Vamos Nós Três - Parte 19

Um conto erótico de calango86
Categoria: Homossexual
Contém 2230 palavras
Data: 29/03/2016 20:45:43

PARTE 19

– Te acalma, guri. Só toma cuidado na hora da saída. Tá vendo que tem uma rampa bem inclinada e um sinal no topo? Pois é. Se tiver vermelho na tua vez, faz o controle de embreagem daquele jeito que te ensinei, até o semáforo abrir. Vai dar certo – me aconselhava o Denilson, tentando transmitir uma segurança que parecia falhar após saber que seu outro aluno tinha reprovado ao dirigir na contramão.

Duas semanas se passaram desde o dia do jantar. Ao longo desse período, terminei as aulas da autoescola (pegando duas extras para aplacar a ansiedade), ajudei a Alexia a estudar para o exame teórico e fiz um teste vocacional em que a psicóloga, muito embaraçada, disse que o aplicativo devia estar com erro ao apontar “treinador de cavalos” como uma opção.

Finalmente havia chegado o dia da prova prática, uma multidão de alunos, instrutores e avaliadores com pranchetas nas mãos. Eu tentava controlar a respiração para me concentrar, mas era difícil focar nesse exercício sempre que alguma menina voltava do exame e saía do carro chorando. “Catar o meio-fio perde muitos pontos?”, “os cones do estacionamento estavam muito juntos...” e “eu não nasci para dirigir!” foram algumas das frases que escutei, numa espera que mais parecia uma sessão desmotivacional. Sentia minhas tripas darem um duplo twist carpado a cada reprovação alheia.

– Edu, sua vez – me cutucou no braço o Denilson. – Lembre-se de virar o volante como treinamos quando for estacionar. Isso aqui é tudo seu, garoto! Você já passou, com certeza.

– Certo...

Quis fazer um sinal da cruz, mas fiquei com medo de parecer ridículo e só murmurei um “Deus me ajude”. Entrando no carro, apresentei-me para os dois avaliadores: um careca com barriga de chopp na casa dos 40 e, no banco de trás, uma balzaquiana com cara de bibliotecária, o modo de se vestir de alguém que já passou há muito da meia-idade. Eles deram algumas instruções e me explicaram o trajeto pausadamente, como se eu fosse meio surdo e idiota, talvez por causa dos equívocos de alunos anteriores. A voz do cara ecoava na mente como se fosse barulho do mar. Assenti com a cabeça, respirei fundo e dei partida no carro.

Durante o teste, eles pareciam mais preocupados em comentar um vídeo no youtube do que em avaliar se eu seria um maníaco no trânsito ou não. De certa maneira, foi um alívio. Eu sentia com menos impacto o peso de olhares julgadores, mesmo que estivéssemos todos no mesmo carro e não houvesse como fugir. Enquanto tentava fazer a transição das marchas de modo natural, sem sobressaltos, eles discutiam a razão pela qual os vídeos de animais e bebês fazem tanto sucesso na internet.

– Sabe o que é isso, seu Vargas? As pessoas se cansam de ver tanta violência nos jornais, tá louco... Acabam procurando fofurices no computador pra esquecer que vivem nesse mundo cão – disse a mulher reprimindo um bocejo, enquanto eu dava a seta para entrar na área do estacionamento.

– Pode ser, minha filha... pode ser... – ele respondeu, olhando para minha mão em cima do câmbio. – Rir é o melhor remédio, não é o que dizem? Se não for, pelo menos é um ótimo anestésico.

Na hora do estacionamento, repeti todo o procedimento que havia treinado inúmeras vezes com o Denilson, tal como um robô executa os mesmos comandos em uma fábrica de montagem dia após dia. Ainda assim, acabei relando em um cone quando fui dar ré para consertar a posição do veículo.

– Rapaz, se esse cone fosse um carro você teria tirado tinta dele. Sorte que foi bem de levinho e o estrago não seria expressivo... – escutei o avaliador falando ao meu lado, sem olhá-lo. Minha atenção estava completamente focada em evitar novos erros e perder a menor quantidade de pontos possível.

