Asfalto - Capítulo 03

Um conto erótico de Lord D.
Categoria: Homossexual
Contém 5210 palavras
Data: 07/01/2016 19:26:14

– Capítulo 03 –

O Lobo e o Cordeiro juntos?

Conrado estava pálido e suando cântaros. Ele sabia que agora a situação era bem diferente. Não se tratava apenas de uma rebeldia juvenil para infernizar seu pai. Ele talvez tivesse matado aquele homem. Depois de muito tempo sua razão enxergou novamente a realidade, infelizmente as circunstâncias eram as piores.

Um dos policiais ligou solicitando uma ambulância, depois de verificar que o homem estava vivo, para um breve alívio de Conrado.

- Dessa vez você não escapa playbozinho – continuou a falar o policial diante da mudez do rapaz.

- Eu não vi esse infeliz! Ele surgiu na frente de repente! – Conrado gritava, enquanto era revistado pelo agente, que de praxe, o havia coloca de pernas abertas e mãos sobre a cabeça.

- Calado! – o policial deu-lhe um solavanco – Guarda teu “discursinho” de merda para o delegado Luís, e pro teu papaizinho.

- Uhu! – o segundo policial exclamou ao revistar o carro de Conrado. – Bebidas, inalantes. Deixa-me adivinhar: tudo isso era consumido ao volante, certo? O teste do bafômetro pode responder por você, não se incomode.

- Só o hálito dele já responde – o policial que o revistava riu. – parece que dessa vez, vai sobrar só pra você. Que inveja eu tenho de você cara, queria tanto ter amigos como os seus.

Logo a ambulância solicitada chegou, e socorreu o infeliz atropelado, partindo juntamente com o carro da polícia que seguiu para a DP.

Na delegacia, o delegado Luís encarava Conrado com um tremor de raiva e decepção que percorria cada célula do seu corpo. Ele não sentia aquela satisfação policial, de ter encurralado um filhinho de papai que se achava o dono do mundo. Conrado era como um sobrinho, filho de sua saudosa melhor amiga. E a tolerância do delegado, era exclusivamente por causa de sua profunda amizade com Clarice Jadão.

- Onde estão seus “amigos”? Abandonaram você? – perguntou o delegado. Conrado com os olhos voltados para baixo, não deu uma palavra.

- Não quer falar. Entendo? – o delegado não desviava os olhos do detento – É engraçado, como esses “amigos”, surgem nas horas abastadas e desaparecem quando a coisa esquenta...

- Vamos pular essa parte em que você abandona o distintivo de delegado e banca o padrinho preocupado? Liga logo pro senhor Luciano Jadão pra gente acabar logo com isso.

- Eu já fiz isso – disse o delegado fingindo tranquilidade. – Ele disse que não vai interromper o jantar dele, para vir socorrer filho delinquente.

Conrado olhou para Luís incrédulo, e riu antes de dizer:

- Eu não acredito no bicho-papão. Agora liga para o velho.

- Já disse que ele não vem. Se não quer acreditar não é problema meu.

- Escuta aqui...

- Escuta aqui você moleque! – o delegado bateu com força na mesa. – Na minha delegacia você é só um merdinha. Você pode bancar um de reizinho mimado na sua casa e fazer o sue pai de trouxa, mas aqui as coisas são bem diferentes. Para sua sorte, o homem que você atropelou está bem. Algumas fraturas e escoriações, mas nada que o impeça de voltar a sua vida normal.

- Vida normal? Ele estava em um túnel abandonado, provavelmente era um mendigo – tentou fazer piada Conrado, rindo sacanamente, mas sem reciprocidade.

- Ele não era um mendigo – interveio Luís. – Fui informado de que a família o procurava há quase um mês. Ele perdera sanidade com a morte da esposa que ele tanto amava – o delegado usou de um tom bem cruel.

Conrado comprimiu os lábios o máximo que pôde, tentando segurar uma angústia que o dilacerava. O fato de ter quase matado aquele homem, que estava acometido da mesma moléstia da alma que ele, o flechara violentamente. E pra não dar margem e extensão àquele assunto, ele logo tratou de se esconder atrás da indiferença.

- Quando meu pai vem me tirar?

- Ele vem amanhã com o advogado, ver como fica a sua situação, mas devo antecipar a você que as coisas não serão nem um pouco fáceis.

