Asfalto - Capítulo 13

Um conto erótico de Lord D.
Categoria: Homossexual
Contém 2549 palavras
Data: 11/01/2016 13:37:31

– Capítulo 13 –

Um reencontro emocionante

Existem momentos em que, por uma fração de segundo, você é capaz de sentir coisas que anos da sua vida não lhe proporcionaram. É nessas raríssimas ocasiões, em que usufruímos daquilo que todo mundo busca com afinco até o último suspiro: Felicidade.

Silvia se jogou no chão, com as mãos encobrindo o seu rosto. Ela cogitava estar vendo uma alucinação. Tudo era estranhamente perfeito. Definitivamente, não podia ser verdade. O mais provável era que dali a pouco ela acordasse e sentisse a mão pesada da frustração, quando percebesse que não passara de um sonho, dissolvido pela luz da manhã, como gotas de orvalhos ou uma fina camada de neve diante da alvorada.

Edite se adiantou, e empurrou o portão que não estava trancado. A reação que se esperava de Silvia, era que ela pulasse no pescoço de Miguel explodindo de felicidade, mas o baque emocional fora tão grande, que o cérebro não conseguia acompanhar o fluxo de informações.

O reconhecimento materno perante sua cria era incrível, mesmo levando em conta a extrema semelhança. O coração de uma mãe é o que se tem mais próximo da tradução do instinto natural. Há quem diga que o amor materno é uma virtude, e não um sentimento.

Miguel ultrapassou o portão e caminhou até Silvia, que permanecia de ajoelhada, chorando como uma criança assustada. Ele se aproximou da mulher, e se ajoelhou defronte a ela, retirando com delicadeza suas mãos do rosto.

- Sou eu mãe – ele levantou o queixo de Silvia –, o seu Miguelzinho.

A visão de Silvia era turva devido às lágrimas, mas ainda sim, conseguia vislumbrar o rosto de Miguel, e encontrar seus traços refletidos nele.

- Meu Miguel... – ela se tremia, gaguejando. – Meu Miguelzinho.

- Sim mãe – Miguel comprimia os lábios, enquanto os filetes de lagrimas despencavam pelo seu rosto. – Eu estou aqui.

Os dois se abraçaram em um choque violento. O choro vinha em sua intensidade máxima. Os corações pulsavam no mesmo ritmo, unidos na saciedade da saudade.

- Oh, meu Deus, é o meu filho! O meu filho! – Silvia gritava enroscada em Miguel, ninando-o em um vai-e-vem lento.

- A senhora não sabe como eu desejei isso, como pedi a Deus para estar nos seus braços.

– Miguel soluçava.

- Eu mais ainda meu filho – Silvia apertava tanto Miguel que chegava a sufocá-lo. – Daria a minha vida para ter o meu Miguelzinho junto comigo, nem que fosse só mais uma vez.

Conrado e Edite observavam a cena linda, emocionados.

- Mas como...? – Silvia acariciava os cabelos do filho. – Como aconteceu? Como você me encontrou?

- Calma minha amiga – Edite se manifestou. – Tudo vai ser conversado com calma.

- Claro! Claro! – Silvia balançou a cabeça. – Isso também não importa agora. Eu tenho meu filho comigo, e não há nada maior do que isso.

Silvia beijava cada cantinho do rosto de Miguel.

- É melhor entrarmos – ela sugeriu.

Edite, Miguel e sua mãe entraram na casa, menos Conrado. Ele estava se sentindo deslocado, em meio ao turbilhão que se formara. Resolveu ficar pelo jardim, enquanto Miguel e Silvia se acertavam. Também o nervosismo só iria atrapalhar, suas mãos suavam frio. Mesmo depois de todas as afirmações feitas por Miguel em relação ao namoro deles, ante uma possível rejeição de Silvia, Conrado permanecia inseguro e angustiado, torturado intimamente com a possibilidade de perder o cordeirinho. E com remorsos, por ficar pensando mais no futuro do seu namoro do que no reencontro de Miguel com sua mãe.

No interior da casa a agitação era grande. Silvia pressionava tanto Miguel contra o seu peito, que ás vezes dava a impressão de que ela queria o colocar novamente em seu útero.

- Não houve um só instante em que eu não pensei em você, meu filho – Silvia falava retendo Miguel em seu colo. – Tinha até contratado um detetive, mas ele tinha feito duas buscas frustradas.

