Relicário de Memórias: Boneco Sem Dono

Um conto erótico de Konrad
Categoria: Homossexual
Contém 2546 palavras
Data: 27/02/2016 19:23:07

Observação I: Não sei se esse é o tipo de conto para ser escrito aqui, na realidade grande parte dos relicários de memórias não envolvem fantasias sexuais ou até mesmo romances. Mas diferente do diamante e do rubi e semelhante ao cristal esse não tem conotação alguma de romance. Na verdade, a forma que essa memória foi escrita, dedicada a um dos imaginários, foi em forma de texto e poemas que contam a história do boneco sem dono antes e depois de ser descartado. Sendo assim, para os que gostam desse tipo de conto aproveitem.

Observação II: Antecipadamente, peço desculpas pela demora. Sou perfeccionista com a escrita, mas ao menos tempo minhas memórias do relicário são uma verdadeira coxa de retalhos cheia de furos temporais. Desculpem-me se tiver algum erro cronológico, de escrita ou alguma confusão no enredo. Além disso, minha forma de escrita mudou bastante nos últimos tempos e como não gosto de mudar o tom da história demoro muito para “editar” e mesmo assim é perceptível a qualidade de alguns contos é um pouco duvidosa.

─ Conte logo a história, para desenrolar F.

─ Certo, certo, não me apresse H.

_____________

[...]

O boneco sem dono foi o último dos imaginários a "desaparecer", mas diferente da Jora que se despediu e se tornou meu relicário de memórias, eu descartei o boneco sem dono. Eu já tinha quase 13 anos, já tinha alguns colegas, já sabia o que eu era. E comecei sentir vergonha disso. Vergonha por ser diferente dos outros. Não que eu fosse melhor ou pior, mas pode-se dizer que eu era e ainda sou “esquisito”. Sempre fui Tão centrado em mim que me tornei egoísta em compartilhar sentimentos. Sempre falei de mil coisas, menos o que permeava meus pensamentos no meu silêncio.

[...]

Restava o boneco sem dono e o garoto que não falava. O pequeno boneco de madeira já percebia a minha mudança. Tanto física como mental. Eu já não brincava mais com ele. Já não conversava tanto. Meu corpo já reagia a os desejos da época, já me sentia culpado por tudo isso.

Na escola eu era uma pessoa, em casa eu era outra, nos pensamentos eu já não era eu. Tinha me esquecido dos nomes, dos mundos e dos sonhos que compartilhava com os meus velhos amigos. Comecei a perder minha imaginação de criança. Meu sorriso fácil ainda permanecia no rosto, mas ele tinha perdido o brilho. Sofri por isso, principalmente na escola, afinal garotos calados demais se tornavam um foco de chacota e brincadeiras de mau gosto.

Eu tentava parecer mais maduro do que os outros, tentava falar o que podia, mas era difícil. Descontei minhas frustrações nele e como se ele tivesse mudado da mesma forma que mudei, ele passou a me ignorar também. O boneco sem dono já não falava mais. O garoto que nunca falou continuava sem falar também. Pela primeira vez na vida me senti sozinho, mas eu ainda podia vê-los.

O pequeno boneco tinha mudado nesses anos, já não era tão pequeno assim, cresceu assim como o outro garoto e eu, mas o boneco também tinha perdido o brilho no olhar, ele se afastou de mim, esqueceu meu nome, esqueceu que eu era seu amigo. Como consequência meus medos contaminaram o boneco sem dono. Eles já erguiam uma barreira ao redor do corpo de madeira. Eu não podia chegar perto. Não podia fazer nada para ajudá-lo. Nada que pudesse fazê-lo sorrir.

Seu corpo já estava se desgastando e diferente do passado eu não poderia mais reconstruí-lo mudar suas peças, limpá-lo. Eu já não podia mais brincar com ele.

Minha cabeça estava vazia de pensamentos, mas dava para ouvir os versos de um pequeno poema. Parecia a voz do boneco, mas não parecia a sua habitual voz. Era triste ouvir, ver e não poder fazer nada, mas pelo eu estava ao seu lado, mesmo que ele já não pudesse me ver.

[...]

Sem dono

Há um coração que bate,

mas permanece inerte à felicidade.

Há olhos para ver,

mas permanece cego à verdade.