- Quer dizer que eu vou ter que dormir aqui? – esbravejou o rapaz.

- E se não se comportar, vai dormir no chão!

- Quem você acha que eu sou?

- Você é um moleque mimado, que vai aprender que o mundo não se ajoelha diante dos seus caprichos! Leva ele Moreira! – o delegado acenou para um policial que estava a postos.

Conrado foi praticamente arrastado para cela, protestando e esperneando para tudo quanto é lado. Dessa vez ele não teria a intervenção imediata de Luciano Jadão, seu pai. Dessa vez ele sentiria o peso dos seus atos, mesmo que por uma noite.

Jogado na cela, ao lado de dois caras mal-encarados, Conrado se encolheu num canto feito um coelhinho afugentado em meio a lobos famintos. Ele abraçava seus joelhos, igualmente quando fazia nos primeiros meses da ausência de sua mãe. As lágrimas quentes escorriam pelo seu rosto assustado. Ele limpava com pressa, pois não permitia se expor daquela forma.

- O bebezinho tá “cholando” – disse um dos homens imitando voz de criança, rindo e arrancando uma gargalhada do companheiro – “Tá quelendo mamadeila” é? Titio tem uma bem quentinha e cheia de leitinho entre as pernas.

- Cara me deixa em paz, eu só quero ficar aqui no meu canto – protestou Conrado com a voz embargada.

- Me deixa paz, me deixa em paz – afeminou a voz o homem, debochando do Jadão.

Ele se levantou e começou a alisar o rosto de Conrado, que desviava das mãos fétidas com asco da situação.

- Se tiver sentindo saudade da puta da tua mãe, pode deixar que eu te esquento a noite.

- Lava essa sua boca imunda pra falar da minha mãe seu porco! – Conrado empurrou o homem com força, se levantando. Seus olhos eram puro ódio.

- A bichinha quer bancar uma de macho – o homem se levantou dando um soco com toda força no rosto de Conrado, que foi imediatamente ao chão. Logo vieram uma chuva de chutes e pisões nas costelas, barriga e pernas.

Conrado urrava de dor. Seu gemido era clemente e débil.

- Isso é pra você aprender a não bancar o comédia, seu monte de bosta! – o homem inflou os peitos, reunindo todo o catarro comportado no pulmão, e escarrou como um canhão no rosto de Conrado, dando-lhe mais um chute.

- Vamo parar com essa putaria ai! – gritou o carcereiro batendo em uma cela antecedente a do o filho de Luciano.

O homem deixou Conrado jogado no chão, e correu pra sua cama fingindo está dormindo.

A noite na mansão Jadão correra maravilhosamente bem. Miguel encantara todos os convidados com sua voz e maestria frente ao piano. Júlia deu atenção devida para as pessoas, e Luciano tentou passar a impressão de que tudo estava bem, apesar de estar com as carnes tremendo de raiva de mais uma do seu filho, mas ele havia tomado uma decisão que mudaria o rumo das coisas. Ou Conrado mudaria depois desse tratamento de choque que ele estava prestes a receber, ou Luciano, com muita dor no coração e decepção pelo seu próprio fracasso, iria lavar as mãos com relação ao filho rebelde.

Não houve sono nem para Conrado e muito menos para seu pai e madrasta.

No café na casa de Miguel, o pastor Oliveira fez um interrogatório. Queria saber até quantos passos o filho dera no jardim.

- Essas pessoas deviam usar suas energias em prol do reino, ou pelo menos abrir os corações para a mensagem de Cristo. – comentou secamente o pastor.

- Eles se mostraram muito humanistas, papai. Estive conversando com algumas senhoras do clube lótus e fiquei encantando com os projetos que elas tem feito no combate a marginalização de crianças.

- Isso tudo é refugo – disse o pastor. – Sabe que isso não tem valor algum, pois essas pessoas não estão cingidas pela Palavra. Espero que tenha sido a última vez que você me peça para ir nessas convenções. Só permiti por que, além de sua insistência, queria que visse de perto as diferenças entre as ovelhas e os lobos, entre os justos e os injustos. Miguel ficou em silêncio, pois não queria fingir concordância, e muito menos se opor às convicções bíblicas de seu pai.

- E como é mansão por dentro? – quis saber Fernanda.

