Vamos Nós Três - Parte 20

Um conto erótico de calango86
Categoria: Homossexual
Contém 2644 palavras
Data: 03/04/2016 04:01:13

PARTE 20

Estático, congelado na frente da porta, sentia as paredes da sala trotando ao meu encontro, velozes e ameaçadoras. Como num sonho onde você cai de um penhasco e acorda com vertigem, a certeza da queda girando na cabeça. Não restava nada além da sensação claustrofóbica de estar confinado em um cubículo apenas com meu segredo. E eu estava a um passo de demolir esses muros somente com uma frase. “Eu sou gay”.

Suando frio nas mãos, que se abriam e fechavam em mais um dos meus cacoetes de nervosismo, eu criava coragem para articular essas três palavras. De repente, apresentar um trabalho de literatura na frente de toda a sala, um dos meus maiores medos, parecia mais fácil do que abrir a boca por dois segundos e acabar com aquela enganação. Enquanto buscava alguma maneira impossível de contar sem chocá-la tanto, a Alexia, com uma expressão intrigada e impaciente no rosto, tomou a frente e falou:

– Eu também tenho algo pra dizer, bem.

Silêncio. Por essa eu não esperava. Caminhei até o sofá e me sentei, com a impressão de ter feito isso em câmera lenta. Olhei para o tapete por um instante, o olhar passeando pelas linhas curvas que pareciam ondas do mar estilizadas. Quando levantei a cabeça, a Alexia estava na minha frente e, mãos apoiadas nos meus joelhos, se abaixava para me dar um beijo.

– Quem conta primeiro? – ela sussurrou no meu ouvido quando nossas bocas se descolaram, causando um arrepio que era mais de medo que de excitação.

Devíamos nos beijar pouco antes de eu falar que era gay e que queria terminar o namoro? Não, definitivamente. Mas eu fui pego em um redemoinho e não havia nada a fazer além de agir no piloto automático, tentando me agarrar a qualquer coisa que me impedisse de ir pelos ares.

– Damas primeiro... – e tentei rir, imaginando o quão idiota eu devia parecer por ter falado aquilo naquele momento.

Ela se sentou ao meu lado e pegou minha mão. O dedo deslizando pelo anel de compromisso, fazendo-o girar e se deslocar para cima e para baixo. Enquanto brincava de retirar e colocar o anel novamente em meu dedo, ela falou:

– Eu sei que ainda não faz um ano, e nem meio ano. Mas você sabe como eu gosto do número quatro, então...

“Tá de sacanagem comigo”, pensei, finalmente entendendo o porquê daquela visita súbita, sem avisos. Naquele dia completávamos quatro meses de namoro. Eu tinha esquecido. Também não havia lembrado no quanto a Alexia era romântica e atenta a datas. Tentando esconder minha surpresa, disse sem pensar e soando o mais clichê possível:

– Nossa... Como o tempo voa, né? Parece que foi ontem que começamos a namorar – e dei um beijo no canto da sua boca.

Não era o que ela esperava escutar, claro, porque recebi um olhar de decepção por ter falhado em me declarar. Ainda assim, alheia à minha falta de romantismo, ela retirou do bolso aquilo que devia ser a razão de sua presença. Uma fitinha preta com o desenho de um olho grego, que ela amarrava no meu pulso enquanto falava:

– Como eu não sou obrigada a nada, não vou esperar o dia dos namorados para te dar um presente! Comprei essa lembrancinha em uma barraca hippie lá na torre de TV – e ajeitando a pulseira de tecido, continuou. – Dizem que esse símbolo afasta a inveja e o mau-olhado, coisa assim. Espero que sua mãe não pense que é de macumba!

Olhando para a fitinha e depois para o rosto da Alexia, sorri. Sorria, mas por dentro me sentia desolado ao ver que a possibilidade de fazer a confissão ficava cada vez mais longínqua. O Eduardo que se fazia de heterossexual via o Eduardo assumido do outro lado de uma planície descampada, mudo e distante. Não faço ideia do que ela viu em meus olhos enquanto estávamos sentados ali, mas seu tom de voz ficou mais baixo quando tentou se justificar.