Há ossos para se locomover,

mas permanecer imóvel à realidade.

Pobre boneco sem dono,

marionete humana dos próprios medos.

Sempre com um sorriso falso no rosto,

tentando alegrar as pessoas a sua volta,

mas é inútil.

é um sorriso falso,

sem vida,

sem justificativa.

Pobre boneco sem dono,

marionete humana dos próprios medos.

Fios estão ligados às costelas:

do medo de viver,

do medo do amor,

do medo de sofrer,

do medo de ser feliz,

do medo de morrer...

Pobre boneco sem dono,

marionete humana dos próprios medos.

Sempre cabisbaixo,

sempre a amaldiçoar seu rosto deformado,

sempre calado.

Não há mais ninguém ao seu lado.

Pobre boneco sem dono,

marionete humana dos próprios medos.

Nesse momento só possui um sonho: Ter novamente um dono,

ser amado, mas ele é covarde,

por isso fugiu do antigo

e já o tinha esquecido

por medo do descarte

de ser odiado, quebrado, rejeitado.

Como os outros.

Pobre boneco sem dono,

marionete humana dos próprios medos.

A sua covardia o levou a este destino: em eterno medo.

É mais fácil controlar um boneco que não ama,

não deseja, não vê, não sente, não sonha.

Os fios nem precisam ser movimentados.

Pobre boneco sem dono,

marionete humana dos próprios medos.

Em sua cabeça, seus medos repetem infinitamente:

Todos os bonecos sem dono devem ser descartados...

Não devem amar, desejar, olhar, nem sonhar.

Todos devem ser descartados...

Todos devem permanecer calados...

Inerte à felicidade.

Cego à verdade.

Imóvel à realidade.

Pobre boneco sem dono,

fadado ao descarte.

P.S. (Fadado a ser) Covarde.

[...]

Descartado (Sem Dono II)

Há um coração que bate

ao ritmo de uma bomba relógio

prestes a explodir,

logo que seu último sonho

deixar de existir.

Pobre boneco sem dono,

fadado a desistir.

Há olhos para ver,

mas já estão fechados,

hipnotizados

pelos medos.

Por isso, permanece cego à realidade.

Pobre boneco sem dono,

fadado à eterna infelicidade.

Há ossos para se locomover,

mas já estão estilhaçados,

quebrados, deformados.

Por isso, permanece imóvel,

cabisbaixo, calado.

Pobre boneco sem dono,

fadado a ser descartado

Todos os fios em suas costelas

foram retirados.

Formam, agora, um cadafalso

que o espera para ser novamente descartado.

Pobre boneco sem dono,

fadado a ser rejeitado.

[...]

Como um último suspiro,

seu último

sonho deixar de existir.

O sonho de ter um dono

que acaba de sumir.

Já não tem mais esperança,

já não está mais com a criança.

Ou com o pequeno adulto

que tão pouco é astuto

Agora, é realmente um boneco sem dono,

marionete humana dos próprios medos,

que logo será descartado

e o seu fim anunciado.

Pobre boneco sem dono,

fadado a ser ignorado.

Todos os medos em sua cabeça

começam a desaparecer.

O cantarolar já é inaudível.

É sinal que está prestes a morrer.

Todos os bonecos sem dono devem ser descartados,

rejeitados, ignorados...

As vozes se calam.

As memórias se perdem

A respiração cessa

O coração de madeira deixa de bater

As últimas lembranças já estão prestes a desaparecer.

Antes disso, mais uma vez, um sorriso verdadeiro aparece

em seu já deformado rosto.

Mas não da para saber se é de alegria ou de tristeza

nessa dicotomia:

entre vida e morte,

entre a criança e a falta de esperança,

entre ser abraçado e ser rejeitado.

Pobre boneco sem dono,

fadado a não ter ninguém ao seu lado.

Mas ele está enganado...

P.S... Porque mais uma vez soube como era ser abraçado,

pelo seu antigo dono que sempre esteve ao seu lado.

[...]

Abraçado (Sem dono III)

Há um coração que bate,

mas já está prestar a parar.

Há olhos para ver,

mas já não deseja olhar.

Há ossos para se locomover,

mas já não quer caminhar.

Pobre boneco sem dono, marionete humana

dos próprios medos.

