O amor vai nos separar XXXVI

Um conto erótico de Irish
Categoria: Homossexual
Contém 1312 palavras
Data: 19/11/2014 17:52:40

A sensação era a de que eu estava cozinhando de tanta febre. Isolado dos outros pacientes naquele quarto frio, branco, intoxicado por anti-inflamatorios, corticóides, AZT injetável, eu delirava a maior parte do tempo, sem noção da divisão das horas. Respirava com esforço, com dor.

- Meu amor, fica bom logo_ eu ouvia a voz de Alex perto de mim, sentia sua mão na minha, e seu beijo em meu rosto, um beijo trêmulo e molhado de lágrimas_ Não me deixa, por favor.

Em meus delírios meus pais eram jovens, alegres e gostavam de mim. Eu me via com cinco anos de idade, e morávamos ainda na casa do Jardim Europa. Quintal grande, cheio de hortências e pés de manjericão. Eu andava no meu triciclo vermelho no gramado, enquanto minha mãe preparava o lanche: bolo de laranja. Cozinhava ouvindo The Hollies, sonhando com seu tempo de criança. Ela vinha me buscar para lanchar e eu comentava que quando crescesse queria ser pirata, sair pelo mar afora, vendo e vivendo em muitas terras ao mesmo tempo. Mas falei que tinha medo de que ela nao gostasse mais de mim caso eu fosse embora pelo mundo.

- Amor de mãe é pra sempre_ disse ela, cortando uma fatia do bolo_ Vou te amar sendo voce pirata, mecânico, padre, vendedor de carros...

Mas tinha batido o telefone na minha cara. " Mãe? Não me ama mais?", eu pensava, sentindo as lágrimas correrem quentes e silenciosas por meu rosto febril. Alex me apertava a mão.

- Não chora, meu anjo_ sussurrava, mas ele próprio tinha a voz embargada_ Eu estou aqui com você.

- Alex_ minha voz era como o "som" de uma borboleta pousando na janela_ Alex, não vá...

Ele não me ouvia. Quando a febre baixava um pouco eu podia vê-lo sentado naquela poltrona bege, em frente à janela. Estava abatido, com um olhar triste, e a luz sem graça da manhã fria fazia seu belo rosto parecer de uma melancolia invencível. Me dava tanta pena! Eu tentava falar algo, ou me mover, porem era impossivel, meu corpo não me obedecia. Meu peito doía tanto que parecia ter chumbo liquído e fervente no lugar dos pulmões.

Talvez tenha sido naquele dia, ou no outro, em que me puseram no oxigênio. Fiquei bem mais aliviado, respirando melhor. E não sei em que momento após isso, eu delirava, em pesadelos com o sarcoma, que era o meu grande pavor, quando me pareceu ver Vitor e Alex juntos à minha cama, me olhando com atenção. Teria o Vitor vindo se despedir ? Mas ele sorria, bonito como sempre, e se inclinou, me beijando a testa.

- Você é um vencedor_ sussurrou.

Se eu fosse, então porque aquela vontade de desistir, aquele cansaço de tudo? Não fazia nem um ano que eu travava aquela guerra, e já não aguentava mais. Vinha as vezes aquele desejo forte de me desligar e ir, porem logo dominava o sentimento que sempre me norteou tudo, o da vontade de viver plenamente, de aproveitar cada segundo daquela juventude tão preciosa.

Eles me olhavam, comentavam que eu parecia oscilar entre consciencia e inconsciencia, e conversavam ainda sobre coisas que eu nao compreendia. As lembranças se misturavam dentro de minha mente, apagadas ou muito coloridas, como fotografias mal tiradas: Vitor completando o Cubo Magico em dois dias, um recorde, e eu que tinha raiva daquele brinquedo por nunca ter conseguido completar; a minha primeira vez no apartamento dele, num domingo à tarde, quinze dias depois do nosso namoro, eu com mais desejo do que medo; a irritaçao que ele tinha quando eu o chamava de "Lion", dos ThunderCats, por causa do cabelo vermelho dele; o dia em que eu o deixei, por causa do Tony, sem remorso no inicio, mas depois, sozinho em minha nova casa ouvindo " Heaven Knows I'm Miserable Now" , dos Smiths, ficava pensando se a letra daquela musica se aplicava mais a ele ou a mim.