A madrasta estava empolgada com a descrição da festa dada por seu enteado. O pastor Oliveira apenas a olhou com olhos reprovativos.

Ainda na mesma manhã o advogado de Luciano Jadão, foi até a delegacia resolver a situação de Conrado. Conseguiu a liberação dele, mas o filho de Luciano sofreria um processo por todos os delitos cometidos. Em suma, a situação estava muito complicada. Quando o rapaz, todo cheio de hematomas e machucados por todo o corpo, deixou a cela, estranhou o fato de seu pai não está a sua espera com um sermão pronto para ser rezado. Apenas o advogado da família o aguardava. Conrado estava horrível. Um trapo de gente, e principalmente, seu espírito estava quebrado, e uma pessoa nesse estado, é deplorável.

- Seu carro já foi liberado, mas vamos com o meu – disse o advogado, quando saiam da delegacia. – Esses machucados foram...

- Ontem a noite, antes de eu ser preso. Uma briga. – Conrado não sabia por que estava mentindo, talvez por ser humilhante contar a verdade.

- Certo. Seu pai me incumbiu de levá-lo para casa, para que se recomponha. Em seguida quer que vá para o hospital – informou o advogado, não obtendo nem uma resposta.

Conrado prontamente entrou no carro e ficou em silêncio todo o percurso. O sangue coagulado misturado ao odor da cela tornava um gambá mais apresentável que o rapaz. Já em casa, Conrado tomou um banho lento, gemendo a cada fio de água quente que lavava seus machucados. O escarro do fétido companheiro de cela parecia ter atingido sua alma, pois por mais que ele lavasse e esfregasse não se sentia limpo. O banho também foi um momento de reflexão. Sem desejar, ele viu tudo que tinha feito nos últimos anos. Não sentia orgulho, sentia raiva por sua consciência, depois de tanto tempo tomar fôlego de vida novamente. E sua consciência era linda. Tinha cabelos cacheados, boca vermelha como uma maçã na plenitude de sua madureza. Tinha olhos arrebatadores, e uma voz que aplacava qualquer dor. Por isso, ele odiava ainda mais essa maldita consciência.

Enquanto se vestia, seus olhos atingiram a foto de sua mãe. Ele teve a impressão de estar sendo repreendido por aqueles olhos negros como a noite. Resolveu não encará-la por muito tempo.

Depois de fazer alguns curativos e tomar comprimidos para dor, ele comeu alguma coisa, e obedeceu pela primeira vez, desde a morte de sua mãe, a uma ordem do pai. Seguiu para o hospital de taxi, conforme a instrução.

Na sala de Luciano, ele e Júlia aguardavam o rapaz.

- Estou pronto para sessão tortura – disse Conrado, sentido dor em falar. Seus lábios estavam muito machucados.

- Eu hesitei muito em fazer isso. Tive a esperança de que você se concertasse, mas acho que esperei algo sobrenatural – falava seriamente Luciano, evitando a todo custo não se importar com o estado físico do seu filho. Júlia permanecia em silêncio. – Então terei eu mesmo que fazer algo a respeito. – Luciano pausou por um breve instante antes de continuar: – todos os bens que sua mãe lhe deixou estão sobre a minha administração. O apartamento em que você faz suas orgias vai ser alugado...

- O quê?! – se crispou Conrado. – Você não pode fazer isso? Eu não sou mais um garotinho!

- Eu posso sim! Eu tenho respaldo jurídico pra isso! – vociferou Luciano, fazendo Conrado recuar. – Você é maior de 18, mas estava dilapidando seu dinheiro, consegui

na justiça, interditar você. Na verdade isso não é algo novo. Mas dei tempo para ver se eu não estava sendo radical demais. Mas fique tranquilo, não tocarei e nem um centavo seu, mas não permitirei que você jogue no ralo, um patrimônio conquistado com muito suor pelos seus avós! Quando você aprender a ser homem, terá todos os seus bens reavidos.

- Você quer acabar comigo, não é?

- Ninguém precisa fazer isso Conrado, você está dando conta direitinho dessa tarefa – Luciano estava possesso. Eu quero salvá-lo. – Ainda não terminei. Você irá prestar serviço voluntário aqui no hospital pela manhã, e irá trabalhar comigo.

Conrado gargalhou não acreditando no que ouvia.

