Amor de Carnaval não Vinga (24)

Um conto erótico de Peu_Lu
Categoria: Homossexual
Contém 6070 palavras
Data: 10/07/2016 22:02:35

“Eu estava numa vida de horror, com a cabeça baixa sem ninguém me dar valor, andava atrás, da minha paz...” (Beijar na Boca, Claudia Leitte).

...

Não sabia dizer se a grama onde estávamos deitados era muito aconchegante ou se já tinha bebido além do limite aceitável. No céu, alguns fogos de artifício remanescentes continuavam o espetáculo, enquanto a maioria das pessoas estava dispersa ou de volta à pista de dança. Ao meu lado, Juliana não conseguia controlar as gargalhadas:

- E se for menino? – provoquei, com a cabeça encostada à dela.

- Para com isso, a gente nem casou ainda e já está pensando no nome da minha prole!

- Vamos ver... Julico! – bradei.

- Nunca! – me beliscou, reprovando – Aí vou preferir que seja menina e se chame Marliana.

- Ou Marciana.

Contorcia-me no chão de tanto rir, enquanto ela batia nas minhas costas. O som distante da batida eletrônica só foi superado por uma voz familiar se aproximando:

- O ano mal começou e vocês já estão nesse estado!

- Amor! Você voltou! – ela comemorou – Me ajuda a bater no Guto, ele quer que nossos filhos sofram bullying pelo resto da vida.

- Filhos? Eu mal tenho certeza que ela vai dizer sim no altar e o assunto aqui já é esse? – ele avaliou um lugar para sentar, sem sujar a calça branca.

- Temos que pensar em tudo, meu caro – alertei – Ou acha que vão ficar morando para sempre naquele apartamento de um quarto?

- A gente vai casar, vocês querem mudar a sede da empresa... Não é informação demais?

- Ai Marquinhos, entra na brincadeira e deita aqui comigo. Não significa que serei mãe agora.

- Eu sei, Ju – ele se rendeu e obedeceu ao pedido da noiva, esparramando-se ao lado dela – É que quando você coloca uma coisa assim na cabeça, já imagino que não vai tirar tão cedo.

- Calma minha gente, não briguem – avisei – É ano novo! Vamos beber e comemorar. Filhos? Sim. Agora? Não! Treinem muito antes do pesadelo de trocar fraldas de hora em hora.

Olhei para o lado sorrindo e só então percebi que estava falando sozinho, enquanto eles se beijavam alheios ao assunto:

- Isso, começa assim! Finjam que o melhor amigo de vocês não existe, desprezem a minha presença e transem loucamente numa festa qualquer de réveillon...

O efeito da frase fez com que as bocas se desgrudassem, e gargalhassem mais ainda, obrigando-me a acompanhar.

- Brincadeira ou não, já sabemos pelo menos quem será o padrinho da primeira das quatro crianças – Juliana recuperava o fôlego.

- Quatro? – Marcos mostrava-se preocupado.

- Para, não estraga o momento do menino! – a namorada o repreendeu.

- Vocês estão falando sério? – ergui o tronco de supetão.

- A gente poderia dizer que é por falta de escolha, mas é porque realmente não poderia ser outra pessoa, Guto – Marcos sorriu.

Sem reação, apenas me atirei em direção ao casal, abraçando-os. Quem passasse por ali certamente denotaria o início de uma suruba, mas era um simples ato de cumplicidade.

- Eu amo vocês – não escondia as lágrimas surgindo.

- A gente também, dindão! – ele me apertava com força – Você é o cara!

- Ok, ok... – levantei-me rapidamente, tentando me recompor e manter o equilíbrio – Vamos agilizar isso aí. Vou voltar pra festa e garantir que ninguém venha incomodar os pombinhos.

Novas risadas juntaram-se às últimas (e insistentes) chamas coloridas no céu estrelado. Deixava-os sozinhos naquele momento, mas nossos laços fraternais cresciam cada vez maisanos depois

Não conseguia dormir. Qualquer coisa que escrevesse no quadro naquele momento seria pura especulação. O efeito do vinho já tinha passado, mas permanecia inquieto. Voltei ao meu quarto e decidi que precisava de uma distração.

Larguei a roupa pelo chão, totalmente preguiçoso, e me joguei na cama. Liguei a televisão e nada interessante chamava a atenção. Parti para uma nova tentativa no Netflix, e fiquei zapeando atrás de algo na lista de indicações do aplicativo. Poucos minutos foram suficientes para que eu me deparasse com algo que não me soava tão desconhecido: Revenge.

“Uma jovem se muda para a nobre Hamptons e encanta seus novos vizinhos ao mesmo tempo em que trama sua vingança por tudo que fizeram contra a sua família”, dizia o descritivo da produção. “Que tipo de pessoa quer começar uma retaliação sem ter assistido essa série?”, recordei o assombro de Gustavo quando revelei o conteúdo do escritório.

- Então era disso que eles tanto falavam – pensei em voz alta, selecionando o primeiro episódio.

