Acordei hoje com tal nostalgia de ser feliz. Eu nunca fui livre na minha vida inteira. Por dentro eu sempre me persegui. Eu me tornei intolerável para mim mesmo. Vivo numa dualidade dilacerante. Eu tenho uma aparente liberdade mas estou preso dentro de mim.
Clarice Lispector.
Acordei na manhã seguinte em um local estranho... Logo identifiquei como sendo um hospital...
- Cauã?- disse minha mãe ao pé da cama.
- Mãe?! Por que eu estou aqui?
- Filho... acharam você com o carro batido em uma árvore... parece que os policiais prenderam um foragido...
- Como assim mãe?
- A polícia tá aí fora e quer te fazer umas perguntas filho...
- Eu não quero ver ninguém mãe...- falei nervoso, pois estava com medo de ser preso por ter esfaqueado Felipe e ter dirigido mesmo sem ter carta...
- é normal senhora... deixe-me um pouco a sós com o garoto- disse um homem de branco aparentando ser médico.
- Sim doutor.- disse minha mãe e se ausentou do quarto.
- Escuta garoto, eu sei que o que aconteceu com você não foi legal... sei que está machucado, mas você precisa denunciar à policia...
- Do que o senhor está falando doutor?- perguntei.
- Voce sabe que foi violentado, não sabe?
Nesse momento me lembrei das cenas que aconteceram comigo antes de esfaquear Felipe...e iria usar aquilo para me livrar dele.
- Sim doutor... me examinaram?
- Sim, o laudo já está feito... Agora você precisa denunciar quem fez isso com você...
Comecei a chorar...O médico aproximou-se de mim e tocou em minhas costas...
- Voce não precisa se envergonhar disso... Voce está bem agora!- disse ele e saiu do quarto...
Em seguida entraram dois policiais no quarto...
- Somos os policiais Willian e Cleber, e precisamos saber o que houve na noite anterior... Acabamos de prender um foragido e achamos o você acidentado próximo ao local...
- Sim senhor... eu estava no carro dele... tentando fugir... quando bati numa arvore...
- Voce pode nos dizer o que houve antes disso?
- Sim... eu... eu... eu fui violentado.- disse abaixando a cabeça...
Os dois policiais se entreolharam..
- E, eu me defendi com um canivete que tinha no bolso...
- E você conhecia o meliante?- questionou o policial...
Eu travei...
- Não, mas já tinha o visto andando na rua de casa...
- Pode identifica-lo?
- Sem problemas...
Fui levado à delegacia, e assim que olhei Felipe por um vidro pude aponta-lo... Mesmo morrendo de medo...
Felipe estava sendo procurado por assassinato, roubo e tráfico... Um currículo bem pesado... E acrescentou a ele o estupro de um menor, pois o laudo constou abuso e como ele havia me penetrado sem camisinha, havia material genético dele... Fui dado como vítima que agiu em legítima defesa, e ele encaminhado a um presidio para aguardar julgamento...
Ele que pague por todos os seus crimes...
***
Fui pra casa, minha mãe me abraçou muito e chorou... Pam acabou indo ver filmes comigo e dormir na minha casa...
- Pam... preciso falar uma coisa pra você...
- Fala migo!!
- Eu tava pensando... essa história de vingança, tá indo um pouco longe demais... e o Ricardo até já me pediu perdao e demonstrou realmente estar arrependido...
- Eu só posso estar sonhando ouvir isso Cauã.- disse ela.- já esqueceu tudo o que ele te fez passar?
- Não Pam,mas.. eu... eu já perdoei...
- Cauã... você é um mole mesmo... frouxo...vai ser sempre pisado pelas pessoas, porque é um fraco, que não sabe conviver com a ideia de vencer...- disse ela um pouco exaltada...
- Mas Pam, a gente se torna melhor quando não se comparamos a eles... a melhor lição que damos a eles é sermos diferentes... porque desde que fiquei com essa sede de vingança, as coisas só ficaram ruins pra mim!