"Me perdoa, Vitor ", pensava num pensamento repetitivo, angustiado, que parecia durar horas inteiras.

Duas vezes ocorreu de eu ver Alex conversando no quarto com um garoto um pouco mais alto do que ele, bem vestido, de costeletas e cabelos lisos e escuros. A primeira foi num periodo em que meus delirios pareciam mais fortes e vivos, me dominando, a falta de ar estava mais severa e longos espaços de tempo de uma inconsciencia negra e uniforme se faziam presentes. O rapaz usava óculos de grau, e tinha um ar tímido e assustado olhando para mim vez ou outra.

- A reação aos medicamentos está sendo fraca?_ disse o garoto_ Mas isso nao é motivo para entregar os pontos.

- E não entreguei! Não vou entregar!_ disse Alex, andando agoniado pelo quarto, nervoso como nunca vi antes_ Eu não vou perder esse garoto, Beto, não vou. Lutei como um louco para conquistá-lo, consegui isso, fui feliz como voce nem pode imaginar e agora vem um vírus maldito e destrói tudo? De jeito nenhum. Ele é valente, corajoso, vai vencer essa.

Então aquele era Beto? Fechei os olhos, num cansaço, e eles conversavam ainda, sem que eu conseguisse prestar atenção. Acho que foi naquele dia que Alex chorou por muito tempo, apertando minha mao, implorando para que eu nao fosse, que nao desistisse tao facilmente, logo de cara. Eu o ouvia como que de longe, numa imensa tristeza por ele, por mim, rapidamente lembrando de episodios que passamos juntos, consciente do quanto eu o amava. "Voce quer viver. Eu sei.", ele sussurrava. E eu queria, e como queria! Mas as horas pareciam dias, e que guerra longa e dolorosa!

Em outra vez, num comprido dia em que me senti melhor, mais lúcido, vi os dois em frente à janela e Alex tinha um sorriso leve no rosto, olhando para fora.

- Quase um mês! Enfim, já era hora dele reagir. Graças a Deus_ falou e seus olhos marejaram_ Falei pra você, não falei? Esse moleque é um guerreiro. E ninguém me toma ele, Beto. Nada e nem ninguém.

Como assim? Eu tinha escapado? Verdade era que naquela noite mesmo me tiraram o oxigênio e com uma voz muito rouca e sumida, pedi um copo de água à enfermeira. Respirar era ainda um pouco puxado, porem bem melhor do que há dias atrás. O inverno severo se afastava de dentro do meu peito, finalmente.

- Cadê o Alex?_ falei à moça, enquanto ela me sentava com dificuldade na cama; minha fraqueza me fazia oscilar horrivelmente, sem equilibrio.

- Deve estar vindo. Ele vai e vem o dia todo_ disse ela, segurando minhas costas_ Consegue se firmar? Assim? Vamos mudar essa roupa. Suou demais. Ouvi dizer que são namorados, voce e ele...

- Sim. Somos_ sussurrei, constrangido, fazendo esforço para me manter sentado.

Ela me olhou rapidamente, sem expressão, e nao pude decifrar seu pensamento. Mudou meu camisolão de hospital e notei, olhando meu corpo, que tinha emagrecido um pouco. Não muita coisa, talvez uns dois quilos, no máximo. Sentia frio assim, fora das cobertas, e foi nesse momento que Alex entrou no quarto, carregando uma manta e uma mochila cheia. Deu um sorriso largo ao me ver, deixando as coisas no sofazinho ali ao lado e vindo me abraçar com cuidado.