Miguel retirou do bolso a foto em que Silvia expunha a barriga de grávida, com nome dele escrito com tinta vermelha.

- Eu supliquei tanto a Deus, apertando essa foto contra o peito, que me ajudasse a encontrá-la, e agora vejo minhas preces sendo atendidas.

- Meu filho... – Silvia não cansava de repetir. – Eu nunca te abandonei, nunca quis que ficássemos longe um do outro.

- Eu sei. Foi meu pai.

- Nós dois errámos nessa história, mas em nenhum momento eu quis...

- Eu acredito na senhora – Miguel a silenciou.

- Aconteceram tantas coisas nesses anos.

- Vou para a cozinha – Edite saiu, deixando os dois mais a vontade.

- Obrigada minha amiga – Silvia meneou a cabeça para ela.

- Mãe, agora não importa mais nada – Miguel a olhava encantado. – Estamos juntos novamente, e agora ninguém vai nos separar.

- Eu sei meu filho – Silvia sentia medo de ser rejeitada por seu Miguel. – É tão bom ouvi-lo me chamar de mãe.

- Mãe! Mãe! Mãe! – Miguel voltou aos braços dela.

Silvia poderia ficar por horas daquele jeito, ouvindo o seu filho chamá-la de mãe, admirando sua beleza e incrível semelhança. Mas não fazia sentido esperar mais. Miguel deveria conhecer sua história.

- Eu e seu pai nos conhecemos na faculdade – Silvia começou. – Naquela época, a única coisa que queríamos era “aproveitar” a vida. Vivíamos no limite do perigo. Quanto mais arriscada fosse à aventura, melhor era o prazer. Não demorou muito e nossos voos começaram a ser mais ousados. Íamos a festas regadas a muita bebida, droga e sexo. Antônio e eu desfrutávamos de tudo ao máximo. Logo o vício começou a destruir tudo a nossa volta. Os pais de Antônio, que eram evangélicos e sonhavam ver o filho pastor, intervieram imediatamente, o mandando para uma instituição de regime fechado, associada à igreja. Sofremos muito, pois apesar de toda delinquência, nos amávamos.

“Quatro anos depois, Antônio voltou formado em teologia. Estava diferente, mais austero, empertigado. No entanto, eu ainda o amava e ele também me amava, pelo menos foi o que pensei. Só que havia um grande problema: eu estava viciada em cocaína. Mesmo diante disso, ele resolveu dar mais uma chance para nós, e eu, além de querê-lo muito, também via na sua nova vida, uma chance de me libertar do vício.

“Eu resolvi entrar em uma clínica de dependentes, mas ele não permitiu, pois afirmava que o meu problema era espiritual e eu só seria libertada se aceitasse Jesus e renegasse o inimigo. Entrei para sua igreja e fiz tudo que ele me pediu, mas não adiantava. Eu estava doente, precisava de cuidados médicos, não que eu duvidasse do poder de Deus, mas percebi que ele só poderia me ajudar se antes eu fizesse isso por mim mesma. E contra a vontade de Antônio, procurei um grupo de apoio. Nesse meio tempo, descobri que estava grávida dele, e esse fato nos uniu mais uma vez. Nos casamos, e passamos os nove meses da gravidez relativamente felizes.

“Assim que você nasceu, eu tive a certeza de que lutaria com mais afinco contra o vício, e até vi isso acontecer de fato, mas a convivência com Antônio se tornou catastrófica e instável, e isso me fazia regredir todos os passos que conquistava com dificuldade. Resolvi então que o melhor era sair daquela relação e me dedicar a você. “Quando mencionei a ele que partiria, foi o fim do mundo. Antônio disse que

jamais permitiria que eu fizesse isso, então ele planejou tudo minuciosamente. Trancou- me numa Casa de Saúde e fugiu com você. Minha vida estava destruída, eu de fato fiquei louca. Afundei-me no mar de depressão, ficando num estado de total indiferença com tudo em minha volta.

Eu tinha uma amiga de infância chamada Clarice. Ela acompanhou todo o meu drama com Antônio, e foi a única pessoa que esteve do meu lado todo tempo. Ela me removeu do inferno em que seu pai me jogara, e me transferiu para um centro de apoio a dependentes. Os dez primeiros anos longe de você foram os piores. Eu me recusava a fazer tratamentos, recusava ser ajudada. Então fugi da clínica, e envolvi-me com uma turma barra pesada e fui presa, mas parecia que a mão de Deus me desviava da morte.

