A angícia

Um conto erótico de Aparecido Raimundo de Souza
Categoria: Heterossexual
Contém 827 palavras
Data: 11/09/2016 16:07:32
Assuntos: Heterossexual

A Angícia

(*) Aparecido Raimundo de Souza.

(**) Sobre este trabalho

1

QUANDO AQUELA moça bonita e elegantemente vestida atravessou a avenida movimentada e veio em direção à calçada que eu estava, baixou em mim uma espécie de insanidade temporária. Se a minha ânsia pudesse emitir um som, teria explodido uma fileira de taças de cristal que se espatifariam em várias direções ao mesmo tempo. Com a alma superestimulada, deixei que me passasse adiante. O imperativo do momento, daquele exato instante, na verdade, se consubstanciava em unicamente observá-la por trás.

2

De frente, havia visto o que queria. Confesso, achei excepcional. A começar pelos cabelos compridos, os olhos castanhos claros e argutos, as maçãs faciais maquiadas por uma beleza invulgar. Tudo nela resplandecia a um oásis de altivo amor explosivo, desses que quando chega, destrói todas as bases por mais sólidas que possam parecer. Sem falar que, no geral, irradiava uma satisfação sem pudores, um contentamento prazeroso que brotava em abundância, como nascente inesgotável.

3

Ao conferir sua cauda, viajei em tresloucados desejos. De pronto, me imaginei no escurinho de quatro paredes, sorvendo o vinho dos prazeres fáceis, cavalgando estrepitosamente, como Don Quixote de La Mancha, a espada em pé, montado não em Rocinante, melhor que isso, espichado numa confortável cama redonda, sendo sugado levianamente pela sua língua (que num fugaz momento capturei irrequieta em meio a dentes brancos como flocos de neve), com movimentos libidinosos, a ponto de deixar Von Ebner e seus botões gustativos cheios de secretas segundas intenções. Talvez essa minha fome voraz, não estivesse longe de acontecer. Por que não um encontro entre nós? Era o que eu pretendia tornar possível, ainda que todas as limitações se me apresentassem desfavoráveis.

4

Sempre condescendi e, sobretudo, carreguei a bandeira de que em matéria de homem e mulher, amor e sexo, loucuras e desloucuras, prazeres e desprazeres, existe um ponto obscuro. Como um imã poderoso, que atrai os opostos. Se a gente consegue encontrá-lo, o bote à presa desejada se torna real. No meu caso, seria como ganhar o céu inteiro, numa caixinha de presente, com anjinhos executando em suas trombetas eternas, o hino ao amor muna maviosidade musical indescritível.

5

Ter e sentir aquela farfallina, estirada em minha cama, nua em pelo, e eu, em delírio, lhe arrancando a lingerie e aplicando tapinhas carinhosos em sua bundinha elegante (com ares de “me dá um trato de pau”), me levaria a perceber luzes coloridas se acendendo em pleno sol radiante. Sentiria o sangue fervilhando nas veias, numa velocidade inimaginável. Embora passasse um pouco das dezoito horas, me pareceu mezzanotte no restante do mundo.

6

Fiquei tão fora de mim que, em questão de segundos, me acometeu um temporário esquecimento das responsabilidades da vida e das coisas ao meu redor. Num piscar quase imperceptível, meu rosto ostentou uma expressão de perplexidade, me revesti de um abismar idealmente festico e bucólico, como se, de repente, perdido no meio do Antártico, desse frontalmente, de proa, com Belleny diante de estupefato assombro.

7

Quando, enfim, se adiantou de vez, endereçou à minha pasmocidade um sorriso sensório, indulgente, uma contração facial incomparável e marota. Por instantes, me deixou um pouco constrangido. Em outros passos, eu voava no paroxismo de uma tara descontrolada. Ela sabia que o meu tesão subira, como se alavancado por possante macaco hidráulico embutido dentro da calça. O volume triplicou para melhor observa-la pela traseira. Que bunda, que cu! Sem me perder do seu campo ótico, a fofíssima andou uns duzentos metros e caiu para dentro do shopping.

8

Condescendente a seus ímpetos, não só aos seus, aos meus, principalmente, aquiesci. Como um cachorrinho de madame, embasbacado, lequeando o rabinho, não pude me quedar insensível. Levado por um tresloucado desejo, tomado por um querer inconcebível, me flagrei fulminado pela maviosidade excêntrica de seus dotes. De contrapeso, o calor que emanava deles me tirou do sério.

9

Babando a mais não poder, parti com tudo, no seu encalço. Nesse momento, enquanto subíamos pela escada rolante, uma loja de departamentos audiava, a alta sonorização, uma antiga de Elvis Presley, acho que Always On My Mind.

10

Embalado nessa melodia, e sem perdê-la do meu campo ótico, resolvi que naquela noite, excepcionalmente, não compareceria ao trabalho. Por vontade própria, deixaria de bater o ponto as dezenove, aderindo à galera do absenteísmo. Com essa ideia na cabeça, apertei a marcha. Pressuroso, norteei a bússola do meu regozijo nos calcanhares daquela Aicígna maravilhosa. Malandramente voei pegando seu vácuo com todas as passadas que me restavam nas solas dos tênis. Bailei desengonçado, desarticulado, sem simetria, em meneios de Terpsicore, como se dançasse, com a deusa-musa de todos os ritmos, minhas primeiras exultações floridas de um fulgor desconhecido. Baqueado nesse amor, meus picos de energia se reinventariam, impetuosos, até que, altas horas, cansado de tanto me ensurroar da sua comida, extenuado e vencido, me esfalfaria em seu regaço.

(*) Aparecido Raimundo de Souza, 63 anos, é jornalista.

(**) Do livro "Ligações perigosas" Editora AMC-GUEDESRIO DE JANEIRO.

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Comentários

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Delicioso conto! Tem versão em e-book? Parabéns!

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