- Eu tenho escolha? – perguntou ele irônico.

- Claro que tem – respondeu Luciano fingindo um sorriso. – Pode voltar pra cadeia se quiser. O trabalho voluntário e o trabalho remunerado foi um acordo que o meu advogado fez, para que você responda aos processos em liberdade. Para sua sorte, conseguimos que fosse aqui mesmo. – E então? O que me diz?

- O que eu devo fazer? – este foi o sim de Conrado.

- Pela manhã fará o seu trabalho voluntário. Júlia irá conduzi-lo para o setor em que você foi lotado. A tarde compareça a minha sala, e então lhe instruirei sobre o seu trabalho remunerado. Agora pode ir.

- E no que consiste esse trabalho voluntário?

- Júlia vai explicá-lo no caminho – disse Luciano.

A madrasta de Conrado o levou em direção a um corredor. Passaram por um placa que informava: “ONCOLOGIA INFANTIL”

- Você vai trabalhar com um voluntário que tem colaborado bastante aqui – disse Júlia parando em frente a uma porta. – Tenho certeza, que o convívio com ele fará muito bem a você.

- Eu tenho que fazer o quê? – perguntou secamente o enteado.

- Aprenda com ele – Júlia respondeu no mesmo tom, deixando sozinho Conrado.

Meio assustado ele se aproximou lentamente do vidro da porta, e começou a inspecionar o interior da sala, com certo receio do que poderia encontrar. Eu sou espero que não seja uma tia gorda que me encha o saco, pensou Conrado.

- Vamos fazer barulho? – convidava uma voz suave, tendo como resposta um “SIM” em coro das crianças.

Conrado via através do vidro, um rapaz de cabelos cacheados que distribuía vários instrumentos musicais de brinquedo, para crianças guarnecidas por toucas e capuzes em suas cabecinhas carecas.

- Vamos fazer igual ao filme, ok? – instruía o voluntário, demonstrando muita satisfação pelo trabalho. – Eu começo – ele se sentou atrás de um pequeno piano.

“Why can‟t we be friends? Why can‟t we be friends? Why can‟t we be friends? Why can‟t we be friends?”

- Gente tá muito lindo – disse Miguel, interrompendo a música por alguns instantes – Desse jeito vamos ser convidados para Broadway.

As crianças se empolgavam rindo, e aquelas que não estavam muito debilitadas, ainda se atreviam a uma estripulia pueril.

- Vamos continuar?

- Vamos! – o coro assentia.

- Tio Miguel? – veio uma garotinha sardenta em direção ao rapaz.

- Fala meu anjo – disse Miguel beijando com gosto a bochecha da menina.

- Por que o senhor não convida aquele moço pra cantar com a gente? Ele parece estar gostando da música – declarou a menina.

- Que moço? – perguntou Miguel confuso.

- Aquele ali, que está de boca aberta admirando a gente do lado de fora. – a garotinha apontou para a porta.

Miguel girou o corpo, e ficou muito surpreso ao ver um lindo rapaz loiro parado do lado de fora: Conrado Lima Jadão. Ele que esteve ali durante todo esse tempo, sem perceber, que seus olhos brilhavam vendo Miguel daquele jeito com aquelas crianças.

A garotinha foi até a porta e abriu subitamente, fazendo com que Conrado quase desse com a cara no chão. As crianças começaram a rir.

- Vem tio, vem cantar com a gente – chamou a menina puxando Conrado pelo braço.

Os dois ficaram de pé, parados, encarando bem fundo, um nos olhos do outro. Miguel e Conrado. E este primeiro não estava com um ar tão receptivo como da última vez.

- O que você veio fazer aqui? Eu já disse que não vou falar nada – Miguel estava um pouco assustado, lembrando-se da violência que sofrera por parte de Conrado na mansão.

- Relaxa aí “cachinhos dourados” – disse Conrado com um jeito malandro. – Meu pai quer armar um circo, por isso me mandou pra cá. – Ele olhava para o recinto com um desconforto muito grande.

- Não estou entendendo – Miguel franziu o cenho.

- Vamos continuar tio Miguel – disse a garotinha que abrira a porta para Conrado.

- Só um minuto Luiza.

- Tudo bem! – ela concordou e foi dedilhar o piano.

Antes que a os dois reatassem a conversa, Luciano Jadão entrou na sala.