Nem preciso dizer que o “só dez minutinhos pra pegar no sono” virou um “meu deus, já estou no sétimo episódio!”. A saga de Emily Thorne tem muito elementos novelescos e frases de efeito que ficam na memória (que acompanha ou já acompanhou sabe do que estou falando), apesar de flertar com o clichê e o exagero na maior parte do tempo. Uma fala da personagem principal, porém, me fez retornar o vídeo para escutá-la novamente:

"Como a vida, a vingança pode ser algo confuso. E ambos seriam muito mais simples se nossa mente pudesse entender qual caminho nosso coração quer seguir. Mas o coração tem seus motivos. Motivos que não sabemos”.

Sem qualquer razão, me vi pensando em Adriano outra vez. Algumas particularidades me ocorriam gratuitamente, como o fato de sermos vítimas do mesmo grupo em ocasiões similares e do desejo mútuo de justiça. “Calma Augusto, o que vocês têm em comum acaba por aí...”, reprimi a divagação.

Olhei para a janela e percebi que o dia começava a raiar. A insônia não cedeu um segundo sequer e sabia que teria um longo dia pela frente. “Maldita televisão”, levantei-me para preparar um café forte.

...

Tomei um banho gelado para despertar de vez, preparei uma garrafa térmica com uma dose extra de cafeína e separei um energético para qualquer emergência. Meu rosto denunciava o estado zumbi, mas a vontade de fechar os olhos não falaria mais alto. Prestes a sair de casa, e tomado pelas ideias da loira ninja, milionária e vingativa, tive uma ideia que poderia me ser útil.

Dentro da minha mochila, encontrei o envelope entregue por Flávio no dia anterior e verifiquei o endereço no documento. “Não é tão longe assim...”, concluí. A aventura poderia ser uma perda de tempo ou um pequeno trunfo. Precisava arriscar.

Segui atento às instruções do GPS até o local indicado. Alguns funcionários estavam chegando, mas a concessionária já estava em pleno funcionamento. Temi não encontrar quem eu queria e passei a achar que deveria ter planejado a ação com mais calma. Tranquei o carro e me dirigi à recepção. Não tardou para que um supervisor viesse ao meu encontro.

Informei que gostaria de trocar o veículo por um mais novo e estava pesquisando modelos e valores. Prontamente, ele me convidou a conhecer o espaço. Os automóveis à venda eram luxuosos, desses que mais servem para ostentar um alto padrão de vida do que para facilita-la. A estrutura da empresa parecia querer acompanhar o estilo do produto: a todo instante alguém vinha me oferecer algo para beber e não se enxergava nada no ambiente que não transparecesse ser muito caro.

Escutava tudo com real curiosidade, mesmo sabendo que não iria gastar dinheiro com um bem não tão necessário naquele momento. Além disso, jamais cogitaria abrir o bolso para o pai de um dos vilões da história. Um encontro seria mais do que suficiente. Olhava ao redor em busca de uma pista, ainda sem sucesso, enquanto tentava entender as características técnicas proferidas pelo vendedor.

Passados quase trinta minutos do suplício de frases decoradas e enfeitadas para que me sentisse a melhor pessoa do mundo, fingi que um determinado modelo tinha me agradado e disse que iria analisar com calma durante o dia. Ele se retirou momentaneamente para pegar um cartão de visita e só então pude constatar que havia um pequeno mezanino na área central da empresa. “Só pode ser ali...”, concluí.

Quando Anderson, o ouriçado empregado, retornou com o número do seu contato, não pensei duas vezes em emendar a despedida com outro assunto:

- O senhor Alberto já chegou?

- Ah, você conhece ele? – parecia surpreso e aliviado por ter realizado um bom atendimento.

- Sim, sou um grande amigo do filho dele.

- Qual dos?

“Que ótimo, mais um com irmãos”, tentei não revirar os olhos:

- O César.

- Gente boa pra caramba. Vou descobrir onde ele está para chama-lo, só um instante.

- Espero não atrapalhar, só queria dar um ‘oi’...

- Sem problemas – me interrompeu – Se desejar, pode esperar naquele sofá ali – apontou enquanto pegava o telefone em um balcão.

Agradeci e sentei-me para aguardar. Discretamente, tirei o celular do bolso e comecei a tirar algumas fotos aleatórias, já elaborando um planejamento. Pouco tempo depois, a figura parruda e intimidante de um senhor apareceu no meu campo de visão. A feição sisuda se desfez quando me levantei para cumprimenta-lo. A minha altura – bastante significativa em relação à dele – parecia incomoda-lo:

- Como vai? – me adiantei apertando a sua mão – Não deve se lembrar de mim. Sou o Augusto, amigo do César.

- Ah sim, claro! – fingiu simpatia e reminiscência – Desculpe-me, são tantas pessoas passando aqui diariamente que não sou capaz de memorizar rostos.

- Não se preocupe. Fiz alguns semestres de faculdade com ele e fazíamos muitos trabalhos juntos na sua residência – mais uma mentira deslavada.