Retornando para o local onde a prova se iniciou, tomei o cuidado de manter uma distância segura entre o carro e o meio-fio. Lembrei-me de dar a seta sempre que virava para os lados e fiz os retornos com tranquilidade. Ao parar, finalmente, numa vaga que eles indicaram, próxima ao Denilson e uma aluna que tremia igual vara verde, senti como se tivesse voltado para meu corpo. Só quando desvirei a chave e soltei o ar que reparei: havia percorrido todo o caminho em suspenso, a sensação de ter dirigido em um sonho. E me descobri completamente desperto apenas quando um animado Denilson me cumprimentou por ter sido aprovado:

– Bah, guri, tu mandou muito! Parabéns! Pouquíssimos erros e “demonstrando confiança e passando segurança ao volante”, pelo que pude ler do relatório dos avaliadores – e apertando meu ombro com indisfarçável orgulho, completou. – Nada mal pra quem achou que ia precisar usar o banheiro durante o teste, né? Haha

Enquanto esperava minha vez de pegar o documento em que constava “apto na avaliação”, e com ele pagar a taxa de emissão da Permissão para Dirigir, o Denilson aguardava que sua última aluna do dia concluísse a prova. Sentado em uma salinha de espera mal ventilada, eu sorria bobamente e passava a mão no rosto, incrédulo. Eu e minha mania de supervalorizar a dificuldade das coisas só para ter um desempenho acima do esperado. Ao término das duas esperas, ele perguntou se eu queria carona para casa. Aceitei de bom grado.

Após nos despedirmos dos demais instrutores e alunos remanescentes, que continuavam aguardando sua vez como condenados esperam a sentença de morte, conversamos sobre os mais diversos assuntos no caminho de volta. Ele me contou da sua vontade de largar a autoescola para começar um negócio de suplementos alimentares e eu me abri quanto à dificuldade em escolher um curso universitário dentre centenas. Em determinado momento, o Denilson se lembrou do dia da minha saída com o Leandro.

– Vem cá, Edu, me conta sobre aquele dia em que você tava mega ansioso... Deu tudo certo com a mina? Ficou nervosão na hora ou acabou disfarçando?

“A mina era um cara, e deu tão certo que terminei a noite vomitando no banheiro. Enquanto isso, nossos namorados provavelmente conversavam na mesa sobre o quanto eu fico idiota quando bebo”, pensei enquanto falava:

– Foi tranquilo, deu pra esclarecer muita coisa do passado, saca... – e virei o rosto para o lado, a voz sumindo. Observar os desenhos formados pelas nuvens no céu subitamente virou uma tarefa inadiável. Ele entendeu e passamos o resto do percurso em silêncio.

***

Contemplando a paisagem pela janela, as mangueiras ao longo do Eixão passando velozmente por nós, deixei que as lembranças voltassem com força. Agora que todo o stress do teste de direção havia passado, algo que consumia meus pensamentos, pude voltar para aquele banheiro em minha cabeça. Liguei para o Leandro no dia seguinte ao encontro. E no dia posterior, e no outro depois desse. Ele não atendeu em nenhuma das vezes. Fazia duas semanas desde a nossa última conversa e a Alexia ficou sem entender o motivo desse afastamento, porque até as mensagens dela caiam numa vala sem eco.

Mas eu sabia. De alguma forma eu senti que aquele abraço, mais do que um ato físico motivado pela sufocante falta que ele me fazia, era um abraço de despedida. Tinha a ver com o fato de que a Alexia significava para ele algo muito maior do que eu imaginava. “A pessoa que salvou minha vida”, ele disse, e eu passei a ver minha namorada como uma espécie de heroína insuspeita, anônima, e por isso mesmo ainda mais nobre. Ela nunca me contou o que fez pelo Leandro. Talvez porque manter essa ajuda em segredo, na intimidade delicada de ambos, fosse mais valioso do que contar vantagem por seu feito.

Ter descoberto que os beijos na tarde de segunda também foram importantes para o Leandro fez com que eu apagasse, não sem dificuldade, toda a raiva que havia sentido por sua mentira e por esfregar o namorado na minha cara. Ele apenas queria esquecer. Queria seguir em frente sem despedaçar o coração da Alexia em meio ao nosso ato de infidelidade. Eu entendia isso agora. Aquele abraço no bistrô serviu para selar os beijos do quarto. Colocar um ponto final melancólico, porém necessário, onde antes havia reticências raivosas. Confusas.

Mas, ainda assim... Eu parecia incomodado com esse desfecho. Como se tudo o que eu tivesse passado servisse não apenas para me ensinar algo, mas para que eu tomasse alguma atitude em relação a minha própria vida. E isso independente de qualquer coisa com o Leandro, que eu passei a ver mais como um mensageiro do que estava errado em meu universo e menos como um potencial namorado. Eu me sentia em um navio que faz soar o alarme de emergência, água entrando por todos os lados, e precisando fazer algo para não afundar. Mas o quê, exatamente, eu não sabia. Talvez se...

