O Casarão - Parte 9

Um conto erótico de Whirled
Categoria: Homossexual
Contém 5496 palavras
Data: 10/08/2014 09:29:05
Assuntos: Amor, Gay, Homossexual, Sexo

No dia seguinte, quando Pedro acordou para comer, Igor já tomava cereal na cozinha. O chão continuava sujo de barro e a panela usada ontem para cozinhar o macarrão instantâneo ainda estava na pia. Enquanto comia, Igor sacolejava suas pernas e não teve pressa em terminar, brincava com os flocos boiando no leite e tomava uma xícara de café. Pedro foi até a pia e viu que ela continuava do mesmo jeito que no dia anterior e não tinha café na cafeteira. Ele então saiu e seguiu para a rua. Caminhou até uma padaria e pediu um pão com mortadela e um copo de café preto. Comia com o gosto de quem sabia que aquela situação pioraria ainda mais.

Os pedreiros foram chegando e sujaram mais ainda o casarão, por onde quer que passassem. A cozinha ficou ainda mais suja e era o cômodo onde a limpeza era mais necessária. Antes das onze horas, Pedro caminhava pelo salão principal e viu um dos operários saindo da cozinha com um balde cheio de água, molhando um pouco o chão durante o percurso. Misturado ao barro avermelhado que já se encontrava por todos os pisos do térreo, a água fez uma lama pastosa que continuaria úmida até o dia seguinte. Mas quantos baldes ainda passariam por ali? E quantos outros dias essa atividade não seria repetida? Pedro se irritava cada dia mais e não poderia descontar isso nos pedreiros. Enquanto respirava fundo para não explodir os nervos, caminhou até a cozinha e, antes de chegar, sentiu cheiro de comida no fogão. Apressou os passos e viu Igor cozinhando quatro panelas de uma só vez. Foi inevitável, um sorriso se abriu em seus lábios. Não era um sorriso de maldade, de alguém que estava se aproveitando da boa vontade de outra pessoa, mas era a alegria de alguém que poderia ter um pouco de paz em meio a tanta poeira, barulho e mau cheiro. Era uma ponta de esperança de que nem tudo naquele casarão era tão insuportável assim. Saiu da cozinha em direção a obra e continuou prestando atenção no trabalho realizado.

Ao meio dia, Pedro, que estava do lado de fora do casarão, viu Igor arrumado indo em direção ao portão, provavelmente partindo para a faculdade. Foi a deixa para que ele pudesse ir a cozinha fazer a sua refeição do inicio da tarde. Quando se dirigiu em direção ao fogão, viu que ele estava vazio, sem panelas. O cérebro de Pedro rapidamente interpretou aquilo, mas Pedro não queria acreditar. Não poderia ser possível. “Será que guardou dentro do forno?”, e nada. “No microondas?”, vazio. “Botou na geladeira, então!”, e nem sinal do almoço. “Viado filho de uma puta!”.

Por um minuto Pedro imaginou que pudesse haver uma trégua entre ele e seu inimigo, mas durou apenas um minuto. Antes Igor não tivesse cozinhado nada, mas cozinhar e se negar a deixar um pouco para o seu companheiro era muita maldade. Pelo menos era isso o que Pedro pensava. Tudo foi de propósito para atacá-lo e isso era imperdoável. A solução foi abandonar o casarão e comprar uma quentinha, assim como todos os outros na obra.

Desde que chegou ao casarão, Pedro não teve um minuto em que achou que tudo aquilo passaria ou poderia se tornar menos difícil, até aquele momento em que viu Igor cozinhando. De fato era um pensamento de um aproveitador, ainda mais se tratando de alguém que já promoveu tantos ataques ao cozinheiro. Mas não era por maldade que aqueles pensamentos lhe invadiam. Em sua casa, se algo o incomodava, Pedro conhecia várias maneiras de fugir. Poderia usar seu quarto (que era só seu) como esconderijo, poderia sair, ir à praia e nadar, passar mais algumas horas malhando e tantas outras coisas que lhe faziam bem a cabeça. Mas no casarão isso era praticamente impossível, pois não poderia sair sempre que pudesse e não conseguia, por vezes, se livrar do seu principal problema: Igor. Ainda mais quando o seu próprio pai o havia lhe imposto atenção quanto a segurança do garoto.