- E como andam os estudos? – parecia encontrar um modo de prolongar o falso assunto.

- Na verdade desisti do curso e foquei em outra carreira, mas sempre nos falamos. Foi ele, inclusive, quem me indicou a sua concessionária quando disse que iria comprar outro carro.

- Já está se preparando para assumir os negócios – riu de um jeito descompromissado.

- Podemos tirar uma foto para eu enviar para ele?

- Claro, claro... – se aproximou para uma pose.

Passei o celular para o vendedor, entreguei uma alegria forçada e concretizei o meu pequeno gesto cara de pau.

- Bom, desculpe interromper o seu expediente. Só queria felicita-lo pela empresa. O atendimento é muito bom e as instalações são excelentes – inventei um pretexto qualquer para justificar a sua presença.

- Fico muito feliz, e não é incômodo nenhum. Quando decidir pelo carro, pode me procurar novamente.

- Asseguro que será muito em breve.

A declaração parecia deixa-lo mais a vontade. Anderson sorria de orelha a orelha, provavelmente imaginando a comissão que ganharia pela hipotética venda. Mais uma vez forçando uma afeição irreal, me despedi alegando estar atrasado para o trabalho. Triunfante, retornei ao meu veículo com uma poderosa arma em mãos e a mente fervilhando com as possibilidades oriundas da minha audácia.

...

Estava tão afoito que, ao entrar no escritório, tencionei enviar a foto para César. Queria reforçar a ameaça de que ele teria muito a perder, mas me contive. A foto tinha ficado boa demais para usa-la sem um delineamento mais específico. Não tinha certeza até onde teria ido a insistência depois da declaração de Adriano. No momento certo, ela seria utilizada.

Deixei o assunto um pouco de lado e voltei ao trabalho. Na metade final da manhã, porém, recebi uma mensagem um tanto intrigante de Marcos, perguntando se poderíamos almoçar juntos:

- “É algo importante e urgente, mas não conta nada pra Juliana” – completou.

- “Posso, claro” – apressei-me em responder – “Me fala o local que te encontro lá”.

Ele sugeriu um restaurante não tão afastado da empresa, mas distante o suficiente para passarmos despercebidos. Combinamos um horário e disse que logo estaria a caminho. Aquela frase não saía do meu pensamento, e comecei a fazer diversas suposições. “Será que eles estão se separando?”; “Será que ele está traindo ela?”; “Pode ser sobre o Gustavo”... As mais bizarras teorias me ocorriam, e nenhuma delas tinha um desfecho feliz. Comecei a ficar angustiado.

Para piorar, são nesses momentos que as horas passam mais devagar. Pouco antes do meio dia, resolvi adiantar a minha saída, na esperança de desvendar o mistério o quanto antes. Não avisei a ninguém para onde estava indo, nem que horas retornaria. A depender do assunto, o encontro poderia render mais do que o previsto.

Fiz o trajeto bastante desatento à direção e ao tráfego. “Ele só deve estar inseguro com o namoro do cunhado, com certeza é isso”, ratificava a todo instante. Chegando ao local acertado, o avistei numa mesa afastada. Sua feição abatida e de olhar perdido desfez qualquer expectativa por boas notícias. Sem alarde, sentei-me, anunciando a minha chegada.

- E aí? – pareceu acordar de um transe e tentou se alegrar – Tudo bem?

- Depende. Sua cara já me deixou seriamente preocupado. O que houve?

Antes que pudesse responder, um garçom veio nos entregar o cardápio. Nervoso, pedi o nosso almoço, algo forte para beber e instruí que trouxesse tudo de uma vez, quando estivesse pronto. O funcionário compreendeu que não queríamos ser importunados e se retirou. Marcos voltou a ficar sério.

- Só me diz que não se trata de outra pessoa no meio, por favor – suspirei.

- Hein? Como assim?

- Sei lá, do jeito que você tá agindo só consigo imaginar que está tendo um caso.

- Cala a boca, Augusto! Eu amo a minha mulher, jamais faria qualquer coisa do tipo com ela.

- Desculpa, não queria ofender. Foi a tensão da situação – queria bater na minha cara em represália – É sobre o Guga? Alguma coisa está te deixando incomodado? Pode falar, cara.

Meu amigo estava alheio a todas as minhas investidas e seus olhos começaram a marejar:

- A Ju... A Ju não pode ser mãe, Guto.

Prendi a respiração. Jamais idealizaria qualquer coisa próxima daquela declaração.

- Fui pegar os exames hoje, porque ela estava muito atarefada, e o médico conversou comigo. Ela não pode engravidar.

- Mas... – custava a aceitar – É o sonho dela.

- Eu sei. Sempre quis ser pai, mas acima de tudo, só queria dar esse presente pra ela.

Marcos começou a chorar pra valer. Sem chão, me levantei e fui ao seu encontro para reconforta-lo. Aquela informação iria sacudir todas as estruturas familiares deles. Sem que ele percebesse, fiz um sinal para que o garçom trouxesse um copo d’água, o qual atendeu prontamente. Quando conseguiu se acalmar um pouco, voltei ao meu lugar, pesaroso.

