SECVNDVS

Um conto erótico de Luiz
Categoria: Homossexual
Contém 2258 palavras
Data: 14/01/2013 02:55:29
Assuntos: Gay, Homossexual

“... Sorri, vai mentindo a tua dor,

E ao notar que tu sorris,

Todo mundo irá supor

Que és feliz.”

Charles Chaplin

...Tempora si fuerint nubila, solus eris.

Inferno de dia, inferno de mundo, inferno de vida! Ah, perdão. Prazer, Luiz. Bem-vindos a meu inferno particular. O motivo de tamanha revolta? O de sempre. Minha família, principalmente, que insiste em não ser minha partidária e sim me opor em tudo o que faço ou decido única e exclusivamente pelo fato de eu não poder optar em meu coração. É incrível como o mundo faz questão de contradizer os preceitos étnicos e morais que a sociedade prega, não? Livre arbítrio, felicidade, liberdade? Falsas sensações que aqueles que não se enquadram no “normal” dizem gozar. Para não dizer simplesmente que não temos o “divino direito” ao livre arbítrio, o temos, sim, para decidir se o que fizermos será por boa vontade ou se seremos forçados contra a nossa índole. Ugh, perdão, mais uma vez! Empolguei-me com a revolta.

Ehr, bem, onde eu estava? Ah, não importa. Bem, recomecemos. Prazer, Luiz. Luiz Octávio, mas prefiro somente Luiz, se não vos desagradar. Mestiço, 1,82 m, Cabelos curtos e negros, olhos quase negros, também. Mas, como é dito pela biologia, não existem olhos pretos. Não sei ao certo, não sou muito bom em biologia. Muito bom, na realidade, em matéria nenhuma, só cumpro meu dever como estudante do início do ensino médio sem grandes honras, mas sem grandes decepções. Sou mais voltado para o esporte, o que me conferiu um físico bacana. Tenho 16 anos e, como já devem saber pelo conto anterior, sou homossexual.

O problema não é bem esse, e sim o fato de meus familiares terem conhecimento sobre tal assunto. Começou há uns três ou quatro anos, quando um primo veio se alojar cá em casa. Nunca confiei muito em seu ser, mau-caráter, o homem. Sim, mau-caráter. Maliciosíssimo – tudo bem, exagero com tanto –, mas, o que tem de ruim, tem de gostoso. O infeliz me seduziu ao ter dúvidas sobre minha orientação; caí como um bêbado com cadarços entrelaçados. Descoberto o caso, tratou logo de se pôr a ignominiar-me para todos da minha casa. Não fosse somente falar que sou gay, fez questão de deturpar por completo minha imagem, ao jurar, perante Deus e a humanidade, que eu o abusara ao apalpar seu pênis e pô-lo na boca enquanto dormia.

Desde então, minha vida tem-se tornado um completo caos. Um inferno. Dizem que o tempo cura. Não foi meu caso. Aguento tudo calado, rindo, sorrindo. Meu único porto de descarga é minha irmã, Kelly – minha irmã gêmea, embora não tenhamos nada em comum –, que apesar de tudo, sempre me apoiou. Inclusive opôs-se ao nosso pai, Edgar, quando ele tentou me agredir com um bastão. Não fosse por ela, teria não saído apenas com uma bela cusparada em minha face, com um incrível carregamento de catarro e ódio, mas também com algumas belas fraturas para que avaliassem os médicos do IML.

- Filho do Demônio, cria da Perversão! Ele falava com o taco em punhos. Umas veias saltadas em sua testa davam a impressão de um AVC iminente.

- Pai, se o senhor fizer isso, juro que daqui eu saio e nunca mais volto a olhar em sua cara! Nunca pensei que Kelly pudesse ser tão feroz. Pôs-se entre mim e ele, impedindo-o de se aproximar. Pelo ombro de minha irmã, marcou-me com seu fétido cuspo. Minha mãe apenas observava, calada, como que em concessão. Seu silêncio me feriu muito mais que qualquer palavra que meu pai me proferiu.

Ao menos ele ainda me mantém. Ao menos na escola posso ser quem realmente sou, o que me conferiu algumas inimizades ou antipatias. Ao menos tenho minha irmã no mundo. Apesar de ela ser um tanto “atirada”, e brigarmos bastante, amo-a com todas as minhas forças.

Enfim, prossigamos com o enredo. Era uma manhã nublada. Início de ano letivo. Minhas férias se firmaram no mais completo ócio, nada para fazer o dia inteiro, senão prostrar-me numa cama ou sofá e fazer nada demais. Dava graças por finalmente retornar ao colégio, e todo o ambiente pueril que permeia o ar daquele espaço. Levantei-me com disposição. Higienizei-me e dei um beijo em minha irmã. Após o desjejum, rumamos à escola. Atrasei-me um pouco, o que me conferiu um certo mal humor devido a troça de alguns alunos ao me esbarrar em um deles por estar apressado. Entrei na sala com cara de poucos amigos. Avistei o pessoal de sempre, os mesmos colegas. Amigos? Não muitos. Não, não... Havia alguém diferente, que nunca vira antes. Branco, feições finas, cabelos em corte raso, penteados para o lado. Encarava-me. Menino lindo... Credo, nunca fui disso antes! Ficar admirando os outros... Não é bem comigo. Mas... Não sei o que há, decidi ceder ao luxo de observá-lo durante o trajeto até minha carteira. Ele já não mais retribuía o olhar.