- Ah, Marquinhos! Finalmente está ficando melhor_ falou comovido, me beijando o rosto e me olhando de perto_ Me deu um susto danado, meu anjo!

A enfermeira pediu a ele licença para recolher meu camisolão suado, e falou, carrancuda:

- Ele precisa descansar, agora.

Me ajudou a deitar, mas Alex nao saiu de perto, me olhando num carinho e amor que me fascinava. Dei a ele o meu sorriso sem graça, de doente em recuperação, e vi seus brilharem, tão bonitos como antes, como quando ele era feliz. A felicidade dele era a minha, tambem.

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Obrigadissimo a todos, a quem so le, a quem le e comenta, etc.

Beijao em cada um! Qualquet duvida respondo nos comentarios, ok?

Ate! :D

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Comentários

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Às vezes eu dou bons palpites, mas não consigo saber qual será o final. Antes eu pensava que o Marcps iria querer morrer a sua própria maneira, mas agora ele lutou tanto! Eu não sei o que pensar... Não foi apenas o Alex que estava com medo, pois eu fiquei com o coração na mão, pensei mesmo que dessa ele não escapava, mas ele venceu e essa luta dele doi tocante e agoniante e vibrante, emocionante... não tenho palavras, sério você me deixou sem ter o que dizer. Esse foi um dos melhores capítulos! Foi o momento em que o Marcos se mostrou mais humano do que nunca em sua vida ao demonstrar arrependimento pelo que fez ao Vitor e por valorizar mais o sofrimento do Alex do que o seu próprio. Eu entendo que todo artista precisa de um momento para se isolar e ficar longe da midia, mas não demora por favor! Não nos prive do seu grande e belo talento!!!!!! Beijos meu amor, eu vou fazer uma pequena homenagem a você na minha serie Antes do Amanhã Ser no próximo capítulo que eu escrever.

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Eu estou aqui em lágrimas. Hoje já é o final e eu nem estou preparada pra isso. O meu coraçao está num aperto só. Eu vou deixar todas as minhas palavras e emoçoes para o ultimo capítulo. Tá arrasando como sempre, Rainha! E já sabe, você mora em meu coração. Beijos!! P.S.: já vejo que mais tarde irei chorar horrores. :'(

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Espero que o Final de amanha não me mate, espero sinceramente que o Marcos possa viver muito ainda, capitulo lindo, continua.

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Choreeei :/ espero que ninguem mora eih? Ta otimo continue logooo

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😓😓😓😓😓 Amanhã?? Meu Deus!! Mana, o Marcos vai morrer?? Diz q não.. E seu conto não tem nada de previsível, seu conto é ótimo, muito muito bom!! Nossa..Eu particularmente sou viciado nesse conto.. Chorei pacas, quando ele lembrava de algumas coisas passadas, nossa... Quero a felicidade desse casal em?? Nao quero morte não... Rum!!! Beijoooooos

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Quin,,nunca vi essa serie, so ouvi falar, rs, sou uma negaçao nessa coisa de seriados. Mas acho um exagero! Meu conto tem uma historia previsivel, manjada mesmo. De qualquer modo,,valeu pela comparaçao generosa haha. May, acho que nao vou escrever outro, miga, desculpa. Estou sem animo nesse final de ano :( Obrigada pelos comentarios, vc eh muito gentil! Gosto muito de ti, viu? Learsi :D, fofinho, obrigada seu divo! Adoro vc! Luhoff, dizem que A Culpa e das Estrelas eh super chato, procede? rs Espero que goste do final que fiz para esse conto, e que sera amanha. Migo, brigadao por tudo! Eh tanta gentileza sua! Te gosto muito, ta? *-* Perley, valeu, cara! Voce esta sempre aqui e como os outros nao abandonou a historia nos capitulos tristes e pesados. Valeu, mesmo. Obrigada tambe aos anonimos que so leem. Sao igualmente especiais pra mim! :)

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