- A gente já tinha decidido que seria nesse ano e ela ficou muito abalada por não ter dado um neto à mãe. Aí começamos a tentar, mas não tava rolando de jeito nenhum. Sabia que o estresse e o ritmo de trabalho poderiam influenciar, por isso resolvemos procurar um especialista para saber o que poderia estar acontecendo.

Entre uma frase e outra, ele passava a mão nos olhos vermelhos, se esforçando para não deixar transparecer a tristeza.

- Quando partimos para a fase dos exames, ela já estava bem agitada. Passei pela humilhação de ficar batendo punheta uma manhã inteira dentro de um consultório, para encher um pote com esperma, mas não estava nem aí. Só rezava para o problema ser comigo, mas não era.

- Qual o impedimento, efetivamente?

- Não sei explicar precisamente. Algo com o útero dela. Não é impossível, clinicamente falando, mas é bem difícil acontecer. Disse que poderíamos tentar alguns tratamentos, mas sugeriu não criar expectativas em torno disso.

- Vocês podem buscar uma segunda opinião. Sempre existe uma alternativa.

- Nesse momento eu só penso em como dar a notícia. Não sei nem o que dizer.

- Calma, não precisa falar nada agora.

- Ela sabe onde eu estava. Vai me cobrar isso pela noite.

- Inventa alguma coisa. Acho que você precisa assimilar melhor as circunstâncias e quando estiver mais tranquilo, conversar sobre o tema. Ela vai precisar do seu apoio, Marquinhos. Existem diversas soluções, talvez seja uma questão de amadurecê-las.

- Não consigo prever como ela vai reagir.

- Como todas as outras mulheres na mesma situação. Provavelmente vai se sentir destruída, vai chorar muito... E você vai segurar forte na mão dela e mostrar que são capazes de passar por isso, juntos.

Marcos ficou cabisbaixo, encarando os talheres solitários na mesa.

- Ei... – chamei sua atenção – Ânimo. Estamos aqui para ajudar. Não se culpe por isso. Vocês dois são um casal incrível e cheio de disposição. Tenho certeza que um laudo médico não será capaz de arruinar o sonho de ter uma casa cheia de crianças. Acredite em mim.

- Obrigado, Guto. Tem razão, é melhor preparar o terreno do que jogar uma bomba sem aviso prévio.

Sorri, concordando. O almoço chegou e o garçom posicionou os pratos e as bebidas. Dei um gole generoso, tentando assimilar melhor as informações. Por mais que abrandasse o possível comportamento da minha amiga, sabia que aquilo teria um efeito devastador nela. Seria preciso mais do que um ombro solidário para consolar o seu instinto materno.

Continuei mastigando taciturno por alguns minutos, até emendar outro tópico para distrair o meu companheiro de mesa.

...

Voltei atordoado para o escritório. Da minha sala, conseguia enxergar uma animada Juliana conversando com alguns funcionários. A cena me entristeceu, a ponto de cogitar ir ao seu encontro para dar um abraço, mas precisava respeitar o momento deles. “Tempo ao tempo, Augusto...”, concluí.

Na metade final da tarde, mergulhado no meio de códigos intermináveis do bendito aplicativo que estávamos desenvolvendo, recebi mais uma mensagem instigante no celular, dessa vez do garoto atraente:

- “Desculpe incomodar, mas você disse que eu poderia falar se tivesse algo novo...”.

A maneira ressabiada como ele procurava introduzir alguns assuntos tinha algo de cativante:

- “Não é incômodo nenhum. Aconteceu alguma coisa?” – respondi.

- “Comigo não. É que escutei uma conversa hoje na faculdade e acho que ela pode estar relacionada com ‘aquele’ grupo”.

- “Em que sentido?” – estranhei.

- “Acho que pode trazer informações relevantes, mas prefiro não escrever...”.

“Como assim?”, tentei entender o temor da conversa virtual. “Será que ele ainda acha que estou tentando torna-lo cúmplice da gangue?”.

- “Tudo bem, quer marcar um encontro? Hoje?” – voltei a digitar.

- “Pode ser. Naquela mesma cafeteria? Umas sete e meia?”.

- “Fechado! Saio do trabalho e vou direto pra lá”.

- “Beleza. Até mais tarde então...”.

Reli a troca de mensagens e fiquei intrigado com o desdobramento do conteúdo. Adriano parecia aflito, muito conciso nas palavras. Prestes a analisar algumas hipóteses, fui surpreendido pela aparição de Flávio na minha porta:

- Visita rápida só pra confirmar nosso esquema – entrou sem cerimônia – Tudo certo pra hoje?

- Que esquema? – franzi a testa.

- Nossa reunião, vingança, novos planos, a caçada continua...

- Puta merda, não lembrava... – “Maldita memória”, ralhei com o meu inconsciente.