Pedro estava preso a ele, mesmo que não quisesse, e Igor era uma prisão inexistente na realidade, mas que pela primeira vez Pedro conseguia sentir suas grades o aprisionando. Se fosse claustrofóbico, já teria tido crises e nenhum profissional da saúde conseguiria diagnosticá-lo. Na volta para o casarão, antes mesmo de entrar, já ouvia o barulho dos operários e poderia enxergar toda a sujeira que estaria envolvendo todos os cantos daquele prédio. Uma angustia forte se apoderou de seu peito e Pedro teve que fazer uma das coisas mais difíceis da sua vida, que era não fugir de seu problema, mas com a certeza de que não conseguiria encará-la. Tentaria ignorá-la. Tentaria!

Entrou e seguiu então para o seu quarto. Tirou toda a roupa, ficando apenas com a cueca e se deitou, espalhando o seu corpo no colchão. Abriu os braços, pôs as mãos embaixo de sua nuca e, olhando para o teto, começou a cochilar. Em nenhuma hipótese Pedro poderia fazer aquilo e correr o risco de deixar o casarão aberto a sua própria sorte. Se os pedreiros fossem embora, quem trancaria as portas e o portão? E quando Pedro acordaria?

Mas como o destino costuma brincar de se disfarçar de coincidência, Igor chegou cedo da faculdade aquele dia. Adentrou o casarão no momento exato em que os trabalhadores abandonavam suas ferramentas. Esperou, então, que todos saíssem, para que pudesse trancar o portão. “Onde está Pedro?”, perguntou a um dos pedreiros, mas nenhum deles soube responder. Igor queria naquela noite passar em sua casa e jantar com sua mãe, mas não pôde por causa desse evento. Ligou para ela avisando enquanto subia as escadas. Depois de desligar o telefone, entrou no quarto e viu o corpo de Pedro sob a luz da rua, que começava a iluminar com deficiência o quarto. A primeira ideia que lhe surgiu foi de que ele havia bebido e estava curando a embriaguês no sono. Mas ao se aproximar um pouco mais, não sentiu cheiro de álcool e as roupas não estavam jogadas. O calção e a camisa estavam dobrados em cima de uma cadeira de madeira ao lado da cama. “Por que, então, Pedro se deu ao luxo de dormir no meio da tarde?”.

Mas não o acordaria, obviamente. Apenas lamentou que não poderia mais remarcar com sua mãe, mas também não era algo pelo qual Igor estava ansioso. Tentou fazer o mínimo de barulho possível enquanto se despia, deixou a roupa em cima de sua cama e seguiu para o chuveiro. Pedro acordou e tentou se lembrar dos últimos acontecimentos. Pela escuridão, já se passavam das dezesseis horas e se assustou um pouco por isso, pois não poderia ele dormir. Mas ao ouvir o barulho de chuveiro vindo do banheiro, se acalmou. Se Igor estava ali, era porque nada de mais tinha acontecido.

Aliás, nada além do fato de se odiarem. Ergueu um pouco mais o corpo e se encostou na cabeceira da cama; esperou pela saída de Igor do banheiro. Este, por sua vez, saiu do banho já vestido, como sempre fazia e enxugando o cabelo com a toalha. Pedro o seguiu com os olhos e perguntou.

- Onde está todo mundo?

- Já foram.

Igor respondeu rapidamente e da forma mais áspera que conseguiu, sem olhá-lo no rosto. Continuou se enxugando enquanto guardava as roupas em um saco de pano, onde punha todas as outras que sujava. Sentou-se na cama e começou a enxugar os pés. Pedro não tirava os olhos de cima dele, mas continuou deitado, esperando que ele terminasse o seu ritual pós banho. Achou que Igor fosse secar seu cabelo com o secador, mas ele não o fez, pois não dormiria naquela hora. Seguiu para a varanda, onde estendeu a toalha e estava de saída do quarto, em direção a cozinha. Mas Pedro se levantou rapidamente e parou na frente do menino.

- Você se acha muito espero, não é Igor?

Mas ele não respondeu nada. Parou e ficou ali.

- Você acha que meu pai compra a comida dessa casa só pra você?

- Do que você ta falando?

- A comida é pra mim também!

- É, eu sei. – e tentou sair do quarto.

Pedro o agarrou com força por um dos braços e o puxou para o lugar inicial.