“Clarice foi à minha procura, e tentou me convencer a voltar novamente para o tratamento. Ela me dizia que eu se quisesse recuperar você, precisava antes me recuperar. E foi por você, pelo amor ao meu filho, que eu entrei na luta contra o vício de verdade”.

Miguel chorava comovido, com tudo que ouvia de sua mãe. Nem nos seus maiores devaneios imaginou todo esse drama.

- Encontrei o Espaço Recomeçar, e a Edite – prosseguiu Silvia. – As coisas pareciam clarear na minha mente. Dediquei-me arduamente ao tratamento, vencendo com muita dificuldade cada batalha do dia, movida apenas pela fé em Deus e a esperança de tê-lo novamente comigo. Nesse meio tempo conheci um anjo. Ele era voluntário no trabalho com os dependentes. Por já ter sido um, ele entendia o sofrimento que se passa por conta do vício.

“Desenvolvemos uma fortíssima amizade, que depois se tornou a mais pura expressão de amor. Nos casamos, e construímos uma vida juntos aqui. Fernando, o nome dele, até me prometeu bem pouco tempo atrás, que ia me ajudar a encontrá-lo meu filho, mas agora a vida me surpreende com esse milagre, depois de tantas tempestades”.

- Mãe... – Miguel a abraçou mais uma vez. – Esse é um recomeço.

Os dois ficaram juntinhos, numa sincronia de ninar, enquanto os soluços sussurravam pela sala, cessando lentamente.

Às vezes desejamos uma coisa como se nossa vida dependesse disso, quase sempre o desejado não vem no momento da requisição. A frustração nos acerta em cheio, refletida em reclamações, desespero, lamúria. Mais tarde o que desejamos chega, no momento em que não pedimos. Por quê? Talvez porque antes não estávamos preparados o suficiente para receber.

***

Conrado estava absorto na contemplação das margaridas do jardim de Silvia.

Aquele cheiro balsâmico- floral estava lhe fazendo muito bem.

- Conrado? – uma voz lhe cortou os pensamentos.

Ele virou-se rapidamente para trás, e abriu um sorriso tímido quando seus olhos encontraram Miguel ao lado de Silvia. Os olhos dos dois estavam visivelmente inchados.

- Tudo bem? – perguntou Conrado vagamente.

- Quase! – respondeu Miguel. – Mas pode ficar melhor, depois que você cumprimentar sua futura sogra.

Bem, diante de uma quase intimação, Conrado ficou emudecido, expressando apenas pelo arregalar dos olhos, o impacto das palavras despreocupadas de Miguel.

Sem conseguir emitir nenhuma palavra, ele engoliu a seco, tentando desfazer o nó que havia se formado em sua garganta.

- Não precisa ficar com vergonha meu rapaz – Silvia se manifestou, enquanto Miguel se deliciava com a expressão de pavor de seu namorado. – Meu filho já me contou tudo sobre o relacionamento de vocês.

- Fo... Fo.. Foi – Conrado suava frio.

- Fo... Fo... Foi – Miguel zuou o namorado.

- E tudo bem para senhora? – o gago Conrado ainda pisava no terreno com certa cautela.

- Lido todos os dias com jovens gays que são expulsos de casa, ou sofrem pressão por parte da família para buscar um “tratamento”. Como fuga para seu desespero, muitos embarcam no mundo das drogas, ou até mesmo tentam o suicídio. Eu sei o que é estar em desvantagem em relação às outras pessoas, ou ter de enfrentar uma sociedade que em vez de ajudar, prefere pisotear-nos como se fôssemos uma praga que ameaça a ordem e a paz mundial. Além do mais, eu amo meu filho, clamei várias noites em claro à Deus, para que tivesse mais uma oportunidade de tê-lo junto a mim, agora que esse momento tão esperado chegou, saber de sua sexualidade, é apenas um detalhe irrelevante. Afinal, nossa condição sexual é apenas uma faceta. O ser humano é muito mais complexo, julgá-lo pelo um único elemento é burrice. Uma mulher com filhos, não pode ser vista apenas na ótica da maternidade. É muito mais que isso.