- Ah não, nem me venha com a sua enrolação! Cancelei um jantar com Guga hoje por sua causa. Tive que inventar uma mega desculpa, e se ele descobrir vai me matar.

- Vamos fazer assim – tentei encontrar uma brecha ligeiramente – Pode ser um pouco mais tarde, umas oito e meia ou nove horas, lá no apê?

- Claro! Eu levo a cerveja!

Agradeci novamente a disponibilidade, já decidido a comprar uma agenda, tamanha quantidade de coisas se atropelando. Minha primeira atitude foi avisar a Gustavo que não iria para a natação naquela noite. Sempre que nos encontrávamos para a aula, ele voltava comigo. Se esquecesse, corria o risco dele ficar na mão.

Alerta feito, passei a estudar o que fazer com o primeiro encontro. A ajuda de Flávio era mais do que bem-vinda, mas a informação de Adriano poderia ser essencial. Tempo passou a ser uma preciosidade, e não estava disposto a abrir mão de nada. Peguei o celular e retomei a última conversa:

- “Estou com um problema. Terei uma reunião em casa mais tarde e creio que o período de ambas podem se chocar...”.

Uma possibilidade me ocorreu, mas a réplica chegou antes que pudesse continuar a digitar:

- “Prefere remarcar para outro dia?”.

“Se for importante, você já poderá criar algo novo com Flávio”; “Ele pode até participar, se for o caso”; “Não, é melhor deixar essa história em segredo por enquanto, você mal conhece o menino”; “Ele tem mais a temer, é o seu território”... Uma profusão de vozes tentava me convencer dentro da cabeça:

- “Se importa se nos encontrarmos no meu apartamento?”.

Só depois de enviar me dei conta de como aquilo soou estranho. “Que pergunta é essa?”. De repente, me peguei alvoroçado para fundamentar o pedido:

- “Digo, é por uma simples questão de ajuste de local. Ficaria mais fácil para conciliar as duas coisas”.

Inexplicavelmente, a demora do posicionamento me deixou mais apreensivo:

- “Vou entender se for um empecilho. Podemos achar outro meio...”.

Antes de terminar, a tela do celular já tinha mostrado uma nova notificação:

- “Tudo bem, me passa o endereço”.

Apaguei a frase mal formulada e sorri aliviado. Enviei a localização e confirmei o horário.

- “Minha aula termina antes das seis. A depender do trânsito, creio que chegue um pouco antes”.

- “Não tem problema. Vou ligar para a portaria do prédio e avisar”.

Adriano concordou e não falou mais nada. Fiquei me perguntando se não estava criando uma permissividade exagerada, mas eliminei qualquer indício de intimidade ao constatar que também já estivera na sua residência. E pior, com o simples intuito de partir para a violência física.

Talvez a minha atitude pudesse reforçar o momento “bandeira branca” e coroar a aliança contra a Liga do Mal. Pelo menos, era o que procurava assegurar ao meu âmago.

...

Voltei mais cedo para a minha residência. Não sabia dizer qual tinha sido a última vez que fiquei tão ansioso por receber alguém. É verdade que a alta rotatividade de homens, nos tempos áureos de abatedouro e sexo casual, já deveria ser tema das reuniões de condomínio, mas a situação era diferente. Blindava a expectativa sob o pretexto de deixa-lo o mais confortável possível para falar o que quisesse, mas nem eu engolia a balela. De alguma forma, queria impressiona-lo.

No fim das contas, Adriano ultrapassou o estipulado em alguns minutos. Foi o suficiente para eu tomar um bom banho e pedir algo para comer. Quando o porteiro anunciou a sua chegada, reavaliei o estado da sala e se estava apresentável. Senti-me um adolescente idiota ao me encarar uma última vez no espelho.

Abri a porta para recepciona-lo e, assim que surgiu, se apressou em esclarecer o atraso:

- Desculpe a demora. Esqueci a carteira em casa e precisei pegar um metrô.

- Não faz muito tempo que cheguei também – menti, convidando-o a entrar.

O agente duplo olhava o espaço com curiosidade, sem saber exatamente qual direção seguir.

- Pode deixar a mochila ali no sofá, se preferir.

Ele organizou os pertences em uma poltrona, junto com um tubo de projetos, desses de trabalhos de arquitetura, que carregava no ombro.

- Tomei a liberdade de pedir algo para comer, espero que não se importe.

- Obrigado, não precisava – sentou-se encabulado.

Seu semblante parecia querer comentar sobre algo, mas mantinha-se calado. Aconcheguei-me em uma cadeira próxima e, antes que o silêncio constrangedor imperasse, comecei a conversa:

- Então... O que sabe de tão importante?

- Hoje pela manhã estava conversando com um amigo sobre uma festa na faculdade, um evento tradicional que rola todo ano e os veteranos organizam. No meio do papo, outro colega de classe se intrometeu, assegurando que assim que confirmassem a data, iria fazer as encomendas. Ambos riram e fiquei sem entender a razão.

Compartilhei do mesmo sentimento, sem dar o braço a torcer.