- Sabe? Não parece!

- O que você quer, Pedro? Fala logo.

- Eu quero tanta coisa. Quero que você morra, se ferre na vida e muitas outras coisas ruins, mas por agora eu só quero comer também.

- Ué, eu te impeço?

- Não ouse brincar comigo, Igor!

- Tem comida lá embaixo. Desça e cozinhe, não sou obrigado a cozinhar pra você. Cozinho para mim e só.

- Então é assim?

- Pedro, o que você quer de mim? Quer me matar e ainda quer que eu cozinhe? Ah, mas você é muito cara de pau mesmo, não é?

Pedro não se conteve e o empurrou com muita força para trás. Foi algo totalmente impensável, tanto é que nem se lembrou que atrás havia a sua cama. Por sorte, havia uma cama. Igor se desequilibrou com tamanha força que caiu como um saco de arroz em cima do colchão. Mas o susto foi muito mais forte que qualquer coisa. Quando menos esperava, estava deitado e nem mesmo conseguia raciocinar como tinha chegado até ali. Já Pedro, após vê-lo caído em sua cama, conseguiu oxigenar o cérebro e pensar no que fez. Pela primeira vez pôde ter uma ideia de quanto ele poderia ser agressivo, mas não conseguia se sentir culpado por isso.

Igor continuou deitado por alguns segundos, respirou fundo e se levantou. Seguiu para uma de suas malas e trocou o short por uma bermuda mais comprida. Procurou sua carteira, pegou as chaves e saiu sem falar nenhuma palavra ou olhar para Pedro outra vez. Desceu as escadas em disparada e ganhou a rua. Pedro continuou no quarto, com raiva de si por ter se descontrolado e por ter dado, inconscientemente, razão para Igor. Mas culpa pela sua agressão não havia, era como se não coubesse em seu coração ou fosse incompatível com seus sentimentos.

Ele então se sentou na beira da cama e começou a respirar fundo pela boca, enquanto escondia seus olhos do mundo com as duas mãos. Precisava conter a sua impaciência e descontrole diante daquela situação, precisava não se alterar tanto por causa de Igor. Voltou a se deitar e recobrar a sua sanidade, que fora um pouco perdida naquele minuto. Tratou então de descansar seu corpo enquanto o relógio anunciava que Igor estava demorando muito para retornar. Começou, então, a se preocupar sobre para onde ele teria ido. Instantaneamente pensou que ele poderia ter tido coragem para contar toda a verdade sobre o seu relacionamento com Pedro, mas logo abandonou essa ideia. Logo, não sobrou muito no que pensar, então decidiu deixar para lá.

Igor retornou e Pedro percebeu pelos ruídos. Do quarto, conseguiu ouvir o portão se abrindo, os passos dados no salão principal e depois o silêncio retornou. A vontade era de descer e perguntar o que ele tinha feito e para onde tinha ido. Mas não foi preciso esperar tanto. Igor logo subiu com várias sacolas de supermercado e as deixou em cima de sua cama. Pedro, que ainda estava deitado, levantou-se e acendeu a luz do quarto.

- O que é isso, Igor?

Mas Igor continuou calado e arrumando suas compras. Com um pouco mais de atenção, percebia-se que era comida o que ele havia trazido. Pedro caminhou até a cama e perguntou.

- Você está doido pra fazer cena, não é Igor? Você quer que meu pai saiba que brigamos pela comida, não é?

Igor continuou calado, deu meia volta e desceu as escadas. Pedro esperou para ver se ele não retornava e partiu em direção as sacolas. Conferiu o que ele havia comprado e tinha um pouco de tudo: feijão, arroz, macarrão, temperos diversos, margarina, talheres para cozinhar, alguns biscoitos e bolachas, leite, café e tantas outras coisas tão cotidianas as suas refeições. Pedro não estava gostando nada daquilo e já conseguia imaginar uma bronca de seu pai por causa daquelas compras. Igor retornou ao quarto e Pedro deixou as sacolas e se sentou em sua cama. O menino se aproximou e começou a guardar tudo em sacos grandes de lixo, os amarrou e foi pondo debaixo de sua cama.

- Você quer arrumar confusão, não é? – e não foi respondido – Você sabe que quando meu pai souber, ele vai brigar comigo, vai querer saber os motivos de você estocar comida no quarto.