Prestes a ser descartado,

já está no cadafalso.

Sem ninguém ao seu lado.

Decidiu desistir,

pois seu último sonho já deixou de existir.

Com um sorriso no rosto, levanta-se pronto para desistir,

esperando tudo sumir.

O coração: parar.

Os olhos: fechar.

E os ossos: estilhaçar.

Os fios do cadafalso são erguidos.

Não há carrasco para observá-lo

a não ser seus próprios medos,

seus próprios carrascos.

O medo de viver,

de sofrer,

e o único que já foi embora,

o de morrer.

E enfim usa o cadafalso.

Não há ninguém ao seu lado

nem mesmo seus carrascos.

As vozes desaparecem

seus ossos se quebram,

seus olhos se fecham,

seu coração para de bater.

[...]

No meio do silêncio, uma baixa voz começa a dizer:

Nenhum boneco deve ser descartado,

sem antes ter amado ou ter desejado ou

olhado.

Nenhum boneco deve ser controlado pelos medos.

Nenhum boneco merece ser descartado.

Deve ter um dono,

ser abraçado pelo dono.

Sorrir com o dono

e chorar com o dono.

Nenhum boneco deve ser marionete dos próprios medos.

Pelo menos uma vez merece ser amado,

ter alguém a seu lado.

Nenhum boneco merece ser descarado.

e nem mesmo um boneco sem dono deve ser ignorado.

Já não se ouve mais os medos.

Há um novo coração que bate.

Há novos olhos para ver.

Há novos ossos para se locomover.

Já não é mais o boneco sem dono,

fadado ao descarte, a ser covarde ou morrer.

Já não será mais rejeitado,

pois há alguém ao se lado.

E ele sabia disso, logo após ser abraçado.

Todos os bonecos devem ter um dono.

Todos os bonecos merecerem ser abraçados, amados.

Reconstruídos, mas nunca descartados.

P.S. Já não é mais um sorriso de tristeza,

mas de alegria, disso o boneco tinha certeza.

[...]

Dono/Amigo (Sem dono IV, prólogo, ínterim e epílogo)

Prólogo:

Sempre a observar o seu sofrimento,

sempre a chorar por sua dor,

mas era incapaz de demonstrar novamente tamanho amor,

porque a vida os separou

Sempre a observar o pobre boneco

sem dono,

que sempre estava sozinho,

desamparado, cabisbaixo

e sem ninguém ao seu lado.

Sempre onipresente ao seu sofrimento,

sempre a chorar por sua dor,

mas os medos o impedia de

chegar perto novamente do boneco

e demonstrar o seu amor.

De curar seu coração,

de sanar a solidão,

de tocá-lo,

e reconstruí-lo

Os medos em suas costas

criavam muros a sua volta.

O impediam de chegar perto,

de abraçá-lo,

de consolá-lo,

De amá-lo.

Restava, então,

observá-lo,

em todos esses anos, após descartá-lo.

[...]

Ínterim:

Soerguido do cadafalso havia alguém ao lado do boneco.

Chorava,

o abraçava,

o consolava.

Ele pode consertá-lo,

reconstruí-lo

o jovem desejava ser o seu dono, seu amigo,

pois queria novamente ouvi-lo.

[...]

Há um novo coração que bate,

pronto para sentir felicidade.

Há novos olhos para ver, prontos para enxergar a verdade.

Há novos ossos para se locomover,

Prontos para caminhar nessa nova realidade.

[...]

Epílogo:Olhos abertos. Há um cenário novo a sua volta cheio de cores e peças de madeira. Àquela casa parecia ser de um carpinteiro.

Sua visão ainda estava turva. Seus ossos doíam, mas seu coração batia calmamente. Havia algo diferente em seu corpo, porém ele não sabia o que era. Havia uma nova sintonia em seus pensamentos. Os medos, os antigos carrascos, pareciam ter desaparecido, mas grande parte de suas memórias também.

No quarto ao lado, ele ouve alguém conversar. Era a voz de um jovem. Ele tentou se sair da cama para ver de quem era a voz, e com um pouco de esforço conseguiu. Depois de alguns passos, chegou ao outro quarto. Começou a observá-lo, construindo uma pequena borboleta de madeira com grandes joias nas asas, ele parecia obstinado, com um brilho intenso no olhar e um sorriso sincero no rosto que quase parecia familiar. Por quê? Pensou. Depois disso, começou a falar novamente, mas ele estava sozinho. Havia mais alguém?