- Mais tarde, saímos para almoçar no próprio restaurante da USP – prosseguiu – E ousei perguntar o que seriam as tais “encomendas”. Ele pareceu chocado por eu não ter entendido a expressão, olhou para os lados e se aproximou para falar mais baixo. Só então compreendi que se tratava de drogas.

- Que tipo de drogas?

- É muito comum você presenciar alunos fumando maconha em alguns locais mais afastados. Nesse caso, aparentemente, existe um esquema mais elaborado de fornecimento, com cocaína, ecstasy e todo tipo de alucinógenos. Pelo que entendi é algo que vai muito além do conhecimento da reitoria.

- Uma rede de venda de substâncias ilícitas, é isso?

- Não sei qual a extensão. Ele continuou o assunto sem cerimônias e disse que, caso também tivesse interesse, poderia me passar o contato do ‘Repetente’.

- Quem?

- Fiz a mesma pergunta, e o meu colega respondeu que era o cara que cuidava dos ‘negócios’, um estudante de administração bastante conhecido. Ele não sabia o nome verdadeiro, mas me mostrou a foto.

Arregalei os olhos, juntando as peças do enigma:

- Cláudio?

- Exatamente. Tentei disfarçar e disse que o conhecia de vista. Avisei que iria pensar a respeito e se tivesse afim, pedia o número dele.

- Ele é um traficante?

- Não tenho certeza. Pensei nisso a tarde toda. Existe uma brincadeira entre eles sobre o fato de Cláudio não gostar de estudar. Ele é o mais velho do grupo, e nem chegou à metade do curso.

“O Repetente...”, fiquei refletindo o apelido:

- Ele atrasa a formação propositalmente para manter o comércio?

- É uma boa dedução.

“Aula? O que é isso?”; “Fique na sua que a encomenda já tá chegando”; “Meu amigo, se ele aparecer aqui, coloco a boca toda atrás dessa putinha”... Comecei a relembrar diversas frases do histórico e um temor genuíno passou a crescer dentro de mim:

- Meu deus... É pior do que imaginava.

- Preferi contar pessoalmente, porque tenho medo dessas informações caírem em mãos erradas.

- Fez bem, todo cuidado é pouco.

Ainda tentava organizar os eventos, quando escutei o interfone tocar. Pedi licença, supondo ser o jantar, mas levei um susto ao escutar uma solicitação de liberação para Flávio.

“Puta que pariu!”, olhei para o relógio e averiguei que ele tinha se adiantado. Acuado, voltei correndo para a sala e avisei a Adriano que a minha segunda reunião estava prestes a começar.

- Ah, desculpa – levantou-se apressado, surpreso pela interrupção necessária – Eu só queria te falar isso, já estou de saída.

Não sabia o que fazer e nem tinha maturado a eventualidade de um encontro a três. O meu braço direito já tinha ciência da maior parte dos episódios, mas abrir aquilo seria escancarar uma quase totalidade dos acontecimentos. Como sempre, o meu lado impulsivo falou mais alto:

- Espera... Fica – impedi que ele alcançasse a bagagem – Talvez seja do seu interesse participar também.

- Como assim?

A campainha tocou, fazendo-me estremecer. Queria prepara-lo e explicar todo o contexto, mas não teria tempo para isso.

- Confie em mim.

Respirei fundo e caminhei para abrir a porta.

...

Servi a comida chinesa que chegou pouco tempo depois e sentamos todos à mesa. Só então consegui situa-los:

- Flávio esse é Adriano, um amigo. E Adriano, esse é Flávio, que trabalha comigo na empresa.

Ambos se cumprimentaram rapidamente.

- Desculpa chegar antes da hora. O Guga me pediu para pega-lo na natação porque estava sem carro e acabei ficando ocioso. Não sabia que estava ocupado.

- Relaxe... Acho que vamos acabar falando sobre o mesmo assunto.

Meu colega de trabalho me olhou com um ar de dúvida, obrigando-me a abrir o jogo:

- Bom, antes de começar, vamos precisar confiar uns nos outros. Também agradeço se tudo que for dito aqui fique somente entre nós. Isso significa deixar Gustavo de fora, pelo menos por enquanto – apontei para o loiro à minha direita, que concordou prontamente.

Ao notar que falávamos do seu conhecido de faculdade, Adriano não escondeu a inquietação.

- Flavinho, assim como eu, o Adriano também é uma vítima da Liga do Mal. Aconteceu da mesma forma e ele provavelmente foi o primeiro a cair no golpe.

- Conheço a sua história por alto. Cara, eu lamento muito.

O garoto atraente estava cabisbaixo, sem saber o que dizer. Senti-me irresponsável por evidenciar a vida de outra pessoa sem a sua autorização, mas não enxergava outra saída:

- Flávio é um amigo de longa data e está me dando uma força com aquilo que te falei. Graças à ajuda dele, por exemplo, o Júlio está preso.

O feito parecia deslumbrar o mais novo integrante.