- Bom dia Miguelzinho – cumprimentou o doutor afetuosamente.

Conrado desferiu um olhar de inveja e surpresa para o seu pai, vendo a maneira como seu pai tratava o filho do pastor.

- Bom dia Dr. Luciano – Miguel abriu um sorriso. No hospital ele fazia questão de tratar Luciano com formalidade, apesar de estar ali prestando um serviço voluntário.

- Desculpe-me por não ter colocado você a par das coisas – disse Luciano. – O Conrado vai prestar serviço voluntário com você aqui na oncologia infantil. Espero que isso não seja um problema, ou que ele seja um problema – Luciano virou sua atenção para o filho, que tinha um mascara de impaciência.

- Claro que não! – respondeu Miguel. – Tenho certeza que o trabalho voluntário vai ser de grande valia para o Conrado.

- É com isso que estou contando. –suspirou Luciano – Bem, eu tenho uma cirurgia muito delicada daqui a pouco. Bom trabalho pra vocês. E Conrado, lembre-se do que conversamos.

- “Lembre-se do que conversamos” – Conrado imitou satiricamente seu pai, depois que ele saiu.

As crianças caíram na gargalhada, e Miguel, apesar de se esforçar muito, não conseguiu segurar o riso.

- Parece que você está fazendo o trabalho direitinho – ele disse, diante da alegria das crianças.

- Isso não foi pra ser engraçado – ele quase gritou. – Acha que eu ligo pra isso aqui? Acha que estou nesse lugar estranho, por vontade própria? Não São Miguel, eu não

quero barganhar a minha entrada no céu com Deus – sua voz era cruel. Logo as crianças tiraram as feições alegres, assim como Miguel.

- O que você pensa que está fazendo? Eles não têm culpa das suas burradas ouviu? Você não tem Deus no coração não? – Miguel arrastou Conrado para o canto pra dizer isso. Apesar de modular a voz para um tom que não apavorasse as crianças, mais do que elas já estavam.

- Esse seu discursinho de crente salvo não funciona comigo não, seu morto de fome – Conrado estava com os olhos vermelhos. – Você pode fingir ser esse “poço de retidão” pra o babaca do meu pai e da esposa dele, mas eu sei que por trás dessa cara de anjinho dos oprimidos, tem alguém interesseiro que quer tirar proveito do trouxa do Luciano Jadão.

- Você não sabe de nada garoto – disse Miguel com olhos marejados. – Meu Senhor, como alguém pode ser tão horrível como você? Eu jamais vim pra cá com intenções escusas. Mas não faz sentido eu tentar te explicar nada, né?

- Não faz sentido você falar comigo! – Conrado salivava convulsivamente.

- Desculpa se minha presença te incomoda tanto – a voz de Miguel era como a de uma criança – Só desejo uma coisa a você: que encontre o que está procurando. Mas pelo seu estado – Miguel analisava os hematomas de Conrado –, acho que já encontrou.

Conrado nada respondeu. Apenas se atirou em um sofá no canto da sala, pôs os fones de ouvido e fechou os olhos, ignorando tudo e todos ao seu redor.

- E agora tio Miguel, a gente pode voltar a cantar? – perguntou Luiza.

- Claro minha linda – Miguel a beijou, ajeitando sua touca que estava torta, revelando um pouco da total ausência de cabelos.

“Why can‟t we be friends? Why can‟t we be friends? Why can‟t we be friends? Why can‟t we be friends?

I've seen you 'round for a long long time

I remembered you when you drank my wine…”

Miguel estava ferido, mas não queria de jeito nenhum passar aquilo pra aquelas crianças, que mereciam paz, esperança e uma palavra afetuosa. Ele olhava pra Luiza, a criança da oncologia com quem ele tinha mais apego, e sentia-se revoltado com Conrado.

A menina estava em estado terminal, não fazia mais quimioterapia, mas no hospital ainda podia ter toda a assistência. Ela era de um orfanato de freiras. Luciano se compadeceu de sua situação e assumiu a responsabilidade do seu tratamento de leucemia, mas ela não respondeu com êxito a nenhum dos tratamentos. E nem um só dia de sua estreita vida de sete anos, ela acordou mal-humorada ou reclamando de suas circunstâncias, de como a vida fora cruel com ela. Pelo contrário. Seu sorriso e suas palavras eram sempre cativantes e calorosas.

