última revisão: 23/10/2016 08:22:52

Calor.

Eu estava suando. Senti os pés duros, como se tivessem dobrados ao máximo. Mesmo com a quentura, um calafrio passou pela minha coluna, de baixo à cima, arrepiando meus pelos e apagando a minha visão. No meu sonho, não havia correntes me prendendo, porém não conseguia sair do lugar. Acordei assustado, com o peito abafado e ofegante. Senti algo úmido entre as pernas e passei a mão. "Mijei na cama?". Não. Eu tava todo gozado. Afinal de contas, que merda de sonho era aquele? Apesar de praticamente sonhar que estava no inferno, o clima do quarto estava frio e ainda estava muito escuro. Minha cabeça estava zonza e eu não sabia bem o por quê. Olhei ao redor, forçando um pouco a visão e o quarto estava vazio.

- Caralho!? - pensei alto.

Dei mais uma olhada para ter certeza do que estava vendo.

- Fael? - gritei da porta do quarto. - Faeel?

Silêncio. Aos poucos as memórias foram voltando e eu começando a constatar o que não queria: Fael tinha ido embora. Voltei ao quarto e chequei o relógio do celular. Eram dez e quarenta e cinco da manhã. Da janela, vi o céu negro e a ruela vazia. Parecia que tentava pensar em algo fora a ausência daquele cafuçu. "Será que.....", pensava. "BOOOM!", um trovão. Pena... na minha mente já estava tudo mais armado do que a própria tempestade lá fora. Lembrava do que tinha feito e provavelmente o Fael estava acordado e viu tudo o que eu fiz. Viu não, sentiu. Participou e tudo. A diferença é que eu não pedi nada, só fiz. "Fodeu. Sério, de verdade, agora fodeu mais que todas as outras vezes fodidas", minha mente me castigava com vários trovões. Me certifiquei de que ele não estava mesmo em qualquer lugar da casa e deitei na cama onde ele dormiu. Ou melhor, onde eu achei que ele dormia. As mãos coçavam para mandar mensagem, mas ao mesmo tempo não sabia com que cara ia respondê-lo caso perguntasse "tu tava me alisando, viadinho?". Se eu era otário pra tirar vantagem de uma situação daquelas, onde um amigo estava dopado e incapaz, então teria que ser no mínimo decente de ir botar a cara à tapa, já que a merda tava feita. Decidido. Mandei mensagem pra ele perguntando onde estava e se estava bem. Ao mesmo tempo que queria me desculpar, sentia seu cheiro de macho no lençol e o pau já começava a dar sinal de vida. Eu ainda tava molhado pelo sonho que tive e fiquei mais ainda depois da punheta que bati. Era um escravo mesmo. Peguei no sono outra vez.

Rafael não respondeu. Os dias passaram voando, até as semanas, mas nada de resposta. Não sabia onde ele estava e tampouco o via. Ele não aparecia na escola, nas peladas e nem na rua. Lembro que cheguei até a procurá-lo em obras pela favela, mas nada, nem pista. Aquilo começava a me consumir, principalmente porque me sentia o principal culpado por aquele afastamento. Já tinha até planejado que o mais justo ao encontrá-lo seria pedir desculpas por tudo que havia feito, desde o celular trincado até o abuso daquela noite, e ir embora com a minha culpa, pois com certeza ele me odiava àquela altura. "Estraguei tudo", pensava. "Eu estraguei tudo, de verdade". Tudo isso tirava minha atenção das aulas, até o ponto em que comecei a faltá-las. Os dias, por coincidência, eram chuvosos e cinzas, que nem filminho de romance, mas a falta que sentia era de um cafuçu, não de um vampiro. Do meu cafuçu, aliás. O ano se aproximava do seu último trimestre e tudo estava desmoronando ao meu redor.

Além do Rafael, meu pai foi outro que sumiu. Só vivia viajando nas missões da igreja e sequer vinha em casa me ver ou ver minha mãe. Ela, por sua vez, não se fez de rogada e o ameaçou com um pedido de divórcio, fazendo com que ele repensasse seu papel na igreja e os efeitos que isso poderia trazer à sua imagem de marido exemplar. Nessa hora me lembrei daquela frase que diz que por trás de todo grande homem existe uma grande mulher. Minha mãe era essa mulher, mas meu pai era pequeno demais, ao meu ver. Falando homem, nessas horas lembrava do meu, grande por sinal, e de como eu mesmo o afastara de mim. Era ácido pensar nele. Ácido.

Apesar do quase abandono da escola, as boas notas me salvaram da reprovação, mas isso foi por bem pouco. No fim do ano, perto do meu aniversário de 18 anos, meus pais viajaram para São Paulo pela igreja e eu tive de ficar no Rio por conta de uns bicos que fazia pra ter algum dinheiro. Não queria depender deles pra nada, mas isso em partes, pois ainda não era formado e os trabalhos eram temporários. Entre outras palavras, passaria meu aniversário, natal e ano novo sozinho. "Menos mal". Já estava acostumado. Nascer gay em família evangélica te dá duas opções: tentar mudar ou mudá-los. Deixar de ser gay ninguém vai, mas mudar a opinião dos outros é possível. Pena que minha importância pra isso era mais ausente do que o Rafael na minha vida naquele momento, então ia tudo pro ralo.