– Du, eu sei que é um presente bobo, baratinho, e tals... Só queria que você soubesse que penso em você não apenas nessas datas. Você tá sempre aqui e aqui – e apontou para a cabeça, desviando o dedo para a altura do coração em seguida. Rindo, completou. – A brega-mor, eu sei! Mas, agora, sempre que você olhar pra essa pulseira vai se lembrar desse meu gesto de novela mexicana. Haha

Sem saber o que falar e temendo que começasse a chorar na frente dela, a abracei forte. Não queria encarar um olhar apaixonado que não encontraria correspondência nos meus olhos. Respirando fundo, lembrei-me de quando trocamos anel de compromisso com apenas dois meses de namoro. Eu fiz uma surpresa num dia de cinema ao ar livre, um telão que montaram no pontão do Lago exibindo Kill Bill. Fui pegar pipoca e coloquei o anel no fundo do saquinho. Estranhei o fato de ele nunca aparecer e ela já ter comido quase tudo, então fiquei de joelhos procurando o anel no meio de um monte de pipocas caídas. Tive que contar meu plano para que ela me ajudasse a encontrá-lo, estragando a surpresa. A Alexia riu e, de joelhos ao meu lado, falou que aquela era a coisa mais engraçada e adorável que um cara já havia feito por ela.

Naquele dia, decidi deixar o envolvimento entre nós o mais sério possível, bem no começo do relacionamento. Eu acreditava que a Alexia era a pessoa certa para conseguir trabalhar, pacientemente, meus sentimentos e a minha atração física por mulheres. Também pensei em minha imagem perante os amigos, o medo de ser visto e apontado como gay criava raízes na cabeça. Mas, seja o motivo que fosse, aquele pedido de namoro foi um ato de egoísmo. Eu desconsiderei completamente que ela era uma pessoa com suas próprias expectativas e esperanças de encontrar um cara que a amasse genuinamente. E naquele momento, abraçados no sofá da sala, sentia o coração sangrar por não conseguir me desvencilhar dos tentáculos que eu próprio havia lançado, numa tentativa desesperada de encontrar a mim mesmo no lugar errado. Na pessoa errada.

Desfazendo nosso enlace de braços, observei melhor a pulseira no pulso direito e perguntei:

– Essa também é uma daquelas cordinhas que a gente faz um pedido e ele se realiza quando soltar do braço?

– Nããão, bem. Isso que você tá falando é uma fita do Senhor do Bonfim. Mas como fui eu que te dei, só pode fazer algum pedido se tiver relação comigo – e beijou as costas da minha mão.

“Vou pedir que você não me odeie muito quando eu finalmente virar homem e contar a verdade”, pensei. Como não disse nada e só fiquei deslizando a pulseira de um lado pro outro, a Alexia teve tempo para lembrar que eu queria falar algo assim que entrei no apartamento.

– Que coisa você precisa me contar?

– Oi? – estava distraído, olhando meu pulso.

– Quando você chegou aqui, parecia aflito para me falar algo. Que é?

– Ahhh, sim! Claro... Eu precisava dizer que... Sabe o que é... Eu...

Eu brincava de fazer suspense, mas na verdade estava enrolando enquanto pensava em alguma mentira para dizer no lugar da revelação. Desde o instante em que ela falou dos quatro meses eu já havia descoberto que não conseguiria terminar tudo. Não naquele dia.

– Vai fazendo charminho aí que eu vou pegar a lixa de unha enquanto isso, tá? – ela falou, revirando os olhos.

– É que... eu ia fingir que não me lembrava da data de hoje, Alex. Ia te falar que tinha um compromisso agora e fazer você ir embora . Mas... como eu sou péssimo com surpresas e você estragou tudo falando do quarto mês de namoro antes que eu me fizesse de tonto, vou ter que te contar logo que... – e eu já observava que sua feição adquiria contornos radiantes enquanto eu falava, como uma criança em dia de circo. – A gente vai jantar em um restaurante top pra celebrar. Por que esperar um ano ou o dia dos namorados, né?