As lágrimas começaram a brotar nos olhos de Miguel, vendo-a sintonizada no ritmo da música. Sorridente. Por alguns instantes, ele não ouvia a música entoada por suas cordas, e acompanhada por seus dedos no teclado.

- Tio Miguel eu posso contar a historinha de hoje? – pediu Luiza, segurando nas bochechas de seu amigo, que por estar sentando no banquinho do piano, ficava quase na mesma altura da menina.

- Claro meu amor. Abra o seu Baú da Imaginação.

Ao fim da manhã, Miguel deixou o hospital sem dar uma palavra a Conrado.

Pegou suas coisas e encontrou Christiane que o esperava do lado de fora com o carro.

- Ei gatinho, que cara é essa? – ela perguntou assim que Miguel entrou no carro.

- Podemos conversar na sua casa? – Pediu ele.

- Claro. Mas não vai dar problema com o pastor? Afinal, eu sou uma péssima influência pra você – ela riu tentando descontraí o primo.

- Eu disse a ele que passaria na sua casa para deixar a roupa do jantar – respondeu Miguel.

- Tudo bem – ela concordou, saindo.

Na casa de sua prima. Miguel contou resumidamente os acontecimentos da noite anterior, enquanto ela preparava um lanche. Os dois conversavam na cozinha.

- Mas agora vamos passar para o que interessa de fato – Christiane queria ser objetiva. – O que aconteceu que te fez ficar desse jeito?

- Conrado Lima Jadão.

- Tem homem na parada! – Christiane comemorou.

- Nada haver Chris – balançou a cabeça em negativa Miguel – Conrado é um estúpido, inconsequente, não tem Jesus no coração... E você sabe que eu não gosto quando você fala desse jeito. Você sabe que aquilo foi superado.

- Vou fingir que acredito. Quanto ao Conrado, pensa bem, todo mundo sabe que ele perdeu a mãe daquela maneira, o pai ficou com a culpa, então...

- Eu também perdi minha mãe, e nem tive tempo de conhecê-la.

- Mas nem todo mundo é como você, Miguel. Algumas pessoas piram com as adversidades da vida. – filosofou Christiane.

Depois de uma breve o pausa, refugiado em reconsiderações, Miguel falou:

- Ele está me ajudando na oncologia, ou melhor, está sendo forçado a isso. Mas, talvez, o convívio com as crianças...

- Por que você não usa suas intenções cristãs e não tenta resgatar ele?

- Será que ele se converteria? Pode ser. A Palavra é viva e exerce...

- Não estou falando em conversão religiosa Miguel – Christiane revirou os olhos. – Estou falando em resgatá-lo dessa prisão de sofrimento em que ele se enclausurou.

Miguel ficou a pensar no que a prima a disse. Sim. Ele o ajudaria.

No dia seguinte, de volta ao Hospital Jadão , Miguel estava decidido que iria tentar engolir alguns sapões na tentativa de fazer algo por Conrado, mas já tinha conversado com Deus em oração, que não se humilharia ao rapaz, e se percebesse que em nada adiantaria seus esforços, ele simplesmente o deixaria de lado.

- Bom dia – disse Miguel para o seu companheiro, que estava jogado em uma cadeira dormindo de óculos escuros, próximo à porta da sala das crianças. – Bom dia! – Miguel tocou-lhe o ombro.

- O quê? Que ideia é essa de me acordar? – Conrado se ergueu irritado. Ele era bem mais alto e forte que Miguel. – O que foi que eu ti disse ontem sobre falar comigo...?

- Eu sei – respondeu rapidamente Miguel. – Mas vamos fazer um acordo?

- Acho muito difícil você ter alguma coisa que me interessa – disse Conrado asperamente, voltando pra sua posição relaxada.

- Seu pai vai querer um relatório sobre sua atuação. Eu, obviamente...

- Vai fuder com a minha vida. – apressou-se Conrado, arrancado de Miguel um suspiro de incomodo pelo palavrão.

- Não vou mentir – continuou Miguel.

- Pra não ir pra o inferno? – escarneceu Conrado.

- Por que eu mentiria para uma pessoa como o seu pai, em prol de uma pessoa como você? – Miguel o encurralou, tirando a mascara de sarcasmo do outro.