Igor continuou calado, então Pedro se levantou da cama e o puxou pelo braço.

- Não sabe, Igor? – gritou.

- Solta o meu braço, por favor.

- Você quer brincar de quem morre primeiro, não é?

- É pra responder?

- Igor, não me provoque...

- Pedro, quantas vezes você me pediu isso e eu continuei te provocando? Vai me matar? Mata logo de uma vez e para de encher o meu saco, porque eu não tenho tempo pra você. Se você tem medo do seu pai, problema seu. Eu não vou contar a ninguém que comprei minhas coisas, ele saberá se você contar. Você vai contar? Acho que não, então para de sentir tanto medinho do papai, porque ele não vai te pôr de castigo ajoelhado no milho. E para também de ficar me empurrando, me puxando, me batendo, me enforcando, porque isso só revela o quanto você tem medo de mim, porque sabe que eu não posso revidar e então você me humilha com sua força, porque sabe que eu não posso te dar uma resposta a altura. Mas sabe do que mais? Eu não ligo se você é maior, mais bonito, mais forte, mais inteligente, mais capaz que eu, porque eu não vou querer ficar na bosta desse hotel quando ele ficar pronto. Quando eu me formar, eu vou sumir daqui e você vai poder ser dono de tudo isso sozinho. Agora, por favor, larga a porra do meu braço?

Pedro não conseguiu respirar depois desse soco no estômago. Ele olhava para o seu rival com o maior sentimento de medo que já sentiu em toda a sua vida. Igor tinha mais força dentro de si que qualquer outra pessoa.

- Larga, Pedro!

- É bom que você não me arrume confusão...

- Ou o que? Você vai me matar? Vai me matar quantas vezes?

- Igor...

- Vai me pedir pra eu não te provocar de novo? Ah, meu filho, por favor, né? Larga o meu braço, já está constrangedor isso aqui.

Pedro não queria soltá-lo e se passar por alguém que não conseguia se impor. Demorou para ter coragem de soltá-lo, mas quando o fez, Igor continuou a embalar as compras nas sacolas de lixo e guardá-las, deixando um pacote de biscoito e uma caixinha de leite achocolatado em cima da cama. Depois tirou a bermuda e pôs o short curto que vestia antes de ter saído. Começou a jantar deitado. Pedro assistiu a tudo com muita surpresa. Como poderia aquele menino simplesmente se desligar do ocorrido e agir como se nada tivesse acontecido? Um sentimento maior ainda de angustia começou a pesar contra seu corpo. Ele não percebia, mas tudo isso era um grito, onde seu objetivo era alcançar os ouvidos de Igor, mas este não o ouvia. Pior, fazia questão de não ouvir.

Na sexta-feira Silveira faria uma pequena festa para comemorar os vinte e sete anos de casado. Paula, sua esposa, contratou um Buffet e fez alguns convites a amigos e familiares. A família de Breno, que também já era praticamente parente, foram os primeiros a serem chamados. Seria um jantar que começaria as dezesseis horas, com uma pequena recepção. Igor iria para o seu último dia da semana do calouro na sua faculdade, voltaria ao casarão, se arrumaria e partiria para a festa. Na mente de Pedro, Igor não iria com ele, mas também não teve pressa em se arrumar. Quando ele estava quase pronto, Igor chegou.

- Eu já estou de saída!

- Já?

- Claro. Achou que eu fosse esperar por você?

- Achei.

- Ah, pois se enganou.

Pedro desceu correndo e sumiu com a van. Igor, que só queria ir com ele para não lhe arranjar problemas com o pai, deu de ombros e foi tomar banho. Quando chegou a festa de seus pais, um sorriso começou a brotar em seu coração – pois não brotaria em seu rosto sisudo. Sentiu-se de volta ao lar, era como se fizesse anos que não pisava ali.

- Chegou na hora!

- Claro. Cadê a mamãe?

- Na cozinha. E o Igor?

- Que Igor? E eu sei lá de Igor?

- Pois é bom você saber, porque o papai vai perguntar e você vai dizer o que?

- Que ele estava na faculdade.

- E você não poderia esperar por ele?

- Ah, que se dane!

- E os pais dele também já chegaram.

- Que merda, viu?

- Não custa ir buscá-lo. Não é tão longe e ninguém te viu chegar ainda...