- Okay Cauã... eu não compartilho desse seu mesmo pensamento... Perdoa o Ricardo... isso mesmo... mas perdoa ele sabendo o que fez comigo.. quero ver se é capaz...- disse ela com lágrimas nos olhos.
- O que ele fez com você... me diz?
- Sim... vou te contar... por mais que me doa...
- Fala Pam... fala!!
- Eu sei que você se lembra de mim antes do colegial... era uma garota bonita, mas amiga de todos... e um dia comecei a me apaixonar por ele... Ricardo... Eu era uma garota de família com dinheiro e acabei me envolvendo com ele, que me usava só pra conseguir as coisas que queria... eu vivia dando dinheiro a ele, e cheguei a roubar da carteira do meu pai para não perde-lo... Mas um dia acabei ficando grávida... isso mesmo, gravida do Ricardo...
Eu estava chocado... não sabia que a Pamela tinha um filho com o Ricardo...
- Eu estava feliz, mesmo sendo uma adolescente boba, e achava que ele ficaria também... Mas eu estava enganada Cauã... Quando contei ao Ricardo, ele não teve reação alguma... apenas me deixou plantada na praça...
- Tudo bem Pam... você tem um filho com o Ricardo e ele não liga pra criança, é isso?- questionei...
- Me deixa contar até o fim Cauã...
- Desculpa.- e ela prosseguiu...
- Depois de uns dias o Ricardo me ligou, e na ligação me chamou de amor, e disse que queria me ver mais tarde...e marcou comigo... e eu fui... Mas assim que cheguei... o Daniel me pegou À força com um outro homem e me levaram a uma casa velha, e me amarraram... e me deram algo pra beber...Quando acordei eu via uma velha senhora e Daniel, e eu sentia uma dor imensa... Adormeci, e quando acordei estava sozinha na casa, desamarrada e com a roupa suja de sangue... Fui ao hospital, mas já era tarde... e os médicos ainda me acusaram de ter feito um aborto ilegal, e pedi que não contassem aos meus pais Cauã... eu fiquei sozinha... meus pais nem souberam... e depois disso o Ricardo me esqueceu... agiu como se eu não existisse e eu prometi me vingar dele...
- Pam... eu... eu nem sei o que falar...- tentei me aproximar dela.
- Não tem que falar nada... – ela disse levantando-se e indo pra casa...
Eu fiquei tao impressionado com toda história que não consegui sequer sair do lugar onde eu estava...
Não conseguia dormir pensando em Pam, Ricardo e em Alex... e percebi o quanto sentia falta de Alex, pois ele não havia mentido pra mim e nem me usado, e ele dizia que me amava...
Levantei... Coloquei uma roupa e sai com a mochila da escola... Ainda faltavam horas pra começar a aula, mas antes eu precisava resolver algo...
Cheguei casa dele... Toquei a campainha...
Sua mae abriu a porta...
- Desculpe o horário senhora... mas eu preciso ver o Alex... posso?
- Filho... são 3h50 da manhã... Não dava pra esperar amanhecer o dia e se falarem na escola?-perguntou ela abrindo a porta para que eu entrasse.
- Desculpa ... é que é urgente...- eu disse passando por ela rapidamente...
- Ele está no quarto dele... e vê se não acostuma, porque a próxima vez que me acordar essas horas eu te dou uma surra garoto.- disse ela fechando a porta e voltando pro quarto dela...
Entrei no quarto de Alex... estava tudo escuro...tirei a camisa.. joguei a mochila no canto do quarto e deitei ao seu lado na cama... entrando em baixo das cobertas e o abraçando...
- Ah qual é irmã... que pé gelado... vai dormir na sua cama vai...- disse ele pensando ser sua irmãzinha que estava deitando com ele...
- Alex?- eu disse...
No mesmo momento ele pulou da cama... Assustado...acendendo a luz
- Cauã? O que faz aqui?- disse ele confuso.
Alex vestia apenas uma cueca box branca...e estava marcada de sua mala...
- Eu... eu simplesmente não consigo ficar longe de você!! Me perdoa.- eu disse...
Alex me encarava firme...
CONTINUA****