- Acho que temos o mesmo objetivo aqui: precisamos encontrar um jeito de incriminar os outros três membros da corja.

- Ele também vai participar da empreitada? – meu funcionário inqueriu.

- Se assim desejar... Só para resumir: Adriano conhece todos e finge fazer parte do grupo. Ele está me abastecendo com algumas informações importantes – preferi omitir a parte de como havíamos nos conhecido, algo que já tinha deixado de fora desde o primeiro relato, feito dias antes.

- Uau, que coragem hein?

O dissidente abriu um sorriso tímido, ainda que não conseguisse proferir uma frase completa, tamanho deslocamento. Enquanto comiam, atualizei os dois de toda a cronologia até o presente momento. Contei os detalhes da queda e retorno de César, o que Adriano sabia sobre Alexandre, a minha visita matutina à concessionária do senhor Alberto e a surreal ocupação de Cláudio. Nada escapava aos nossos ouvidos.

Empolgado, peguei um tablet e comecei a anotar todas as ideias que começavam a surgir. Vez ou outra, Adriano assustava-se com a naturalidade dos assuntos abordados e o quão mirabolantes poderiam ser os nossos pensamentos:

- A foto com o pai foi uma boa sacada, mas não use essa carta agora. Pelo que você tá falando, ele parece temer alguma revelação pública e vai segurar a onda para manter a discrição. Por outro lado, precisamos descobrir até onde ele deu com a língua nos dentes. Não sabemos o que disse para os outros, ou quando pretende falar – o crânio da equipe divagava.

- Você poderia contratar um detetive particular para segui-lo – um sussurro inseguro de Adriano se fez audível – Ele conhece o seu carro e sabe como chegou até ele. Um profissional poderia comprovar se o cotidiano inclui algum histórico de encontros com os demais.

- Boa ideia. Posso pesquisar pessoas de confiança para fazer isso, sem que você precise se envolver – Flávio parecia surpreso com a astúcia do convidado.

Não escondi a admiração ao constatar que o novato estava mais solto e participativo.

- De todo modo, acho que o próximo alvo obrigatoriamente precisa ser Cláudio – meu empregado se adiantou.

- Ué, por quê? – estranhei a teoria de seguir uma ordem de alvos.

- Se todas essas hipóteses sobre o envolvimento dele com drogas e coisas do tipo forem verdadeiras, estamos falando de uma pessoa muito perigosa – continuou – Se alguém cair antes, ele pode sacar o que está acontecendo e se proteger de todas as formas possíveis.

- Não tinha parado para analisar por esse ponto de vista – assenti.

- Vamos raciocinar: o líder do grupo com certeza é Alexandre, concordam? Ele cria os eventos, reúne a equipe e parte para a ação. Mas quem consegue todas as substâncias para colocar nas bebidas e dopar as vítimas?

- Faz sentido – o principiante sentia-se mais entrosado.

- A gangue perde todo o impacto e a logística dos seus ataques sem o elemento que torna todos eles possíveis – explanava em voz alta.

- Em contrapartida, concentrar a nossa energia nesse alvo significa afirmar que este talvez seja o plano mais arriscado de todos – o Nolan da história alarmou...

- Acho difícil fazer isso sem envolver a polícia. Ele pode ser barra pesada – enquanto o recém-convocado mirava os pormenores.

- Não disse que desdenharemos da participação das autoridades. Mas só vamos acioná-los quando tivermos material suficiente em mãos – avaliei.

- Precisamos confirmar todas essas teorias. Ninguém sabe onde mora, como age ou se sustenta. Estamos presos demais ao campo das suspeitas – meu comparsa afinava o pensamento mútuo.

- Decidido então. Próxima etapa: A queda do Repetente – bati na mesa, entusiasmado.

...

O papo prosseguiu animado durante a madrugada. A reunião tinha sido mais produtiva do que o esperado e muitos direcionamentos poderiam ser trabalhadas. A cerveja já tinha acabado e, movido pelo cansaço, Flávio disse que iria embora. Adriano aproveitou a deixa e fez o mesmo anúncio, alegando ter aula cedo.

- Eu te levo – me prontifiquei.

- Não precisa, peço um táxi – recusou a oferta.

- Posso dar uma carona também – o loiro se espreguiçava.

- Relaxa Flavinho, somo quase vizinhos de bairro e é um pouco contramão do seu trajeto. Você já está dormindo em pé.

- Agradeço a atenção dos dois, mas vou dar um jeito.

- Até onde eu sei, alguém esqueceu a carteira. Voltar andando uma hora dessas é bastante perigoso.

A feição desconfiada do meu amigo programador me fez entender que estava insistindo demais na oferta. Felizmente, o garoto se deu por vencido. Peguei a chave do carro e partimos para o elevador. Um silêncio embaraçoso reinou absoluto durante a curta viagem (que, aliás, sempre parece ser interminável) e nos despedimos de Flávio antes de seguir para a garagem. Adriano colocou os pertences no banco traseiro, se ajeitou acanhado e aguardou que eu acionasse o automóvel.