- Ta, ta bom, estou indo!

Voltou para trás do volante e seguiu de volta para o casarão. Ao chegar no portão, ligou para o telefone celular de Igor.

- Desce, eu estou no portão!

- Mas eu já saí de casa.

- Porra!

- Já estou no ônibus.

- Você, hein?

- Tchau. – e desligou.

Pedro então voltou com mais pressa ainda, desviando de todos os automóveis nas estradas, para chegar mais rápido que o inimigo. Estacionou em outra rua, pois a sua já estava tomada de carros, e esperou por Igor na esquina. Ligou para a sua irmã.

- Melissa, quando o Igor chegar, diga pra ele me esperar no portão pra entrarmos juntos.

- Mas ele já chegou!

Pedro desligou automaticamente e saiu pisando forte. Estava raivoso e por pouco não atirou o telefone no meio da estrada. Quando chegou em casa, se aproximou com cautela de seu pai.

- Oi, pai.

- Menino, que demora pra estacionar um carro!

- É que a rua está cheia, tive que parar na outra.

- Já foi falar com sua mãe?

- Não.

- Eu sei que você não é dado a sentimentos, mas dê os parabéns a ela, certo?

- Certo. Posso te dar também?

- Achei que não iria dar, já estava aqui me sentindo rejeitado.

- Pai...

- É, a gente envelhece e os filhos esquecem...

- Pai...

- Sim?

- Deixa eu te dar um abraço!

Quando se abraçaram, Pedro começou a sorrir e seu pai lhe dedicou muito carinho.

- Você sabe que eu te amo muito, não é, Pedro?

- Sei.

- E sabe que eu tenho muito orgulho de você, mesmo que você seja assim meio fechado.

- Pai...

- Ok, não vou falar nada. Só queria que soubesse.

- Mas eu sei, não se preocupe.

- E obrigado por cuidar do Igor.

- Por que está dizendo isso?

- Porque sim, porque sei que está sendo difícil pra você dividir espaço com alguém que você não se dá muito bem. Mas hoje vocês vieram juntos, tudo certinho, isso me orgulha.

- Ah... é, viemos juntos. Aliás, onde ele está?

- Deve estar com sua irmã.

Pedro se sentiu mais aliviado. Era mais uma das dívidas que ele tinha com Igor, uma divida que ele não queria ter, mas que o fez sentir um pouco grato pela atitude do menino. Melissa e Igor estavam no quarto conversando sobre o depois da festa de comemoração das bodas.

- É melhor a gente ir de táxi, não é?

- Melhor é, mas vai ser um gasto...

- É, vai, mas fazer o que? Eu não vou com esse vestido no ônibus. Além do mais, está muito esquisito pra ficar no ponto.

- Isso é verdade. Podemos voltar de carona com alguém, com algum dos meus amigos.

- Tem muito homem na sua turma?

- Tem.

- E tem héteros?

- Tem... – respondeu rindo.

- E são bonitos?

- São. A maioria.

Melissa se arrumava no espelho do guarda roupa, de onde poderia se ver de corpo inteiro, enquanto conversava com o novo amigo. Depois de se maquiar, ela fechou a porta do móvel e se sentou na cama ao lado de Igor. Eles tinham a mesma altura, então ficaram com os rostos bem visíveis um para o outro.

- Igor?

- Hum...

- Se eu te fizer uma pergunta, você promete que não se ofende?

- Prometo. Já até imagino o que seja!

E a pergunta era mesmo exatamente o que ele imaginava.

Melissa o olhou com espanto após Igor ter revelado que já supunha que esse momento chegaria. Aliás, ele desejava por esse momento, quando pudesse pedir emprestada a paciência e a solidariedade de outra pessoa. Ela riu e ele retribuiu.

- Imagina?

- Sim.

- Mas será que é a mesma coisa?

- Você vai perguntar se eu sou gay!

Ela arregalou os olhos, pôs a mão na boca para impedir que uma risada escapasse e depois o abraçou com muita força, deixando a gargalhada escapar.

- Minha nossa! Você consegue ser mais indiscreto que eu.

- Não, não sou indiscreto só quis livrar você desse constrangimento.

- Ai, eu sou muito indiscreta, não é?

- É!

Foi o bastante para selar uma amizade que renderia muitas revelações sobre sexo, homens e mais sexo. Cada um a sua maneira, mas com a liberdade que sempre quiseram ter para com um amigo.