─ Agora, deixe-me contar para eles o que aconteceu durante esse tempo. Com o boneco, com a Jora e o reencontro com o laranja... ─ Felipe falou para H. que já tinha percebido a presença do boneco curioso, mas permaneceu em silêncio.

[...]

Ele parecia contar uma historia que para o boneco parecia ser tão familiar. Era sobre si? Por quê? Ele me conhece ?

[...]

Ao perceber a presença do boneco, parou de contar a historia e chegou perto:

─ Se quiser, eu posso ser o seu dono, ou melhor, seu amigo. Chamo-me Felipe e o aceitaria em minha casa, novamente ─ o boneco não quis acreditar que era real. Um dono, um amigo? Novamente? A história que ele tinha contado era sobre ele? Por que não se lembrava? Ele pensou. ─ Você não lembra, mas fui o seu amigo há muitos anos. Eu te descartei. Perdão, mas nunca parei de pensar em você e nos outros também. Mas o seu caso é diferente, pois deixei você ir sem me despedir.

─ Outros?

─ Outros amigos como você.

─ Felipe, não me parece um nome estranho, mas você parece diferente do que tento imaginar ─ falou o boneco com incerteza na voz.

─ Acho que cresci um pouco, mas você também mudou muito também "Sem dono", ou melhor, "Com dono" agora, como o H. te chama.

─ Acho que me lembro desse sorriso... Felipe... Mas quem é H.?

─ Sou eu! E irei te ajudar a lembrar de tudo “Com dono” ─ Falou H. aparecendo de imediato ao meu lado.

─ Você não me é estranho também.

─ Vamos te ajudar a lembrar, mas primeiro você precisa de um nome ─ falei.

─ Todos os bonecos “Com dono” tem um, não é F.?

─ Sim, que tal ******?

─ O mesmo do laranja? É um belo nome, podemos chamá-lo de “***” ou “S.” para abreviar o que achou?

─ Sim, é um belo nome Felipe, H. E quem é laranja?

─ Essa é uma longa historia... ─ falei.

─ Põe longa nisso.

─ Mas é realmente verdade? Eu tenho um dono, já tive um? Não consigo acreditar ─ o boneco falou com sorriso no rosto enquanto eu olhava para H. que também sorria.

─ É real, tão real quando o seu novo coração, seus novos olhos e seus novos ossos de madeira. É real porque todos os bonecos devem ter um amigo, devem ser abraçados e amados devem ser felizes e, principalmente, devem ter um nome. Bem vindo de volta S. ─ falei enquanto abraçava o seu leve corpo de madeira. H. não ficou de fora. Ainda que ele tentasse não demonstrar também sentiu falta do ***.

[...]

P.S. Há um novo coração que bate pronto a descobrir como é ser amado. Seria essa a felicidade?

[...]

— Sim. Agora consigo lembrar... Mas onde está a Jora?

─ Muito bem lembrado, sabia que você não iria se esquecer dela. Ela cumpriu o seu papel com o F.

─ Sim e tenho muito a agradecer a ela por isso. Suas joias estão comigo agora. Quer vê-las?

─ Claro.

─ Olha *** esse é o “boneco” do “boneco” em miniatura. Foi o F. que fez. ─ H. falou enquanto mostrava a versão em miniatura do ***.

─ Você sempre foi bom com madeira. E pensar que seria bom para me reconstruir. Obrigado, Felipe.

─ Não precisa me agradecer, nem ser tão formal, porque sou eu tenho que pedir desculpas por tudo. Tinha sentido sua falta ***.

─ Eu também Felipe e não precisa pedir desculpas...

─ Ei! Não me deixem de fora da conversa.

─ Era tão bom quando ele era calado ─ falou o boneco.

─ Verdade.

─ Eh!

─ Sim Felipe, conte-me tudo que aconteceu nesses anos. Principalmente, sobre a Jora e esse “laranja” e como você o reencontrou. Por que escolher o meu nome como o dele?

─ É uma longa história. Por onde começar? Ah lembrei. Lembra...

[...]

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