As vias estavam desertas e calmas. No caminho, resolvi quebrar o gelo:

- Não queria parecer teimoso com a carona. Na verdade queria me desculpar por ter revelado a sua história para o Flávio.

- Ah... – fez um olhar compreensivo, evitando desvia-lo da rua – Não tem problema. Em algum momento isso ia acontecer.

- Mas garanto que ele não vai contar para ninguém. É um segredo bem guardado.

- Nem para o Gustavo?

- Não, mas se quiser ir adiante e fazer parte disso, cedo ou tarde ele vai ficar sabendo.

- Entendi – deu um breve sorriso.

- O que foi?

- Nada...

- Quer perguntar alguma coisa?

- Não é isso... É que imaginava que vocês fossem namorados.

- Hum... É uma longa história, mas não. O Flávio é o namorado do Gustavo, que é irmão da minha sócia. Eles são praticamente uma família para mim.

- Parecem ser ótimas pessoas.

- E são. Devo muito a eles.

Voltamos a ficar calados por um breve momento, e aquilo era aterrorizante:

- Adriano... – retomei – Não se sinta obrigado a agir nem tomar partido de nada. Agradeço de verdade a sua ajuda, mas saiba que tudo isso é bastante arriscado.

- Eu sei. Quer dizer, eu acho – as sobrancelhas voltavam a arquear de uma maneira irresistível, gesto que sempre acontecia quando tentava se justificar demais – De alguma forma, hoje comecei a pensar que talvez a sua ideia possa funcionar. E sei lá, é sempre bom se sentir incluído. Prefiro acreditar que estamos fazendo a coisa certa.

- Estamos sim – fiz a última curva para a sua rua, suspirando – Bom, chegamos.

- Obrigado por me trazer, e por contar tudo. Não queria dar esse trabalho – ele destravou o cinto de segurança, enquanto sinalizava a parada do veículo.

“Você já está me dando um trabalhão, garoto”, fitei o seu olhar sem saber o que expressar ou como lidar com aquela sensação que estava me domando. Nervoso com a mudez desconfortável, ele precipitou a saída, me acordando de uma infinidade de pensamentos:

- Preciso ir... – desceu apressado, bateu a porta e entrou no edifício.

Aturdido e completamente desconcertado, voltei a acelerar. Com o movimento causado pela manobra, logo na primeira esquina, escutei algo virando no banco de trás. “A mochila!”, constatei pelo retrovisor. Pensei em ligar para o seu celular, mas já que estava tão perto, decidi retornar. Arrodeei o quarteirão, estacionei o carro e fiz um sinal para o porteiro:

- Acabei de deixar o Adriano aqui e ele esqueceu algumas coisas no carro. Posso entregar?

O zelador ligou para o apartamento e autorizou a minha requisição. Adentrei o elevador e apertei o andar desejado. Assim que a porta abriu, notei que já era aguardado no hall de entrada:

- Nossa, foi mal. Saí apressado e aéreo. Sou meio relapso para essas coisas – estava totalmente envergonhado.

- Sem problemas – entreguei os pertences e voltei a ficar travado – Hum... Até outro dia.

- Obrigado mais uma vez – esperou eu retornar para a cabine.

Não dava mais para fingir. Meu coração estava acelerado e minhas mãos molhadas de suor. Direcionei o dedo para o botão do térreo e só conseguia visualizar Marcela na minha frente:

“Aproveite essa situação e se abra logo para novas experiências, Guto”; “Você nunca vai descobrir se não tentar, é simples assim”.

- Espera! – segurei o movimento da porta se fechando.

- O que houve?

Foram necessários dois passos. Dois simples passos para abrir mão de uma série de medos, filosofia de vida, pensamentos rancorosos e dúvidas. Dois passos decisivos para puxa-lo e iniciar um beijo. Um beijo que começou trêmulo, mas logo se acalmou ao notar a suavidade dos lábios que encontravam. Um beijo demorado, que parecia descarregar ondas de choques no meu corpo, a ponto de sentir as pernas bambearem. Há muitos anos não sentia algo similar e parecia ter dezenove anos novamente.

Inclinava a cabeça para sanar a leve diferença de altura, mas isso estava longe de ser um problema. Massageava a sua língua com carinho e, com a mão no seu pescoço, sentia o forte palpitar das suas veias. Um beijo com alguns meses de atraso, mas que talvez estivesse acontecendo na hora certa.

Poderia ficar uma eternidade ali, mas uma voz rouca me fez dar um salto para trás:

- Adriano? – o chamado se aproximava do acesso ao apartamento – Filho, é você?

Corri de volta para o elevador enquanto ele me encarava, sem acreditar no ocorrido. Nossa troca de olhares só foi encerrada quando a descida se iniciou. Vislumbrei o meu reflexo na parede de alumínio e me peguei com um sorriso no rosto. Algo me dizia que ele demoraria um bom tempo para se dissipar.

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Incrível. Merece virar um livro. Só não demore tanto...

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