- Eu sempre quis um amigo gay. Sempre!

- Por que?

- Por que? Ora, porque você é homem, pode me contar tudo o que eu quero saber, com a vantagem que você nunca poderá roubar meus namorados e que eu não preciso ter pudores sobre meu corpo. Você sabe o que isso significa?

- Que vamos nos divertir muito, suponho.

- Supôs certo!

Então continuaram na gargalhada e se deitaram na cama.

- Isso significa que a gente vai poder ver o outro nu?

- Por que você quer me ver nua?

- Quem te disse que quero te ver nua?

- Quer sim, quer que eu levante minha saia? – e, deitada, ela levantou.

- Você está vestindo calcinha vermelha de renda?

- Você não?

E continuaram rindo muito e se divertindo do quanto eram bobos por nunca terem feito aquilo antes. Se se conhecessem desde pequenos, com certeza teriam sido namoradinhos e depois passariam o fim da adolescência rindo de si mesmos. Era uma divertida rebeldia sexual, onde a garota poderia contar seus desejos mais loucos sobre pênis e ele poderia se sentir aliviado por não ser uma aberração pós escola.

- Não uso renda vermelha. – e começou a abrir o zíper da calça – Vê, eu uso cuequinha preta.

- Hum, deixa eu ver isso.

- Você é louca!

- Ah, essa é boa. Eu por acaso que te pedi pra você me mostrar sua cueca?

- Não.

- Já nos imaginou bêbados?

- E preciso? Não bastou aquela amostra grátis que fizemos no casarão?

- Ah, querido amigo boiola, mas a gente não estava com tanta intimidade assim.

- Então nem quero imaginar quando encontrarmos um bissexual gostosão no nosso caminho.

- Vai depender muito, caro colega. Pode ser que meu gosto por homens não seja o mesmo do seu.

- Hum, muito difícil, pois eu gosto dos homens. E não de tipos de homens.

- Não, não, não... Você arrasou. Bate aqui!

E enquanto ainda estavam com a saia erguida e a calça aberta, a porta do quarto se abriu. No susto, os dois mais novos amigos de infância se levantaram da cama e olharam para o intruso. Era Pedro, que sem entender nada, entrou e fechou a porta rapidamente.

- Mas o que porra é isso?

Igor se apressou em fechar o zíper da calça e Melissa olhava o irmão com a mão na boca, escondendo o riso.

- Vocês estão malucos? – e continuaram calados – Me respondam!

- Pedro, não é nada disso o que você está pensando...

E voltaram a rir, deixando Pedro de fora de toda a diversão. Sem entender e sem se sentir incluído, o irmão de Melissa saiu do quarto desorientado pelas coisas que poderiam estar acontecendo sem que ele pudesse controlá-las. Agora Melissa e Igor eram amigos e o que viria após isso poderia ser desastroso. Agora sem pudores um para com o outro, o que os impediria de revelarem seus maiores segredos? Todos eles!

Pedro saiu vagando pelo corredor, pegou um copo de refrigerante na cozinha e voltou para o quarto da irmã.

- Será que ele conta para os nossos pais?

- Conta nada... – Pedro entrou.

- Já estão vestidos?

- Já, besta!

- O que vocês estavam fazendo?

- Nada, nada. Igor e eu estávamos apenas tirando umas dúvidas de anatomia.

- Seria ótimo se o papai entrasse e visse essa aula.

- Vai contar? Então pronto!

- Igor...

- Hum?

- Voltamos juntos na van, ouviu?

- Eu...

- Nós vamos para uma festa depois daqui. Voltamos só amanhã.

- Vocês dois juntos numa festa?

- O que é que tem, idiota? Vai, vai cuidar da tua vida. Xispa do meu quarto, sai, sai, sai.

Enquanto Melissa o empurrava para fora, Pedro olhou para Igor e os dois tiveram um novo momento. Igor estava um pouco envergonhado e Pedro se sentindo um estranho na própria casa. Estavam, de certa forma, fragilizados com os últimos acontecimentos, onde os dois não conseguiam ter um minuto de paz para si. Eles tentavam se livrar um do outro, mas não conseguiam, pois algo sempre os uniam de novo.

- Bom, agora que meu irmão se foi, vem cá, senta comigo.