A voz do Denilson rasgou o ar e me faz voltar para o carro. Estacionando em frente ao meu bloco, ele se despediu de mim e falou:

– Grande Eduardo, tudo de bom na tua vida, guri! Curti ser seu instrutor. Falei em noventa por cento do tempo e você não me cortou! – ri, respondi um “igualmente” e, de mãos ainda unidas num cumprimento, ele completou. – Parabéns pela aprovação. Tirar carteira é o primeiro passo da vida adulta, heim? A partir de agora você não dirige só o carro, mas a sua vida!

Agradeci pelas congratulações, saí do veículo e segui para a minha entrada do prédio com aquelas palavras na cabeça. “A partir de agora eu dirijo a minha vida”. Encontrei a mamãe saindo do elevador assim que ele chegou ao térreo. Ela abriu um sorriso de orelha a orelha, deu um beijo na minha bochecha e mal conseguia esconder sua ansiedade, os lábios tremendo enquanto tentava articular a fala.

– Dudu, já ia te ligar! E então, filho? Passou? – perguntou segurando minhas mãos, o olhar perscrutando meu rosto em busca da resposta.

– Pois é, mãe... E então que... O que rolou foi que eu...

Adorava fazer aquele mini suspense, só pra deixá-la ainda mais agoniada e aliviada quando eu finalmente dizia que deu tudo certo.

– Fala logo, homem de Deus! Assim você me mata do coração!

– Posso olhar os anúncios de carro e escolher um bem envenenado, agora? – e tirei o papelzinho com o “apto” do bolso, erguendo na altura dos olhos dela.

Ela me deu um abraço apertado e não consegui contar quantas vezes falou “você merece!”, que só rivalizava com a quantidade de “fico muito feliz por você”. Conversamos um pouco sobre como foi a prova, se o meu nervosismo me levou ou não ao banheiro e o estado de nervos dos demais alunos. Quando ela olhou para o relógio, soltou um gritinho de preocupação e disse que precisava ir logo para o clube do tricô (uma reunião de senhoras que se preocupavam mais em fofocar do que fazer peças de roupa). Despedimo-nos e, quando a porta do elevador já estava fechando, escutei-a falar do lado de fora:

– Ahhh, filho! A Alexia tá aí! Veio para que você a ajude a...

E não consegui escutar o resto, pois o elevador já estava subindo. Imaginei que ela precisava de auxílio no estudo das aulas teóricas da autoescola, já que agora era a vez dela correr atrás da carteira de motorista. Mas o curioso era que não havia combinado com a Alex de encontrá-la, e ela não costumava fazer esse tipo de surpresa. Como minha mente sempre busca sinais em tudo, comecei a pensar se a presença dela ali, naquele momento, não seria por algum motivo. Será que era a hora, finalmente?

Antes de abrir a porta de casa, respirei fundo e olhei para meu reflexo distorcido na maçaneta prateada. O desconforto quanto ao episódio com o Leandro, a frase do Denilson dançando provocativa na minha cabeça, ela estar no meu apartamento justo naquele instante... “Qual o significado de tudo isso?”, pensei, sentindo um peso no peito. Mas essa era uma pergunta de resposta tão óbvia e, por isso mesmo, tão incômoda, que eu preferia me cegar. Mas não dava mais. Eu precisava falar. A Alexia não merecia conviver com uma mentira tão grande. Acima de tudo, eu não podia mais ser a própria mentira. Eu precisava deixá-la ir.

Coração galopando, cerrei os olhos e contei até três antes de girar a maçaneta. Nesse curto lapso de tempo, foi como se eu conseguisse contemplar todos os cenários possíveis que poderiam resultar da minha confissão. “A partir de agora eu dirijo a minha vida”. E então abri.

Ela estava sentada na sala, apostilas de trânsito à frente, sobre a mesa. Vendo-me, deu um dos sorrisos mais luminosos que já encontrei estampado em seu rosto. Lembrei que havia enviado mensagem de celular falando da minha aprovação, então aqueles olhinhos apertados e os dentes brilhando nada mais eram do que uma sincera demonstração de que a minha felicidade era, também, a dela.

Antes que ela pudesse se levantar para ir ao meu encontro, falei com a voz trêmula:

– Eu... Eu preciso te contar uma coisa.

(FIM DA PARTEMuito obrigado pelos comentários,pessoal! Fico muuuuito agradecido, demais da conta. rs :D

Abaixo, segue meus contatos de e-mail e Wattpad, lembrando que no Wattpad o nome da história é "Se For Com Você", e esse capítulo 19 é o equivalente ao capítulo 18 lá. Abraços e beijos! X))

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Comentários

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Ai... suspense... até imagino o que ele vai falar mas, bom.Capitulo maravilhoso.

um abraço

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Nossa! Muito bom! Gosto bastante da forma como vc escreve. Bjs

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