Avistei-o mais algumas vezes, totalmente desconcentrado de tudo o que o professor falava, e ruborizava quando a vista era recíproca. Até que adentrou na sala o louco que nos leciona língua inglesa que impediu que qualquer um estivesse alheio ao que ele dizia. Depois de meia hora decorrida, nunca me vi tão ansioso por me aliviar. Minha bexiga estava prestes a estourar! Ao som do sinal, importei-me com nada, e corri até o banheiro. Passada a tensão do momento, dei-me o trabalho de ver se estava só. Não. Do meu lado encontrava-se Rafael. A peculiaridade da situação permitiu que eu avistasse um pouco mais do que eu pudera desejar. Demais. Descomunalmente demais – embora flácido. Consenti que a vergonha se apoderasse de minha pessoa. Maldito foi o comentário:

- Não precisa chorar, o teu também não é pequeno...

Senti o ar faltar. Ele percebeu e tentou ajudar, num digno e infeliz giro, de modo a fazer o bastão de meu pai parecer alfinete – vou parar com as comparações exageradamente exageradas, tudo bem – e foi com tudo em meu braço. Ele desatou a rir, pois acho que no momento um coágulo se formou e impediu a circulação de sangue em minha cabeça, que desatou, também, na proporção do riso, a ficar púrpura. Consumado o óbice de meu raciocínio, vi que a situação me deixou “alegre”, se é que sou compreendido. Se ele percebeu, ignorou.

Conversamos mais um pouco, e ele saiu do banheiro, deixando-me imerso em pensamentos. Ao fim da aula – nada de relevante no intervalo – Rafael me aborda, e o diálogo vocês já conhecem. Chegando em casa, imaginei estar sozinho, e já me preparava p’ra aproveitar a solidão. Engano.

- Luiiiiz, põe sua roupa e para de se masturbar que eu estou entrando em seu quarto!

Não conto 15 segundos, Kelly entra.

- Irmão, nem te conto, conheci um novato incrível! Ele é perfeito! E gostou de mim! Os gritinhos agudos ao fim de cada frase me deixaram tontos.

- Ah, sério? Que legal, outro pobre coitado cai na rede da baleia que se finge de sereia...

- Quem sabe tu não arranjas um para ti e desencalha?

- E correr o risco de ser corneado por minha queridíssima irmã que não pode ver homem?

- Se você conhecesse o Rafael, mudaria de ideia.

Confesso que senti uma pontada de decepção neste momento. Não sei bem ao certo, mas achei que... Ah, esqueçam, pensei besteira. No dia seguinte, vi-o sentado, com um livro de aspecto pré-histórico em mãos, numa cadeira, próximo à cantina. Vi que era um exemplar da Vulgata, que antes fora de sua bisavó, pelo que me foi contado.

- O que é isso? Me aproximei.

- Uma Bíblia.

- Com esse nome estranho aí na capa?

- É em latim, minha bisavó me ensinou a língua a partir dela.

- Nossa... A fim de comer algo? Por um breve momento, esperei uma resposta de cunho malicioso.

- Quem sabe, não?

E fomos. A semana foi decorrida de forma relativamente boa. Rafael e eu nos tornamos um tanto mais próximos. Era estranho estar na presença dele. Seu modo um tanto intelectual me cativava, de modo que ele falava sobre coisas quaisquer e eu simplesmente ouvia... Era estranho estar na presença dele, na presença de seu cheiro. Este ele podia chamar de SEU. Não era entupido de perfumes que fazem você se sentir em meio a uma floresta medieval, um pomar de mangas ou o deixam com cheiro de laranjas. Laranja é excelente, mas p’ra fazer suco. Deixo os cítricos para a indústria alimentícia. Fico com o cheiro humano dele, naturalmente doce, com um temperamento másculo. Mas também não dispenso o uso do desodorante, deixo as cebolas para os cozinheiros. Sentia-me tão bem, tão... despreocupado... Besteira minha, eu sei. Não sou muito de vomitar arco-íris e fantasiar pôneis de cor rosa, os deixo para as criancinhas e as fábricas de brinquedos, ou ainda para propagandas de carro (a música infeliz me persegue até hoje), e fico com o mundo real, com pessoas reais e, caso a Divina Providência permita – e permitam-me vocês a recaída de mocinha apaixonada depois de tudo o que disse -, fico com Rafael... Se ele viesse a desconfiar do que sinto, acho que não volveria mais seu olhar a mim. Católico fervoroso, ele. O problema que cada vez mais adquiria consistência era um único, com nome e todo o resto: Kelly. Eu percebi que não era o único a tomar proximidade dele. E ele parecia corresponder bem a todas as investidas de minha irmã. Investida não, surtida mesmo. Todo um rebanho vindo em sua direção em forma de gracejos. Ciúmes de minha parte? Talvez...