- Diz.

- Você está namorando?

- Não. E você?

- Não também.

- Mas porque a pergunta?

- Porque achei que estivesse, não sei porquê achei isso, mas enfim.

- Não, não estou. Até hoje só beijei um garoto em toda minha vida!

- Ai, sério? Me conta.

Igor se encostou na cabeceira da cama e deu inicio a história:

Ele tinha ainda dezessete anos, ou seja, foi no ano anterior. Ele fora visitar um amigo de turma do colégio, que iria se mudar para Lisboa com o pai. Enquanto estavam na piscina, encostados em sua borda e tomando limonada com vodca, começaram a conversar sobre algo que um já sabia do outro. O amigo, Raul, contava sobre suas expectativas no velho continente e de que, se tudo desse certo, ele nunca mais voltaria. “Nunca mais?”, perguntou Igor. “Voltaria para as férias, coisas assim!”.

- No seu lugar faria o mesmo, seria um sonho morar na Europa.

- Os homens europeus são os mais bonitos, não é Igor?

Eles então se olharam, olharam, olharam, até que riram. “Eu sempre soube, Raul!” e ele por sua vez “Eu sempre soube, também!”. E como uma coisa leva a outra, conversaram sobre experiências. “Somos amigos, não é, Igor? Quer dizer, nunca houve outro tipo de interesse entre nós, certo?” e ele respondeu “Sim, mas por que isso?”.

- Por que eu nunca nem mesmo beijei um cara.

- Nem eu, mas o que é que tem?

- Quero ao menos chegar a Lisboa sabendo um pouco como é.

- Quer que eu te beije?

E sem resposta, Raul se aproximou de Igor e o beijou os lábios. “Posso continuar?”, e também não foi preciso resposta. Continuaram se beijando e depois terminaram seus copos de limonada.

- E pronto?

- É.

- Ele era bonito?

- Ah, era um dos mais bonitos do meu colégio.

- E não fez nada além disso?

- A gente só queria saber como era o beijo. Éramos muito amigos. Até hoje mandamos email, conversamos online e rimos de como fomos bobos. Raul era um irmão mais velho.

- Então você não sentiu nada com o beijo?

- Senti, claro!

- E então?

- Senti cócegas...

A noite foi tomando corpo e após alguns brindes e pequenos lanches, todos se sentaram numa mesa enorme no jardim, que na verdade era a junção de várias mesas. Os dois mais novos amigos não se desgrudaram durante o jantar e riram muito de tudo e de todos. Pedro, que agora já tinha dois de seus familiares roubados por Igor, sentou-se justamente a frente daqueles dois e observou de perto o quanto eles estavam unidos. Pareciam mais irmãos do que Pedro e Melissa nunca foram. Amavam-se sim, mas não tinham intimidades e nem mesmo pequenas rixas, comuns a qualquer relacionamento fraternal. Nunca pensou, Pedro, que pudesse ter ciúmes de sua irmã. Mas teve.

Ao fim da festa, ou pelo menos para Melissa e Igor, foram se despedir de seus pais. Silveira e Paula estavam no Jardim na companhia de mais um casal e de Breno com sua esposa, mãe de Igor, Alessandra.

- Silveira, querido pai, estou de partida com Igor.

- Para onde vão?

- Para a festa dos calouros do meu curso, tio.

- E que horas voltam?

- Hora? O que é isso, pai?

- Tem dinheiro suficiente, Igor? – perguntou Alessandra.

- Não sei...

- Voltam de táxi, não é? Aliás, vão e voltam de táxi?

- Não sei...

- Tome...

Alessandra procurou na pequena bolsa algumas cédulas e Igor se aproximou da mãe para buscá-las.

- Vê lá o que você vai aprontar, hein menino?

- Fique tranquilo, pai.

- Não gaste muito com bebida.

- É uma festa, tudo é de graça!

- Pior ainda!

- Tome, - disse Alessandra – acho que é o suficiente.

- E cuide da Melissa.

Igor olhou para o pai e pensou “Por que devo cuidar dela? Só porque sou homem?”. Quando se preparavam para sair, Silveira os acompanhou até o portão.

- Vou chamar o táxi pra vocês.

Ao chegarem a rua, Silveira começou a conversar com Igor.

- Eu quis vir com você pra te contar uma coisa.

- O que?