Conrado permaneceu em um breve silêncio, até que cuspiu as palavras:

- Fala logo a merda dessa proposta! – o Jadão estava impaciente.

- Você não precisa gostar de mim, ou desse trabalho – respirou fundo Miguel. – Faça o seu trabalho com responsabilidade, segundo o que eu for instruindo. Você cumpre o que

o seu pai quer e não arranja mais problemas. É tudo muito simples. Você é inteligente o suficiente pra saber que esse é o melhor caminho.

Conrado mordeu os lábios comprimiu as bochechas, coçou a nuca e o queixo, até

dizer:

- Tudo bem.

Miguel estendeu a mão para ele. Com receio, Conrado aceitou o cumprimento. As mãos do filho pastor eram tão macias e quentinhas. Por um curto espaço de tempo, ele se entregou aquele aperto. Lembrava muito...

- Já pode soltar minha mão – disse Miguel, com uma estranheza esculpida no cenho.

- Ah, claro – Conrado recuou sua mão rapidamente e a pôs no bolso. Seria mais seguro ela ficar lá.

Antes que os dois entrassem na sala, Miguel ainda disse.

- Conrado, cuidado com que você diz para as crianças. Elas já estão passando por muito sofrimento, medo e angústia suficientes. Qualquer palavra mal colocada pode ter sérias consequências – a voz de Miguel não era repreensiva, e sim condescendente.

- Entendi – assentiu Conrado.

- E... Você está muito bem hoje, quero dizer, os machucados estão amenizados – Miguel ficou desconcertado com sua fala.

- Eu sei que sou gostoso – sorriu o rapaz loiro. – Até mesmo cheio de hematomas. Por um lado, foi bom, o doutor me liberou do trabalho de ontem à tarde, para eu me recuperar.

Miguel olhava com detida atenção. Conrado era lindo, ele pensou, principalmente quando estava com a guarda baixa. Quando se deu conta de seus pensamentos, proferiu imediatamente uma repreensão, e entrou na sala.

- Bom dia meus amores – Miguel foi atacado por abraços quentes e sôfregos. – Ai que coisa boa. Vou querer isso todo o dia. A sala parecia uma casa de bonecas.

- Nossa como o senhor é bonito! – disse Luiza abraçando as pernas de Conrado.

O rapaz não sabia o que fazer. O abraço de Luiza foi uma coisa inesperada, suas mãos ficaram se esbarrando, sem norte.

- Você pode retribuir Conrado – disse Miguel, vendo o desconcerto dele. – Não corre perigo algum.

Conrado deu umas batidinhas nas costas de Luiza, meio sem jeito.

- Ele não consegue por que é bem altão – sorriu Luiza, elevando os braços e ficando na ponta dos pés, para demonstrar a altura de Conrado. – Mas o tio Miguel pode te ensinar a dar um abraço.

- Hã? – Conrado não entendeu.

Luiza depressa puxou o braço de Miguel e o fez colidir no peito rijo de Conrado.

Os dois ficaram se olhando muito assustados com a proximidade dos seus corpos.

- Agora é só enlaçar os braços – instruiu um garotinho de pele negra, como uma azeitona reluzente.

Como nem um dos dois tomava a iniciativa, Luiza envolveu os braços de Conrado na cintura de Miguel, este último, por impulso, enlaçou as costas do outro. Era a situação mais estranha, desconcertante e envolvente que os dois já foram colocados em suas vidas.

Uma onda de descargas elétricas percorria o corpo de ambos. O conforto e cheiro de jasmins do corpo de Miguel paralisaram Conrado. O calor e a rigidez máscula do corpo de Conrado deixaram Miguel muito nervoso.

- Bom dia Miguel – Júlia entrou de cabeça baixa, e levou um susto quando seus olhos encontraram a cena inusitada. – Por que estão se abraçando? – ela riu sem entender nada.

Os dois se largaram com uma rapidez hábil de uma lebre.

- Eu estava ensinando ao tio Conrado como dar um abraço – explicou Luiza para Júlia.

- Ah, entendi – Júlia fez uma cara que deixou Miguel vermelhíssimo. – Trouxe isso pra você Miguel – ela entregou uma caixa colorida enorme pra ele. – Veio do Mateus.

- Do Mateus? Estou morrendo de curiosidade – Miguel recebeu a caixa.