Ao fim da semana, recebo um convite. Espero que vós, leitores, estejais inteirados do assunto, visto que recomendo a leitura predecessora. Fui um quê mais animado no dia, cantarolando pelo caminho até minha casa. Resolvi cochilar. Zzzzzzz. Uma merda, isso. Quanto menos se quer dormir, mais você dorme, já repararam? Acordo com um aríete montando cerco contra minha porta. Recomendaria alguns quilogramas de explosivos, são um tanto mais suaves que as batidas de Rafael. E ele é tão magrinho?! Não fui o único a ouvi-lo. Kelly acordara. Eis um motivo de preocupação e aflição. Ela fora acordada. Nem mesmo minha mãe tem tal coragem, ela encarna algum mau espírito durante seu repouso e ai de quem interrompê-la. Seus cabelos desgrenhados de forma górgona apavoravam, ao mesmo tempo que sua cara amassada a conferia um ar espectral, uma Moira – sim, sim, eu amo minha irmã – da mitologia. Pus um calção e corri em direção à porta.

Abri, e fui recepcionado com seu sorriso, o qual deixou minhas pernas um tanto mais arqueadas. Pelas vestimentas, era rico. Mas ficou deslumbrante. Envergonhei-me, pois ele parava lá, quedado a frente da minha residência, majestosamente... majestoso. E eu, de calção que quase mostrava minha virilha e causava um desconfortável aperto. Imagino o aperto que causaria nele, coisa linda. Desfiz-me logo de tal pensamento, seria um grande embaraço encontrar-me numa situação um tanto tensa, se é que me entendem, com um short que faça jus à tradução do mesmo. Convidei-o para entrar, e dei as costas. Ele observou a casa, e deteve-se num retrato de minha família. Vi que ele estava prestes a perguntar alguma coisa, mas um tambor pôs-se a ribombar na escada. Era ela.

- PUTA QUE PARIU! LUIZ OCTÁVIO! Já trouxe visita! Vou dizer p'ra mamãe!

Adoraria uma toca, um buraco ou mesmo um saco plástico e esconder minha cara no momento. Mas ele sequer reparou, ficou lá, hasteado, olhando com cara de bobo enquanto minha irmã descia, e ela retribuiu o olhar, desmanchando completamente a postura pitoresca que tomara antes havia pouco, e assumira a pose de borboleta afetada, enquanto soltava um risinho e se jogava em seus braços. Obviamente, esses detalhes foram omitidos no texto anterior, o motivo, vocês devem imaginar. Isso me causou um extremo desconforto.

- Vou p’ro meu quarto. Se quiser, segunda porta à direita, subindo a escada.

Ele tentou murmurar uma resposta. Não aguentei, e saí. Mas não me contive muito, sou extremamente curioso. Voltei. Eles estavam na cozinha, em uma posição no mínimo peculiar. Ela estava atracada em sua cintura, com uma bocarra faminta, como se sugasse não só saliva, mas toda a sua energia vital. Algo que Rafael parecia confirmar, pois não conseguia demonstrar absolutamente nada. Ah, foi o estopim. Sei que entre mim e ele não havia nada, mas não deu, não pude suportar. Esbarrei em algo qualquer, meu vaso, minha mesa de centro, meu orgulho, meu amor próprio, não sei o que foi, mas esbarrei, e doeu. Já não via nada, as lágrimas me vinham aos olhos aos montes, não pensei em nada, exceto em me recolher em minha cama. E o fiz. Alguns pouquíssimos momentos depois ele veio, entendendo bulhufas do que se passara. Meio lento ele, não? Não. Ao me ver no referido estado, ele compreendeu tudoVocê é gay? Está tão óbvio assim? Nem tinha percebido...

Ele me lançou um olhar um pouco indecifrável, não fosse pela cara de enjoo que foi feita. Não foi bem essa a intenção dele, mas foi o que saiu. Pensei que ele fosse me mandar a um lugar desagradável e sair dali. O incentivei.

- Agora vai, não precisa mais olhar na minha cara, se assim o quiser.

Aí a expressão mudou, e foi de decepção. Ele sentou e pôs minha cabeça em seu ombro. Vi-me sensível, ali, desabafando anos de mágoas reprimidas sem dizer palavra alguma.

- Desculpa...

- Deixa de besteira e sorri, que você fica bem mais bonito alegre.

Ele me limpou a face, deitou-me em seu colo, e lá eu dormi, tranquilo como jamais dormira antes.

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Comentários

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Muito bom.... Tipo, muito bom mesmo! Adorei!

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nossa que escrita perfeita ç.ç .... sz nota 10

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Nossa... Suia escrita me é admiravel; lembrou-me as conversas com um amigo>>>>>>>>>>>>>> 10

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