- Próxima semana eu preciso que você perca a aula da sexta-feira.

- Eu posso fazer isso, mas o que aconteceu?

- Eu preciso que você viaje novamente com o Pedro, mas dessa vez é mais próximo. É Aracaju, aqui pertinho.

- Viajar com o Pedro?

- Eu sei que vocês não se dão muito bem...

- Tio, mas o Pedro não precisa de mim pra vender. Ele ficou cheio de dedos no inicio, mas depois ele desenrolou facilmente.

- Você não quer mesmo ir, não é?

- O senhor me perdoa se eu não for?

- Igor, você não precisa pedir desculpas por isso. Só precisa pedir desculpas por ter me chamado de senhor!

Igor, então, pôs em prática o plano que teve desde quando mentiu para o seu tio postiço sobre o desempenho do rival em João Pessoa: de abandonar Pedro a própria sorte!

Melissa e Igor pegaram um táxi e partiram para aquela que seria primeira de muitas festas que eles iriam juntos. Igor estava muito feliz naquele dia, pois pode pela primeira vez sentir que iria se divertir sem ter que se preocupar com tantas coisas relacionadas à sua identidade sexual. E estava mais aliviado também por ter finalmente conseguido se livrar das próximas viagens que teria que fazer com Pedro. Tudo caminhava para esse fim.

Igor nunca quis com prazer ser sócio no hotel, ele queria se formar arquiteto, atuar na área e se tornar um acadêmico. E através de sua profissão, viajar pelo Brasil e pelo mundo, conhecer museus e proferir palestras. Não seria nada mal ter uma alternativa de vida, caso seus sonhos não dessem certo. Por isso abriu a mente para esse empreendimento de seu pai e tio. Mas após conhecer um pouco mais o seu companheiro de sociedade, todo o desejo, que já era pouco, se desfez. Sua luta agora seria em tentar parecer um individuo desnecessário no hotel, mesmo que isso desagradasse a seu pai.

Igor sempre teve medo de enfrentar Breno, mas tinha em sua mente que não duraria muito tempo na casa dos pais e que não precisaria temer essa convivência para sempre. Seria livre em alguns anos a frente. Por isso o seu “desengaiolar” fluía em sua vida com a leveza de quem tinha certeza que poderia viver sua homossexualidade plenamente. Pedro era uma pedra no meio do caminho, tanto que “Pedro” e “pedra” são palavras parecidas, onde a única diferença é a letra final. Era mais ou menos assim que Igor o enxergava. Como alguém poderia ser tudo em sua vida – pensou nisso por algumas horas dentro daquela van – mas rapidamente se tornou a pessoa mais dispensável em sua trajetória de libertação.

Enquanto estava sentado naquele táxi, curtindo a sua mais nova melhor amiga, pensou justamente nisso. Estava quase concluído: Pedro venderia os pisos e logo Igor não seria mais visto como alguém assim tão importante na sociedade. Poderia passar a noite toda dançando e imaginando seu futuro brilhante. E foi o que fez. Ao chegarem, Igor já havia conquistado uma legião de novos colegas e os apresentou todos para Melissa, que sem dúvida chamava atenção pela sua beleza e pelo seu sorriso. Definitivamente aqueles dois poderiam iluminar qualquer lugar juntos.

Na festa de Silveira, Pedro pode se sentir mais em casa com a partida de sua irmã e de Igor, principalmente. Havia muita comida e ele aproveitou para estocar um pouco em seu quarto antigo e lá mesmo se trancou. Assistiu um pouco de TV a cabo, espiou um pouco a internet e ficou a vontade. Quando já se passava das três horas, seu pai lhe chamou no quarto. Silveira entrou e sentou na cama.

- Sua irmã ligou, disse que ela e Igor só voltam amanhã de manhã, então se você quiser ir para o casarão, pode ir. Não precisa esperar pelo Igor.

- Na verdade eu estava pensando em dormir aqui hoje. Estou sentindo falta do meu quarto!

- Tudo bem, fique esse fim de semana.

- Posso mesmo?

- Claro, fique. Aliás, já estou marcando uma nova viagem para você vender os pisos em Aracaju. Mais tarde poderemos conversar sobre isso.

- Sim, por favor, mais tarde. Bem mais tarde!

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Comentários

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cara.já estou ansioso pelo próximo capítulo!

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