Dia 24 de dezembro é dia de que? Exato. Parabéns pra mim. Acordei como em qualquer outro dia normal pra um fodido: nublado. Tomei banho como se estivesse morto por dentro e me encarei um tempo no espelho, meio que procurando vida e constatando as mudanças físicas ao longo do tempo, repensando a maioridade. Eu estava mais alto, uma puta barba falhada na cara e mais magro. Já tinha parado com as peladas há um tempo. Duas manchas escuras sob os olhos. "Tá foda". Tomei café e sai pra cumprir meu turno de caixa no atacadão onde bicava. Após o expediente, fui dar uma volta num shopping próximo, logo no comecinho da noite, só pra dizer que havia feito algo de diferente no meu dia. Lanchei, olhei vitrines e procurei pessoas. Estava perdido. Era melhor voltar pra casa, quem eu estava querendo enganar? Rumo à saída, paralisei ao passar na porta do cinema. "Que horas ela volta?". Fiquei intrigado com o nome daquele filme no cartaz. Mais intrigado ainda quando vi que era com a Regina Casé. "Ah, foda-se... melhor que mofar em casa", pensava. Como me deixei levar pelo nome, logo conclui que não tinha nada a ver com o tema da ausência do Fael, mas deu pra matar o tempo com qualidade, o filme é bom. Aliás, ultimamente eu só fazia isso: matava o pobre do tempo.

Sai dali umas dez horas, em baixo de muita chuva e ainda demorei a pegar uma condução. Estava ensopado e só queria chegar em casa, tomar um banho e deitar. Nunca tinha passado tanto tempo num shopping e estava farto de tanta chuva e nuvem. No fundo, estava farto mesmo era de esperar e no fim das contas tudo se tornava irritante. "Maioridade de merda", pensava. Desci. Entrei na comunidade, dobrei minha rua e tornei a subi-la. Com a cabeça longe, andava mirando o chão. Me perguntava como era possível uma família falar tanto de Deus, Jesus e passar o natal e o aniversário do próprio filho distantes. Já estava na calçada de casa quando o portãozinho abriu e alguém saiu pelo corredor, parando quase à minha frente.

- E aí, seu puto? - curto. Firme. A voz um pouco mais grossa.

Era ele. Confesso que não sei em qual ordem escrever aqui nesse momento, porque não sabia pra onde olhar ou como reagir. Ele tirou meu fôlego. Meu ar. Meu pulmão todo.

- Qual foi, cria? - ele me cortou. - Viu o demônio?

Mais alto que eu, talvez uns 1,80. Forte. Era ele, inegavelmente. A barba por fazer, o rosto mais rústico que eu já vi, agora com uma pequena marca de corte em uma das maçãs. Mais sério, mais adulto, mas o mesmo riso sacana de canto de boca. As sobrancelhas grossas e o mesmo olhar intimidador de sempre, de quem veio te cobrar algo que você nem sabe o que é, mas que com certeza deve e muito. Ele estava sem blusa, só com uma jaqueta jeans aberta no meio, o corpo exposto. Os brações estavam de fora e as mãos dentro dos bolsos. Seu peitoral agora tinha mais pelos, mas continuava definido, traçado. Ombros largos. O cordão de prata parecia intocável. A barriga ainda rígida, com os mesmos gomos, mas agora com uma cruz negra tatuada na lateral do oblíquo, aquela famosa descidinha. Falando em descidinha, os pelos sob o umbigo ainda estavam lá. Maravilhosos. E falando em negro... sua cor. Estava em sua melhor forma. Sua bermuda era uma calça camuflada de quartel que foi cortada na altura dos joelhos, mas ainda com os fiapos soltos. Naqueles pés, os mesmos chinelos de velcro. Ali estava meu homem. Meu macho. Meu Fael. A boa e velha posse, lembram? "Onde... tu se meteu?", eu disse. Ou achei que tinha dito, porque só ficou no pensamento. Não encontrei a voz, continuava paralisado. Ele virou na minha direção e veio ao meu encontro, abandonando o degrau onde estava no portãozinho. Aquele mesmo andar de homem que é garoto, solto, livre e cheio de marra. Ver essa liberdade fazia eu me sentir redimido de tudo que havia feito, quase como se não tivesse vacilado com ele, porque afinal de contas ele estava ali na minha frente, do jeito que sempre foi, sem se importar com nada. Livre. Francamente, me pergunto até hoje se esses homens são realmente assim ou se sabem que são observados, porque talvez possa ser isso. Observação. Acho que já deixei claro várias vezes o quanto poderia observá-lo. Será que era um jogo? Aquele andar de cafuçu parou na minha frente. Ele tirou uma das mãos do bolso da jaqueta e, como se ela fosse uma arma, tocou o meio da minha testa com o dedo indicador, levantando um pouco meu rosto e me fazendo olhar na cara dele.

- Tô falando contigo, ô porra! - exclamou.

A cara dele estava séria de verdade. Não lembrava ao certo nem o que ele tinha perguntado, mas precisava falar algo pra cortar o clima pesado que estava começando. Voltei totalmente a mim nesse ponto. "O que tá acontecendo?", perguntei a mim mesmo. Rapidamente veio aquele pensamento da culpa, me lembrando que, afinal de contas, eu tinha nos afastado.

- Onde tu... - comecei a perguntar, mas nem terminei.

- Tu vai me responder ou ficar fazendo pergunta? - ele interrompeu, curto e grosso.

Se havia um jogo, eu havia perdido.

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Comentários

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Capítulo final postado. Deliciosamente grande e feito com muito carinho, espero que gostem tanto quanto eu me diverti ao contar.

Cafuçaria tem um capítulo bônus, mas vou dar um tempo pra vocês se deliciarem bastante. Obrigade pelos comentários e votos! Até!

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Nossa pelo menos esse presente de aniversário valeu a pena....

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Ter que esperar até amanhã pra ler a próxima parte vai ser uma tortura hahaa

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Nossa até q fim ele apareceu e num dia mt bom em... No niver dele

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