- Vou voltar pra minha sala agora, tenho uma consulta daqui a pouco – antes de Júlia sair, ela ainda disse: – Podem continuar com o abraço, não quero atrapalhar – ela riu pensando na cara de espanto do seu marido quando contasse sobre a cena inusitada.

Conrado, se pudesse, cavaria um buraco no chão e se enfiaria.

Miguel sentou-se em uma poltrona da sala, e pôs a caixa em seu colo, enquanto desembrulhava. As crianças, curiosas, se aglomeraram ao seu redor, com os olhos brilhando diante do colorido do embrulho. Conrado, disfarçadamente, olhava de esguelha, corroído por igual ou mais curiosidade.

Miguel retirou de dentro da caixa um enorme livro de capa púrpura aveludada, com uma tulipa dourada cravada na frente, confeccionada de um material que lembrava ouro. Na diagonal inferior direita, havia uma inscrição com letra manuscrita em tom

prateado: “Para o meu anjo da guarda, que me carregou nos braços quando não podia andar”.

Folheando o livro, seus olhos brilhavam reluzidos pelas lágrimas rasas que se formavam. Havia fotos de um rapazinho de mais ou menos 12 anos. Cada imagem mostrava seu cabelo maior. No rodapé, uma mensagem, uma poesia, um agradecimento sincero e corajoso.

- Meu cabelo vai crescer também tio Miguel, como o do Mateus? – perguntou um garotinho de olhos sonolentos e corpo levemente rechonchudo.

- Mais é claro que vai lindo – respondeu Miguel, enxugando os olhos. – Se você quiser João, seu cabelo pode ficar do tamanho do cabelo de Sansão.

- Quem é Sansão tio Miguel? – perguntou Luiza se aninhando no colo do rapaz, que se sentou no chão em posição de lótus.

- Vocês não conhecem a história de Sansão e Dalila?! – Miguel arregalou os olhos interpretando uma surpresa.

- Não! – responderam em coro.

- Então só me resta contar pra vocês essa história épica – Miguel bateu palmas. – Sansão era conhecido por sua força inigualável...

As crianças ficavam fascinadas com habilidade teatral de Miguel de contar as histórias. Até Conrado se rendeu ao momento, sentando-se no. Este ficou surpreso quando uma das crianças se recostou neles. A cena era linda. Miguel e Conrado rodeado de pequenos seres iluminados, sinônimos da esperança. Alguns mais recuperados; outros tantos em seus leitos, os mais debilitados, ouvindo detidamente. Plateia externa? Sim, havia. Luciano Jadão não estava acreditando no que seus olhos viam. Ele espreitava da porta sutilmente. Não queria que Conrado o visse.

- Você tem muito jeito com crianças – observou Conrado, enquanto Miguel juntava suas coisas para ir embora.

- Você também se saiu muito bem hoje – devolveu Miguel. – Logo, logo, terá cumprido seu trabalho, e então poderá deixar isso aqui.

- Não vejo a hora – disse Conrado, tentando disfarçar seus sentimentos ainda prematuros.

- Espero que aprenda alguma coisa disso tudo – falou Miguel partindo.

- Por que é tão importante pra você? Digo. Cuidar deles? – perguntou Conrado. – Não é sua responsabilidade

- Eu poderia dizer quer isso significa ser cristão, ou que amo essas crianças e fazer isso é uma autoajuda. Mas, você já revelou ter a resposta pra essa pergunta. Lembra? – Miguel virou-se pra ele. – Puro interesse – ele foi irônico.

Conrado ficou péssimo, pois começava a se dar conta como fora injusto com Miguel. E, principalmente, percebia que ele era merecedor de tantos elogios. Mas a percepção de Conrado não parou por aí; olhando ele andar pelo corredor, tinha que reconhecer que Miguel era boa pinta, se fosse uma mulher seria linda. Cabelo encantador e silhueta bem definida. Sua calça social deixava o desenho da sua bunda bem detalhado. Ele tem uma bunda tão... Quê?! Logo ele afastou seus pensamentos.

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Comentários

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Perfeito!!!!!Nota 1000.Cada capitulo é melhor que o outrn e fica cada vez melhor.O coração do Conrado ja começou a amolecer e com a ajuda do Miguel ele vai se derreter.Volte Logo.S2S2S2S2S2

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