Ela segurou minhas bochechas com as mãos e me deu um beijo demorado seguido de vários selinhos, um atrás do outro. Toda a frustração que a Alexia parecia ter sentido, ao ver minha indiferença quanto à data, foi embora naquele convite para jantar fora. Ela precisava se sentir especial e eu dei isso a ela. O que eu não parecia perceber, naquele momento, era que quanto mais eu dava, mais iria tirar depois. Eu alimentava uma fogueira impossível de se manter acesa após a tempestade que se formava.

– Mas não vai me dizer que o restaurante é aquele Dom Gibão, do dia do vômito! Racho a cara se pisar naquele lugar contigo de novo!

– Como você adivinhou? É lá mesmo! Mas agora a gente senta na mesa que fica ao lado do banheiro, pra não precisar correr tanto se eu precisar chamar o Raul.

– Mil vezes podre! – ela falou, rindo.

Colocando as pernas em cima das minhas, a Alexia se deitou no sofá e tirou as sapatilhas para que eu pudesse massagear seus pés. Enquanto esticava seus dedos para frente e para trás, conversamos sobre a dificuldade que ela tinha em decorar as placas de trânsito do teste, já que sua memória era mais auditiva que visual. Porém, mesmo falando sobre esse assunto, ela parecia querer voltar naquele dia do encontro de casais. Ter mencionado o bistrô fez com que ela se lembrasse de algo que a incomodou. Eu tentava fazer seu dedão do pé estalar quando escutei:

– Du, ainda sobre a noite do restaurante. Eu não sabia que a convivência com a sua mãe estava te tornando mais... Ahnn... retrógrado. De mente fechada. Não sei como me expressar direito.

Parei de apertar as plantas dos pés dela. Contraindo minha sobrancelha numa feição de dúvida, perguntei:

– Ué, como assim? Por que você diz isso, Alex?

– Você ter destratado o namorado do Lê bem quando eles começaram a ficar mais carinhosos um com o outro na mesa... Sei lá, passou pela minha cabeça que talvez você estivesse sendo... – e ela soltou o ar pesadamente antes de continuar. – Homofóbico. E como sua mãe é meio... Qual palavra você usa mesmo? Isso, bitolada. Então, só queria dizer que também tenho pais religiosos e não precisamos ser como eles, meu bem. Tipo, a gente tá no século vinte e um... Não acho que ser gay tenha sido uma opção do Lê e do César.

Fiquei atônito. Ela confundiu meu ataque de ciúmes com preconceito. Por essa eu realmente não esperava, e isso só me fez pensar que até quando eu não queria disfarçar minha homossexualidade eu acabava o fazendo, de maneira involuntária. Retirando suas pernas de cima das minhas coxas, falei com um tom de voz que denunciava ter ficado ofendido:

– Se eu tirei aquele cara foi porque ele tava se exibindo demais, se achando muito espertão. Sem contar que ainda bebi praticamente duas garrafas de vinho sozinho. Não teve nada a ver com o fato dele ser gay, Alexia... Que viagem sua, nossa... Parece até que não me conhece.

– Me chamou de Alexia. Poxa, golpe baixo, heim...

Fiquei mais irritado comigo mesmo do que com ela, por acusá-la de não me conhecer enquanto permanecia escondido debaixo das asas de minhas mentiras. Cruzando os braços e virando o rosto pro lado contrário ao dela, assumi uma postura que minha mãe chamava de “menino emburrado no canto da sala”. A Alexia sabia o que fazer para desarmar aquela posição.

– Foi mal, bem. Você não é homofóbico. Pronto, pode voltar a ter dezoito anos. Eu só tô com isso na cabeça porque o Leandro sumiu e sinto falta dele... Fiquei pensando se ele não ficou magoado por causa daquela ceninha que você armou com o César. Mas deve ser viagem minha mesmo. Provavelmente tá passando por um problema de família, algo do tipo.