- Ufa! – Conrado respirou de alívio. – Achei que teria que cortar outro dobrado, como aconteceu com o pastor Olive... Desculpe. – Conrado baixou cabeça.

- Não se preocupe – Silvia o acalmou. – O seu único cuidado, deve ser o meu filho, pois ai de você se não o fizer feliz.

Miguel e Conrado riram, juntando-se em um beijo calmo e macio.

- Eu falei sério – Silvia repousou as mãos na cintura. – Acabo com você!

- Pode deixar sogrinha – Conrado a abraçou sentido como se tivesse abraçando sua mãe.

- Agora vamos entrar – Silvia pegou na mão de seus dois homens. – Temos muito que conversar.

Adentraram no sobrado.

***

- Estava uma delícia dona Silvia – disse Conrado depois de devorar o mousse de laranja.

– Agora sei de onde vem o talento do cordei... Do Miguel para a culinária.

- O cordeirinho parece ser mesmo uma caixinha de surpresas – Silvia gargalhou junto com seu filho.

- Relaxa Conrado, não há quase mais nada que minha mãe não saiba. – Miguel não perdia a oportunidade de encurralá-lo, mesmo sabendo que pagaria um preço muito caro quando os dois estivessem sozinhos.

O almoço tinha seguido bem. A conversa era animada e a comida deliciosa, com aquele sabor de tempero de mãe, que lembra a infância.

Alguém para chamar de mãe. Alguém com o mesmo sangue, que assumia o papel real, sem necessidade de um dublê. O que Miguel podia pedir mais da vida? A aceitação por parte do pastor Oliveira? Mas aí já seria exigir demais dos céus. No momento, tudo que ele precisava estava ali, ao alcance de seu abraço e beijo: sua mãe e Conrado.

- Estamos entrando – uma voz masculina soou na porta principal.

Conrado e Miguel demonstraram certa apreensão, como se tivessem invadido uma propriedade particular, e o dono tivesse acabado de chegar.

- Mãe! – uma garotinha de cabelos ondulados e aloirados, usando uns óculos grandes em cores neon, adentrou pela casa esbaforida, se atirando sobre Silvia, que estava sentada na cabeceira da mesa. Por um momento ela ignorou os estranhos em sua casa.

- Ivy! – Silvia recebeu a menina nos braços, deixando-a quase em seu colo.

Ela encheu a mãe de beijos sôfregos, que com certeza seriam esgotadas com a anunciada puberdade.

- Oi amor – a voz masculina se apresentou na forma de um homem robusto de aparência jovial e postura descontraída.

Ele que vinha ao encontro de sua esposa com a cabeça levemente inclinada para trás, e o blazer atirado nas costas, pendurado pela mão esquerda por sobre o ombro, ficou mudo quando seus olhos avistaram a versão juvenil e masculina de Silvia.

- Quem são eles mamãe? – Ivy fez a pergunta que para seu pai era quase retórica.

Silvia derramou algumas lágrimas, alternadas por um sorriso que só se dá quando cruza a linha de chegada de uma longa e dificultosa corrida.

- É ele – ela disse com a voz embargada.

- Ele?! – o homem encarou os olhos grandes de mel do filho de Silvia, que o fitavam um pouco acuado. – Meu Deus!

- Ele veio para mim Fernando.

Ninguém sabia o que fazer direito. Em momentos como esse, a vida para em um ato raríssimo da natureza.

Ivy deixou sua mãe e foi em direção a Miguel, que permanecia mudo. A garotinha acariciou o cabelo dele, encontrando familiaridade na textura sedosa e na ondulação.

- Você é o Miguelzinho, meu irmão? – ela perguntou finalmente depois de analisá-lo, memorizando cada traço do seu rosto afilado.

Miguel apenas balançou a cabeça, abrindo um sorriso solar. Ivy voou em seu pescoço abraçando-o desesperadamente.

- Como você é lindo! – a pequena exclamou. – Eu tenho um irmão lindo!

A emoção no ar era palpável. Todo o sentimento avolumado no peito dos presentes era escapado por aquela criaturinha encantadora.

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Comentários

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Eu estava desesperado com a tua demora pensando que não ias postar, mais mais graças aos çéus estas de volta.Embora achei o capitulo um pouco menor que os outros,ficou perfeito.S2S2S2S2S2

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