Apenas levantei a sobrancelha e dei uma olhada de esguelha pra ela.

– O que eu posso fazer pra você me desculpar, heim? Heim? – ela continuou, ainda deitada, erguendo a perna e cutucando meu braço com seu pé.

Como eu continuava imóvel e me mantinha sério, mais por pirraça e para saber até onde ela iria do que qualquer outra coisa, a Alexia apelou para o ataque de cócegas na lateral da barriga. Fazendo-me revirar no sofá de tanto rir, acabei caindo no chão na tentativa de evitar aqueles dedos que sabiam exatamente onde e como apertar. Ela se deitou em cima de mim, também rindo, e ficou com a orelha colada em meu peito, como se quisesse ouvir as batidas do meu coração.

– Deixei ele bem acelerado – falou, enquanto alisava meu queixo com a mão.

Do queixo, as pontas de seus dedos passaram para o contorno da minha boca, acariciando lábios ainda esticados pelas risadas. Nosso riso foi arrefecendo aos poucos, até ficarmos calados. Apenas os sons de carro e uma música sertaneja vinda do apartamento vizinho preenchiam o ambiente. Olhando para o teto, nuca no chão, sentia o olhar dela voltado para o meu semblante, como se tentasse ler as entrelinhas por trás de um mistério mudo. Erguendo o rosto do meu peito e ainda sobre mim, ela levou sua boca ao encontro da minha. Demos um beijo molhado que passou de devagar e carinhoso para afoito em poucos segundos. Ela mordiscava meu lábio inferior e depois o sugava com a boca, passando a língua e me marcando com o seu desejo.

Sem pensar, guiado unicamente por minha vontade, dei um leve puxão em seus cabelos, apenas o suficiente para que ela inclinasse um pouco a sua cabeça e eu pudesse encaixar melhor minha boca na dela. Observei sua feição para me certificar que não havia a machucado e, vendo que um sorriso maroto entortava seus lábios, continuei. Continuei e não sabia se queria parar.

E então ela pegou minha mão e colocou sobre seu seio, debaixo da blusa e por cima do sutiã. Conseguia sentir o mamilo enrijecido através do tecido, e dei uma apertadinha leve quando reparei que ela segurava meus dedos e me orientava a fazer isso. Com sua outra mão, ela foi deslizando demoradamente de cima a baixo do meu corpo, passando do peitoral para a barriga, da barriga para os pelos abaixo do umbigo, do umbigo para...

Segurei sua mão com a minha, interrompendo uma exploração tão excitante que havia deixado meu membro ereto desde os primeiros avanços. Eu não podia estar mais confuso, a mente em total desacordo com as sensações despertadas no corpo. Pretendia contar que era gay e esperava terminar aquela tarde tentando consolá-la ou tomando um tapa na cara. Ao invés disso, deixamos que nossos beijos nos levassem para um ponto desconhecido e belo, além das tímidas interações físicas até então. Com os batimentos acelerados e escutando a respiração ofegante da Alexia no pé do ouvido, falei:

– Meu bem, você nunca foi assim... Não estamos indo muito rápido? Você vai se arrepender depois.

– Como eu falei antes, Du. Não precisamos ser como nossos pais.

Foi nesse instante que o interfone soou estridente na cozinha, causando um estremecimento de susto em ambos. No chão e com a face em chamas, levantei-me para atender enquanto a Alexia parecia decidir entre sentar-se no sofá ou retornar para a mesa, com as apostilas abertas na matéria em que havia parado antes de eu chegar. Se esse som me salvou ou me atrapalhou, eu não sabia dizer.

(FIM DA PARTE 20)

***

Galera, muito obrigado pelo apoio e comentários! Vocês dão gás para que a história continue, então digam sempre o que estão achando não apenas no meu conto, mas em todos os outros também, para que uma injeção de ânimo seja aplicada na veia de cada escritor (e Deus sabe como é uma atividade solitária e trabalhosa... rs). Abração e beijos!!!

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